Comentários sobre a balança comercial brasileira de 2020

Os números fechados da balança comercial brasileira de 2020, que incluem exportações e importações até dezembro, retratam um país que continua se desindustrializando rapidamente, e que está disperdiçando um novo boom das commodites.

No caso do petróleo, há um agravante: embora pela primeira vez o Brasil esteja registrando superávits sucessos da balança comercial do petróleo, ou seja, exportando mais do que importando, o que seria uma boa notícia está servindo, em verdade, para acelerar ainda mais o processo de primarização da nossa economia.

Ao invés de estarmos investindo em refino de petróleo, estamos ampliando nossa dependência de produtos importados.

Com base nos números atualizados pelo sistema Comexstat, da Secretaria de Comércio Exterior, fizemos alguns gráficos, com um histórico desde 1997, para melhor visualizarmos a evolução da nossa pauta de exportações. 

Um dos gráficos mais impressionantes é o que traz a participação do grupo dos quatro principais produtos brasileiros de exportação (ferro, soja, petróleo e carne) no total da receita gerada nos últimos 20 anos. 

Esses produtos, que respondiam por pouco mais de 10% das nossas exportações ao final da década de 90, hoje já correspondem a quase 50%.

Esses quatro produtos geraram US$ 102 bilhões em divisas para o Brasil em 2020, o que representou um ligeiro aumento sobre o ano anterior; em momento de pandemia e recessão global, essa performance positiva não é trivial.

Aliás, uma das lições da pandemia é que algumas comoditties da área de alimentação tem um mercado mais estável e pujante que as da área de energia, que são muito dependente de outras variáveis. O petróleo, que agora está se recuperando, enfrentou uma queda de consumo muito grande este ano, em função das medidas de distanciamento social, que reduziram drasticamente a circulação de pessoas, e por isso fazendo cair o uso de transportes que usam combustível fóssil. Houve um momento, no auge da pandemia, que as cotações do petróleo chegaram a zero. 

Já o consumo de soja e carne jamais caiu. Ao contrário, aumentou. As pessoas ficam em casa, mas não páram de comer. E hoje a carne registra uma alta cotação no mercado internacional, com reflexos no preço doméstico, como os brasileiros que gostam de um churrasco já devem ter dolorosamente constatado.

Em quantidade, as exportações brasileiras de carne bateram um recorde histórico de 7,28 milhões de toneladas vendidas em 2020. 

Já o petróleo, também batemos recorde de exportação no ano passado, com 86,5 milhões de toneladas vendidas, mas como o preço baixou muito ao longo do ano, a receita total ficou quase 6 bilhões de dólares menor em relação a 2019. 

Outro gráfico muito emblemático de uma mudança profunda nas relações comerciais do Brasil é o aumento dramático da participação da China nas exportações brasileiras. 

Enquanto no final da década de 90, a China tinha presença inexpressiva em nossas exportações, contra uma participação média de 20% dos EUA, esse quadro sofreu uma reviravolta total. Hoje a China responde por mais de 30% das nossas exportações (33% em 2020, para ser exato), ao passo que os EUA não comprou mais do que 10% dos nossos produtos no ano passado.

Em termos de saldo comercial, que considera tudo que exportamos para a China, menos o que importamos do mesmo país, a nossa relação com o gigante asiático tem sido muito lucrativa para nossa economia. Estamos vendendo muito mais que compramos.

Em 2020, nosso saldo comercial com a China bateu um recorde histórico, de US$ 33 bilhões. 

O saldo comercial brasileiro com os EUA vem seguindo no caminho contrário. Em 2020, ficou negativo em quase US$ 3 bilhões, o que significa que estamos comprando mais produtos dos EUA do que eles comprando da gente. 

E o que os Estados Unidos nos vende?

Os EUA nos vende sobretudo petróleo refinado, como óleo diesel, gasolina, nafta, querosene, lubrificantes, etc. Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior, os derivados de petróleo representam 27% a receita de todos os produtos americanos exportados ao Brasil; em segundo lugar vem produtos químicos orgânicos (8%), máquinas para determinadas indústrias (7%) e produtos químicos (7%).

 

Quando analisamos o grau de complexidade da nossa balança comercial, o cenário é bastante negativo. Nas categorias que incluem os produtos de maior valor agregado, como os insumos industriais elaborados, a balança brasileira vem se deteriorando rapidamente. Ou seja, estamos exportando menos e importando cada vez mais produtos industrializados. 

Em 2020, houve recorde no déficit do setor de bens de capital, o que em outra situação poderia até ser interessante, caso significasse a ampliação e modernização de nosso parque industrial. No entanto, o que temos visto é apenas a substituição de bens de capital produzidos no Brasil por produtos fabricados no exterior. 

 

 

A balança comercial brasileira, de uma maneira geral, tem melhorado o seu desempenho de 2015 até aqui, o que é irônico, por ser justamente o período de maior recessão econômica, deterioração das contas públicas, piora dos indicadores sociais, elevação do nível de desemprego. Em função de uma estrutura produtiva atrasada, o Brasil vive essa situação esquizofrênica, de ver sua balança comercial melhorar apenas em momentos de depressão econômica. 

Por outro lado, isso também sugere as saídas para a crise. Os superávits comerciais e o bom momento das commodites precisam ser aproveitados para financiar projetos que visem a sofisticação da nossa estrutura produtiva. 

Os erros de alguns projetos industrializantes do passado não podem ser fatores de eterna paralisia, porque então nunca mais poderíamos ter políticas monetárias, desde que também cometemos muitos erros nessa esfera. 

 

 

Por fim, essa tabela com a importação de derivados de petróleo nos últimos anos, mostra que reduzimos drasticamente a importação de petróleo bruto, mas ainda somos grandes compradores de óleo diesel (que vem todo dos EUA). 

 

Os números do nosso comércio exterior mostram um país extremamente rico, mas que não tem sabido usar sua riqueza para elevar a complexidade de sua estrutura produtiva. Com isso, se mantém preso na chamada armadilha da renda média, sem conseguir alcançar níveis de desenvolvimento similares ao de países mais avançados. O pior é de tudo é que, apesar da pujança de nossas exportações, o desemprego no Brasil bate recorde, a fome volta a aterrorizar as famílias brasileiras, as contas públicas continuam a se deteriorar, e nem o setor público, nem o privado, tem feito os investimentos necessários para assegurar a solidez e a atualização da nossa infra-estrutura industrial, energética e tecnológica.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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