Nesse momento pós eleições municipais muito se fala em Ciro Gomes. O presidenciável já recebeu elogios de uma gama de políticos de direita, centro-direita, centro-esquerda e da esquerda tradicional.
Porque se fala tanto no terceiro colocado das eleições de 2018? O que isso significa para 2022? No momento atual, os políticos estão fazendo um jogo de projeção, imaginando cenários. Nenhum outro político do cenário nacional atual está atravessando uma tempestade perfeita como Ciro Gomes. Seguem alguns pontos para reflexão do seu protagonismo no atual cenário:
1 – Alianças acertadas nas eleições municipais renderam seis das nove capitais nordestinas, além de cidades importantes como Belo Horizonte e Niterói. Voltamos a 2018 nessa reflexão: apesar do bom desempenho no Ceará e no Rio Grande do Norte, parte considerável do abismo entre Ciro e Haddad no primeiro turno foi a votação recebida nesta região. De lá para cá, Ciro trabalhou bem as alianças regionais, firmando a parceria mais importante que ele pode ter, com o PSB.
Em 2022, Ciro chega com um apoio em seis dessas capitais, com prefeito ou vice de sua coligação. Haddad ou quem quer que seja o candidato petista chegará com zero. Não é pouca coisa.
O primeiro turno de 2018 mostrou Ciro forte em algumas capitais e em algumas cidades médias, mas com pouca representatividade nos pequenos municípios. Pensando em tendências eleitorais, natural conquistar eleitorado primeiro nos locais de formação de opinião para depois atingir capilaridade.
Não, a sua bolha da rede social não estava tão errada em 2018, em certos cortes demográficos e regionais, realmente Ciro teve boa votação. As alianças bem-sucedidas são o primeiro passo no processo de sua candidatura ganhar corpo. Ao que tudo indica, ele chega em 2022 em um cenário muito mais positivo do que 2018. Ter feito 12% em uma eleição polarizada como a de 2018 não foi pouca coisa. Os profissionais da política sabem disso.
2 – O eleitorado parece, pelo menos, mais resistente ao novo e ao não político. Se o pêndulo continuar a voltar ao normal, ótima notícia para Ciro e seus aliados. O grosso da competição que se anuncia para 2022 é composto de novidades exóticas, como Huck e Moro.
Políticos tradicionais já perceberam isso e sabem que se há um candidato que se vende como político profissional e experiente, esse cara é o Ciro. A disposição em buscar alianças com segmentos tradicionais da política ajuda muito, e isso leva ao terceiro ponto:
3 – O caminho para a centro esquerda passa pelo PT, mas não com o apoio deste. Ouvi de um dirigente petista no pós 2018 uma frase dura, mas verdadeira: “se o Ciro quer chegar ao segundo turno ele precisa ter mais votos que o PT, ninguém vai abrir o caminho para ele”.
Isso é verdade, e a mudança da relação de forças parece mais rápida que o antecipado. Do 29% x 12% que foi o resultado em 2018, a disputa parece bem mais equilibrada no cenário atual. Pesquisa recente mostrou Ciro com 10%, Haddad com 8% e Boulos com 5%.
É uma alteração significativa se compararmos com o final de 2016, período em que Lula ainda era mito, ainda tinha 40% e era favorito para a eleição caso pudesse concorrer.
Agora, o PT perde votos em ambos os lados. Ainda é muito forte e certamente terá uma boa votação em 2022, mas já não parece tão impossível imaginar que um candidato de centro esquerda possa fazer 15 ou 17% e ficar na frente do PT no primeiro turno. Esse é o jogo do Ciro quando ele fala em atravessar o rubicão para entrar na disputa de rejeição que é o segundo turno.
O que ele aposta – e grande parte do centro político sabe e concorda – é que candidato do PT ou apoiado pelo PT não ganhará as eleições no próximo ciclo. A famosa “união das esquerdas” é uma ilusão que certamente colocaria um candidato desse espetro no segundo turno, mas definitivamente para perder e reeleger Bolsonaro. Seria um candidato automaticamente com piso alto e teto baixo na questão potencial de votos.
4 – Isso faz Ciro acenar para a centro direita, fazendo o jogo (justo ou não) de emparedar PT e Bolsonaro em lados opostos. Isso funciona do ponto de vista eleitoral, embora não seja uma realidade.
O diálogo com o DEM, salvo alianças regionais interessantes como a da Bahia, é mais política de boa vizinhança do que qualquer outra coisa. O centro se movimenta, lembra da super aliança em torno de Alckmin que rendeu majestosos 4% e sabe que talvez nem todos estarão com o mesmo candidato em 2022.
Dória, Huck e Moro certamente farão alianças com esses partidos, mas como o próprio Ciro comentou, será que cabem todos no mesmo balaio? Um partido a se observar é o PSD, muito mais palatável e factível para a centro-esquerda.
Há nomes moderados na sigla que já foi de Juscelino em outros tempos: Otto Alencar, Raimundo Colombo, Afif Domingos e obviamente a estrela das eleições municipais, o prefeito reeleito de Belo Horizonte Alexandre Kalil, amigo de Ciro.
Uma chapa PDT-PSB-PSD-Rede-PV-Avante seria muito melhor do que o PDT conseguiu em 2018. Definitivamente competitiva, e caso o PSB ou o PSD garantissem um vice representante do setor produtivo, é a concretização da chapa que Ciro tenta formar desde 2016.
Evidentemente que as conversas podem ficar apenas em conversas, mas inegável que Ciro está em melhores condições nesse momento do que esteve no cenário pré-2018. Lula ainda era um gigante, e as discussões de com PT ou sem PT acabaram tomando muito tempo e não houve margem de manobra para se desassociar da imagem do partido em tempo do primeiro turno. Além disso, ficou sem vice, sem coligação, e a campanha toda foi uma espécie de resistência ou alternativa ao caos que acabou se concretizando.
Eis o atual momento que todos os políticos percebem. Eis o momento que figuras como o gênio do marketing político, João Santana, percebe e avisa. O cavalo selado vai passar na frente do Ciro, e, ao contrário de Marina Silva em 2014, ele precisa ser esperto para aproveitar essa chance de ouro.
Sem tempo para besteiras
Se Ciro realmente quer ser presidente, a hora de agir é agora. Não se começa a campanha em julho de 2022. Já passou da hora do PDT tratar essa oportunidade com a dedicação que o delicado momento nacional exige.
A hora é de ser profissional. Lembro de uma palestra do Ciro que acompanhei em uma universidade em Brasília, no início de 2018. Ele chegou sem muito alarde, acompanhado apenas de uma assessora em um carro alugado. Entre essas histórias há uma foto dele trocando pneu de um carro já no meio da campanha. Desculpem-me, mas é muito amadorismo para quem quer ganhar a presidência.
É preciso ter uma equipe, a começar por um marqueteiro. João Santana já deu duas deixas pela mídia, elogiou, destacou o potencial do Ciro como candidato. Eu sei que o PDT não tem como contratar uma figura cara e controversa como o Santana, mas será que uma breve consultoria, um parecer ou pelo menos uma ligação? Gênio é gênio, não dá para desperdiçar uma figura como essa querendo te dar alguns toques.
Uma das dicas que João Santana provavelmente daria ao presidenciável é quanto ao temperamento. Isso pode e deve ser trabalhado para campanha. No meio da turma boa, é comum ouvir a justificativa e a defesa de algumas das falas mais incisivas, mas o marketing eleitoral deve moldar isso de forma a não atrapalhar o futuro candidato.
Por exemplo, justo ou não, será que era necessário dar um pescotapa no Mamãe Falei? Certo ou não, deveria ter dito que o vereador Fernando Holiday é capitão do mato? Em certos assuntos, não basta estar correto, não basta a crítica ser pontual. É preciso, antes de tudo, perguntar se vale a pena comprar essa briga.
Durante a campanha de 2018, o candidato perdeu o foco algumas vezes com essas brigas paralelas que não adicionaram nada em termos eleitorais. O bom aconselhamento de uma equipe profissional fará Ciro escolher quais divididas disputar. Talvez continue sendo estratégico dizer que a família dona do Itaú distribuiu R$ 9 bilhões em lucros e dividendos sem pagar imposto.
Talvez seja interessante lembrar que o dono da Localiza e ex-ministro de Bolsonaro compra e vende carros com subsidio federal enquanto defende Estado mínimo. Essas brigas fazem parte do Projeto Nacional de Desenvolvimento que ele defende. Faz sentido a crítica mais ácida ser nestes campos.
Já não basta que Ciro entrará na sua quarta campanha presidencial e pela quarta vez (já pode pedir música no Fantástico desde 2018) terá que desmentir Fake News que agrediu a atriz Patrícia Pillar. Não é necessário comprar novas brigas que acabam desvirtuando a discussão. Ciro ganha quando fala em trabalho, emprego e renda. Não há nenhum motivo para entrar em brigas paralelas com figuras irrelevantes do ponto de vista nacional.
PT e Lula
Isso nos leva a um assunto delicado e chave para a próxima disputa que é a relação com Lula e com o PT. A cada entrevista, fortes emoções para a militância. Mais uma vez as críticas são, geralmente, precisas, duras, verdadeiras e substanciadas, mas, assim como nas demais “tretas” é preciso saber como usar e quando usar.
O clima de guerra declarada entre a militância petista e a cirista não é novidade e tende a seguir desta forma até 2022. Por um lado, é um elogio petista, pois tanto empenho para criticar Ciro só pode significar o reconhecimento de que ele incomoda a hegemonia e é um player considerável para 2022.
Hoje não há coordenação desta militância. Por mais que DCM e outros queiram imaginar a existência de um gabinete, lamento informar que a turma boa é composta de lobos solitários agindo por conta própria no Twitter e em outras mídias.
Uma campanha profissional já começaria a coordenar isso desde ontem. A coordenação é fundamental para alertar os entusiastas de quando ir para o ataque, quando ignorar e quando ficar na defensiva. Militância sem rumo acaba não sendo militância, apenas bagunça.
Somente uma coordenação efetiva pode manejar a relação de Ciro com o PT. Eleitoralmente ele precisa deixar muito claro a sua diferença, mas ao mesmo tempo não pode receber o ódio que impediria o voto útil (ou programático) de esquerda nele.
Não faz sentido para um candidato que apresenta um plano para o Brasil não ter o seu próprio para chegar à presidência. Certamente se questionados, Ciro e o PDT afirmarão que estão fazendo o possível dentro das limitações.
Fica aqui a dica, a manifestação do que a militância gostaria de ver. É hora de agir como profissional para ganhar as eleições de 2022. Essa chance de ouro, o cavalo selado, talvez não apareça duas vezes na frente do ex-ministro. Resta saber agora se estes planos serão colocados em prática.
Francisco Souza é jornalista e servidor público do judiciário federal.