Por Ciro Gomes
Há certos consensos sobre o papel do Estado entre aqueles que acham que a desigualdade é um problema fundamental.
E eu acho que a desigualdade é o maior dos problemas brasileiros.
O primeiro é o papel tributário. Todos, ao menos em público, sabem que o sistema de impostos tem que fazer justiça fiscal, cobrando proporcionalmente mais de quem tem mais a dar, reequilibrando as distorções naturais do capitalismo. Ou seja, todos esses concordam que nosso sistema de tributos é regressivo (quem paga a conta é o mais pobre) e deveria ser progressivo (mais rico, mais proporção de impostos).
O que muda mesmo é na hora que se está no poder, seja legislativo ou executivo. 21 anos de governos autointitulados progressistas no Brasil nos legaram um dos sistemas tributários mais regressivos do mundo e, por consequência, um dos países mais desiguais do mundo (o segundo, perdendo do Qatar).
O segundo é o papel compensatório. No Brasil a desigualdade tem gênero, cor da pele, idade, orientação sexual. Isso é um fato que não pode ser negado. Políticas de Estado voltadas a diminuir fatores específicos dessas desigualdades específicas precisam ser executadas.
O problema é que tanto o social liberalismo do PT quanto o neoliberalismo dessa direita que se chama de “centro”, veem nessas ações a única política de Estado aceitável para combater a desigualdade. Mas a desigualdade no Brasil é predominantemente econômica, e atinge brancos e negros, homens e mulheres, heteros e LGBTis. É claro, os segundos, na média, mais que os primeiros.
Portanto, é papel fundamental do Estado para reduzir a desigualdade o oferecimento de um estado de bem estar social universal, como faz a Europa, que tem os menores índices de desigualdade do mundo. É oferecer saúde universal, educação pública universal, e de qualidade. É permitir que essa conta de seguridade social seja dividida por toda sociedade e usufruída pela classe média e pobre. Isso nenhuma política compensatória neoliberal quer. Não há distribuição de renda mais poderosa que o filho do pobre estudando na mesma escola que o filho do rico, que o filho do pobre tendo o mesmo acesso a saúde que o filho do rico.
Mas para que isso seja possível, é necessário que o Brasil se desenvolva. E sem o Estado como organizador e indutor da atividade econômica o Brasil nunca se desenvolveu e nunca se desenvolverá. Esse é para mim o principal papel do Estado no Brasil na diminuição da desigualdade. Desenvolvimento.
E é essa a notícia que ninguém quer dar ao povo brasileiro. Não vamos conseguir muito dividindo nossa miséria. Somos um país muito mais pobre que os europeus e ao contrário da propaganda da direita, temos uma carga tributária menor que a deles. Ainda gastamos em juros o equivalente a 25% de nossa arrecadação (2017), a maior parte com os mais ricos do Brasil. O Estado no Brasil é um Robin Wood às avessas, tira do pobre para dar ao rico. De onde poderíamos tirar dinheiro assim para reduzir estruturalmente nossa desigualdade?
Em 2016, nosso Produto Interno Bruto per capita ajustado por paridade de poder de compra, ou seja, o índice que mede o quanto produz em média cada cidadão brasileiro, foi de US$ 15.127,81. O da Finlândia foi de US$ 43.052,72; Bélgica, de US$ 46.383,23; o da Alemanha, US$ 48.729,59; Dinamarca, de US$ 49.695,96; na França, US$ 41.466,26; e Noruega, US$59.301,67.
Para resumir, enquanto o Estado dinamarquês tinha em média US$ 25.245,54 para gastar anualmente por cidadão para prover saúde, educação, segurança, Judiciário e Previdência, o Estado brasileiro tinha US$ 4.904,43. Agora a situação é muito pior que em 2016. Nosso PIB per capita desabou.
Portanto, falta uma coisa muito básica no discurso da maioria da esquerda e mesmo dos liberais que acham que alguma coisa deve ser feita para diminuir a desigualdade brasileira. Falta um projeto capitaneado pelo Estado para o desenvolvimento do país. Quando crescemos, é mais fácil distribuir. Na maior tragédia econômica da história como vivemos hoje, o conflito distributivo se torna mais feroz e difícil de superar. Porque a riqueza alguns querem dividir. A miséria, ninguém quer.
Ciro Gomes é vice-presidente do PDT, partido pelo qual disputou a eleição presidencial de 2018. Entre outros cargos, já foi ex-governador do Ceará e ex-ministro nos governos Itamar Franco e Lula
Artigo publicado originalmente no MyNews em 9 de Dezembro de 2020