Basta

Arte: @yurilueska

A morte de João Alberto Silveira Freitas, que foi espancado por dois seguranças do Carrefour, desencadeou protestos em frente a supermercados da marca em algumas cidades do Brasil. Em alguns desses protestos a revolta descambou em quebradeira nas lojas. Houve também repressão da PM, o que dá uma manchete ironicamente macabra: polícia ataca manifestantes negros que protestavam contra a violência racista.

Os negacionistas de sempre estão arrumando justificativas para o assassinato brutal de mais uma pessoa negra. Ou então tentando retirar o evidente elemento de racismo no caso. A evidência de racismo pode ser extraída tanto da estatística como do senso comum: negros e negras estão muito mais sujeitos à violência, tanto estatal quanto privada, do que brancos. O que torna as manifestações do presidente e do vice-presidente do país no sentido de que não há racismo no Brasil cínicas, desprezíveis e estúpidas.

O simbolismo do assassinato ter acontecido na véspera do dia da consciência negra é forte. Quem sabe o caldo de revolta engrossa a ponto de provocar alguma mudança significativa nas estruturas legais e sociais que mantêm e se alimentam do racismo?

Os protestos diante das lojas e o boicote ao Carrefour me parecem boas iniciativas – inclusive porque a rede é reincidente em casos de racismo e desprezo à vida. Identificar os donos da marca, como faz o jornalista Alceu Castilho em seu Facebook, também é importante, para que a responsabilização se dê sobre pessoas reais, e não apenas sobre algo etéreo como uma rede de mercados:

O Bank of America Merrill Lynch tem 8,03% das ações do Carrefour, não apenas “uma rede francesa”. Entre os acionistas do banco está Warren Buffett, o homem mais rico do mundo em 2008. O Grupo Arnault e o Cervínia Europe, do mesmo conglomerado, somam 5,5% das ações da rede. A família Arnault é a dona da LVMH, a maior empresa global de artigos de luxo. Marca mais conhecida: Louis Vitton. Outra: Moët et Chandon. A Galfa tem 12,62% do Carrefour, que se diz “contra qualquer tipo de discriminação”. Galfa significa família Moulin. É a dona das Galerias Lafayette, um ícone parisiense. (Imaginem um branco sendo espancado até a morte nas Galerias Lafayette.)
Mas sim, essa roda que não pode parar também tem sua face local. A terceira maior acionista da rede, a Peninsula Europe, pertence a um dos dez homens mais ricos do Brasil: Abílio Diniz.
Ele será ouvido pela imprensa brasileira sobre João Alberto, segundo o Carrefour tratado “de forma inadequada”? Sobre Moisés, o morto sob os guarda-sóis, ele não foi.
Quem está por trás dos cadáveres, muito além da empresa de segurança de plantão, quem assina estruturalmente a violência, a indiferença e o racismo?

Um dos espancadores de João é um policial militar, algo comum nas empresas de segurança privada. O modus operandi é semelhante: tanto policiais quanto seguranças privados muitas vezes assumem o papel simultâneo de juiz e carrasco, como se vivêssemos em um mundo sem leis.

Esta é, portanto, uma pauta fundamental para as próximas semanas: uma profunda reforma nas polícias, que possivelmente devem ser desmilitarizadas – não faz sentido uma polícia treinada para guerrear contra a população -, assim como nas empresas de segurança privada, que devem obedecer a um regramento rígido e ser fiscalizadas com afinco pelo poder público, para que deixem de ser os aberrantes aparelhos de violência privada no qual muitas vezes se transformam.

Quase sempre quando a vítima é negra.

Basta.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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