Notas Internacionais (por Ana Prestes) – 02/11/20 – Especial Eleições EUA

– Alguns jornais americanos já dizem que 2020 pode ter a maior participação eleitoral de cidadãs e cidadãos estadunidenses desde 1908. Dados do domingo (1), US Election Project, disponível em vários periódicos, apontam que 93,131017 milhões já haviam votado. Nas eleições de 2016, 136,5 milhões de pessoas votaram. O total de pessoas que poderiam votar, caso todas se registrassem seria: 239,274182 milhões. Caso 150 milhões de pessoas votem, esta será a maior participação desde 1908 (eleição que deu a vitória a um republicano: William Howard Taft).

– A eleição dos EUA é diferente da brasileira para ser acompanhada. Ela não se dá nacionalmente, de forma direta e com as mesmas regras em todo o território. É como se fosse um conjunto de várias eleições estaduais simultâneas, que ao final darão a composição de um resultado geral. Para termos uma ideia das diferenças que pode haver nas regras de votação em cada estado americano, vejamos o caso dos votos antecipados pelos correios. Há estados, como Nevada, Califórnia, Oregon, Washington, em que qualquer pessoa pode votar pelo correio e as cédulas são enviadas para a casa das pessoas que se registraram para votar. A pessoa preenche a cédula e envia pelo correio. Outros estados, como Delaware, Nebraska, Ohio, Minnesota, também permitem que qualquer pessoa possa votar pelo correio, mas além de se registrar para votar, você deve fazer um registro específico para esse tipo de voto e só aí receberá as cédulas pelo correio e as postará. Há também aqueles estados, como Maine, New Hampshire, Idaho, Kansas, em que qualquer pessoa pode votar pelo correio, mas nada é enviado diretamente para sua casa, você precisa se deslocar para se registrar, pegar as cédulas e colocar no correio. E, por fim (ufa!), há estados como Indiana, Tennessee, Texas, em você só pode votar pelos correios com uma justificativa válida (maior de 65, fora do domicílio eleitoral no dia) e a pandemia não conta como justificativa.

– Outra questão que é diferente nas eleições americanas é o famoso Colégio Eleitoral, que data do nascimento dos EUA e sua Constituição de 1789. A eleição para presidente nos EUA se dá de forma indireta. As pessoas elegem delegadas e delegados, os chamados eleitores, que vão compor uma espécie de assembleia nacional, um colégio eleitoral, que por sua vez elegerá o ou a presidente. Esse sistema permite que um candidato ou candidata tenha mais votos nas urnas do que seu oponente, mas ainda assim não seja eleito. Na eleição de 2016, por exemplo, Hillary Clinton teve quase três milhões de votos a mais do que Trump, mas não foi eleita presidente. Na história dos EUA, ainda que no começo do século 19 alguns defendessem a eleição presidencial pelo voto popular, preferiu-se estabelecer a eleição indireta principalmente pelo não reconhecimento da cidadania de negros e mulheres. E o curioso é que embora tenham optado por excluir a população escravizada da cidadania eleitoral, na hora de distribuir quantos delegados cada estado teria, por critério populacional, escravos e escravas contavam numericamente. E isso ajudou na eleição de uma sequência de presidentes vindos dos estados escravocratas do sul por muito tempo.

– O Colégio Eleitoral é escolhido pelo voto direto na primeira-terça de novembro (contando todos os votos enviados ou dados previamente até essa data) e se reúne na primeira segunda-feira após a segunda quarta-feira de dezembro. Como se dá a conta de quantos delegados (ou eleitores) cada estado terá no colégio eleitoral: dois delegados (referente ao número de senadores) mais o equivalente ao número de deputados/deputadas eleitas no estado, proporcionalmente ao tamanho da população, validada pelos censos demográficos decenais. Como são 50 estados, são, portanto 100 (referente ao número de senadores) + 435 (referente ao número de deputadas/deputados) + 3 (por Washington – Distrito de Columbia)* = 538 eleitores ou delegados. Para se eleger presidente é preciso ter o apoio de 270 delegados ou mais. *Distrito de Columbia, que não é um estado com autonomia política, possui três delegados. O que acontece se por hipótese nenhum candidato alcance os 270 votos necessários no Colégio Eleitoral? A eleição é redirecionada para ser resolvida na Casa dos Representantes (Câmara dos Deputados) e a votação é feita com um voto por estado e ainda assim pode dar em empate: 25 a 25. Daí, a votação segue até chegar a um vencedor.

– Outra questão interessante e que sempre surge: se um estado possui o direito de eleger 11 eleitores, por exemplo, eles serão eleitos de forma proporcional à votação popular em cada candidato ou o candidato vencedor “fica” com todos os eleitores? Na esmagadora maioria dos estados, o vencedor leva tudo. Somente os estados de Maine e Nebraska distribuem os eleitores de acordo com a votação que cada candidato recebeu. Isso cria discrepâncias importantes entre estados com populações de tamanhos muito diferentes. Gerando situações como a que citei acima sobre Hillary ter ganhado no voto popular em 2016, mas perdido no Colégio Eleitoral.

– Vejamos agora algumas particularidades da eleição de 2020 que culmina amanhã, 3 de novembro. Alguns estados estão na condição dos chamados Toss Up States (podem ter qualquer resultado, como uma moeda jogada ao ar e não se sabe com qual face para cima ela cairá). Ohio – elege 18 delegados e as pesquisas apontam 49% das intenções de voto para cada candidato; Iowa – 6 delegados 49% a 49%; Carolina do Norte – 15 delegados – 50% para Biden e 48% para Trump; Arizona – 11 delegados – 51% para Biden e 46% para Trump; Georgia – 16 delegados – 50% para Biden e 47% para Trump; Flórida – 29 delegados – 51% para Biden e 47% para Trump; Texas –  

– Além dos Toss Up States é preciso entender também os Swing States (estados que tradicionalmente tem resultados imprevisíveis) para acompanhar as eleições americanas. Também chamados de battleground states (em uma alusão a campos de batalha, onde a disputa se dá ferrenhamente). Esse ano, os Swing States são, de forma mais ampla, Arizona, Flórida, Georgia, Iowa, Michigan, Minnesota, Carolina do Norte, Ohio, Pensilvânia, Texas e Wisconsin. Em 2016, Trump venceu em todos eles menos em Minnesota. Desses estados, já vimos acima que alguns deles são Toss Up States. Alguns analistas estão afunilando para seis estados que deve ser acompanhados como swing states: Carolina do Norte, Flórida, Pensilvânia, Michigan, Arizona e Wisconsin.

– Alguns analistas têm apontado que os resultados da Flórida, Geórgia e Carolina do Norte, que serão dos primeiros com resultados divulgados, já podem dar uma pista muito importante sobre essas eleições logo ao final do dia 3. Se qualquer um desses estados der vitória aos democratas antes da meia noite já poderemos ter uma ideia ou um prognóstico mais próximo para uma derrota ou não de Trump. Isso porque outros estados importantes, como a Pensilvânia, não contarão seus votos recebidos pelo correio até que todos os votos sejam dados no dia 3 de novembro. Esses votos enviados pelos correios (mesmo os que chegarem depois do dia 3) serão contados ao longo da semana (garantido pela Suprema Corte) e há diferença entre os que votam presencialmente (majoritariamente pró-Trump) e os que votam pelo correio (majoritariamente pró Biden), diferença apontada pelas pesquisas de opinião feitas na Pensilvânia. Esses votos pelo correio ainda vão dar muito que falar no período pós-eleitoral. Na Califórnia, por exemplo, as cédulas enviadas pelo correio serão aguardadas até 12 de novembro. Ontem, segunda (2), Trump disse, por exemplo, que “na era moderna do computador” não faz sentido o resultado demorar dias. Quer se declarar vencedor na noite do dia 3.

– A Pensilvânia, o estado que pode transformar a apuração eleitoral em um pesadelo, foi também o estado que presenciou a última execução de um jovem negro (27 anos) por policiais brancos na frente de sua família, Walter Wallace Jr.

– No final do dia 3 de novembro, a partir das 20 horas, estarei ao vivo com a equipe da Revista Fórum, no acompanhamento dos resultados eleitorais.

Ana Prestes: Ana Prestes Socióloga, mestre e doutora em Ciência Política pela UFMG. Autora da tese “Três estrelas do Sul Global: O Fórum Social Mundial em Mumbai, Nairóbi e Belém” e do livro infanto-juvenil “Mirela e o Dia Internacional da Mulher”. É membro do conselho curador da Fundação Maurício Grabois, dirigente nacional do PCdoB e atua profissionalmente como assessora internacional e assessora técnica de comissões na Câmara dos Deputados em Brasília.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.