Li algumas críticas de pessoas de esquerda a um dos slogans de Martha Rocha, candidata do PDT à prefeitura do Rio de Janeiro. Os críticos não gostaram do “Chama a delegada” por conta do seu caráter, digamos, policialesco. Vi gente dizendo inclusive que não votaria nela por causa do slogan – uma motivação para o voto no mínimo curiosa.
Slogan é slogan, e por mais desagradável que seja, não costuma dizer muita coisa sobre projetos ou planos de governo. No caso de Martha Rocha a tática é explorar seu cargo de delegada para atrair o eleitorado preocupado com a questão da segurança pública – uma parcela considerável da população, a julgar pela eleição de Bolsonaro, que prometia jogar duro nessa cuestão aí, e de tantos políticos ligados às forças policiais.
Isso não significa necessariamente que Martha é da turma do “bandido bom é bandido morto” ou algo que o valha. Ela caminha, na verdade, no sentido contrário, conforme declarou em entrevista à Folha:
Quem acompanhou minha trajetória na polícia sabe que sempre fortaleci o respeito aos direitos humanos. Incluímos o nome social [de travestis em registros de ocorrência], a motivação de homofobia [em crimes violentos], o que me deu o título de musa LGBT. Na minha gestão, criamos protocolos para atuação nos casos de auto de resistência [pessoas mortas pela polícia]. Se as pessoas querem um rótulo, sou uma delegada de esquerda
Ressaltar suas ações nas questões dos autos de resistência e da homofobia, na defesa dos direitos humanos e de travestis e ainda se dizer uma “delegada de esquerda” não seria, convenhamos, a melhor estratégia para a candidata se ela se alinhasse ao conservadorismo que aplaude e fomenta o estado policial. Orlando Zaccone, um dos expoentes dos policiais antifascistas, lembrou outro caso em que a delegada Martha atuou em defesa de pautas progressistas.
Vejamos outro exemplo de ação da campanha da candidata:
Uma análise sociológica não poderia deixar de constatar que o fortalecimento do antagonismo entre o delegado e o malandro não é lá muito positivo, pois essa dicotomia é fundamental para a manutenção do estado policial. No entanto, não é em uma campanha eleitoral que isso se resolverá.
No estado de coisas em que nos encontramos, utilizar esse antagonismo tão arraigado na população para eleger uma candidata progressista é, me parece, uma jogada inteligente. Chegar ao poder executivo é um dos caminhos mais efetivos para que se implementem ações contundentes contra o estado policial. Estando no poder, Martha pode utilizar sua atuação na questão dos autos de resistência para fomentar o debate sobre o assunto, politizando a população, e, assim, ter condições de implementar ações efetivas de combate à tragédia da violência policial.
No mais, apresentar Eduardo Paes como o malandro que está com medo da delegada Martha foi uma boa sacada. Assim como o distintivo emoldurando o número da candidata.
A estratégia de ressaltar o cargo de delegada é uma boa maneira de retirar da direita a exclusividade sobre a pauta da segurança pública, algo evidentemente necessário se pretendemos chegar aos principais cargo de poder do país.
As críticas a esta abordagem são sintomas de dois tipos de purismo que acometem alguns setores da esquerda.
Um, meio inconsequente, parece pretender chegar ao poder apenas quando a população estiver majoritariamente alinhada com os mais nobres ideais progressistas de direitos humanos, distribuição de renda e liberdades de costumes – daqui a algumas décadas, portanto.
Outro é o purismo de goela: na oposição defende a pauta máxima, briga por todos os princípios ideológicos e não abre mão de uma mísera bandeira partidária sequer. No governo, abraça banqueiros, grandes empresários, especuladores, barões da mídia etc., uma festa danada, como diria o Paulo Guedes.
Para estes, o melhor slogan é provavelmente o do governo Lula: Brasil, Um País de Todos, que remete à elogiável inclusão de setores historicamente marginalizados da sociedade, mas também faz lembrar que os “banqueiros nunca ganharam tanto nesse país quanto nos meus governos”, como costuma dizer o ex-presidente. Os banqueiros incluem-se no todos, é claro, só que incluem-se um pouco mais que os outros.
O país era de todos, mas continuava sendo mais dos banqueiros, mesmo. Se a questão é o slogan, eis aí um slogan certeiro e coerente.