O voto útil progressista nas eleições municipais do Rio
Por Vinicius Wu
Ao observarmos o comportamento do eleitorado progressista nas últimas eleições municipais do Rio perceberemos uma tendência que se repete desde 2008: o deslocamento de parte dos votos na reta final – em alguns casos, às vésperas da votação – em direção ao candidato mais competitivo deste campo político. Nada garante que o fenômeno vá se repetir este ano, mas parece válido especular a respeito de qual seria a candidatura mais apta a se beneficiar deste movimento no atual contexto.
Nas duas últimas eleições, Marcelo Freixo (PSOL) foi o beneficiado pelo movimento em questão. Em 2016, embora Freixo tivesse alcançado no máximo 13% nas pesquisas de intenção de voto, obteve 18,26% dos votos no primeiro turno. Na reta final, o candidato do PSOL parece ter provocado um esvaziamento das demais candidaturas de esquerda: Molon (Rede com apoio do PV) e Jandira Feghali (PC do B com apoio do PT) que pontuavam, respectivamente, em torno de 2 e 9% nas pesquisas, terminaram com 1,4% e 3,3% nas urnas. O voto útil da esquerda ganhou força na última semana, quando parte deste eleitorado parece ter desistido do candidato/a de sua preferência em nome de um propósito maior: evitar um segundo turno entre Crivella (PRB) e Pedro Paulo (MDB). A diferença entre Freixo e Pedro Paulo no primeiro turno foi de apenas 2,14%. Sem a migração dos votos do campo progressista, na reta final, a história daquela disputa teria sido diferente.
Em 2012 ocorreu algo semelhante, com o próprio Freixo sendo beneficiário do mesmo movimento. O candidato do PSOL, que até o final de agosto daquele ano alcançava em torno de 12 ou 13% (Ibope/Datafolha) nas pesquisas, conquista 28,15% nas urnas. É bem verdade que neste pleito as opções eram escassas. Eduardo Paes havia reunido 20 partidos em sua coligação, incluindo os principais partidos de esquerda. Mas o que o resultado sugere é que parte do eleitorado de esquerda não acompanhou a orientação de suas principais lideranças e depositou em Freixo a esperança de que um candidato identificado com suas posições disputasse o segundo turno, o que acabou não ocorrendo pois Eduardo Paes foi reeleito em primeiro turno.
Voltando um pouco mais no tempo, veremos que nas eleições de 1996 e 2000 o campo progressista/esquerda jamais obteve menos do que 30% dos votos, mas ficou de fora do segundo turno nas duas ocasiões. Em 1996, Chico Alencar (PT) e Miro Teixeira (PDT) somaram 30,24%, mas isoladamente não conseguiram superar Sérgio Cabral que, com 24,46%, passou ao segundo turno para enfrentar Luiz Paulo Conde (PFL). E no ano 2000 este campo, dividido em 4 candidaturas, ficou de fora da disputa do segundo turno que se deu entre Conde (PFL) e Cesar Maia (à época no PTB). O eleitorado progressista parece, então, ter aprendido com a experiência destes dois embates e com o péssimo desempenho registrado em 2004. Neste ano, na esteira do escândalo do mensalão, a esquerda amargou seu pior desempenho no Rio desde a redemocratização.
Já em 2008, Fernando Gabeira (PV) parece ter sido o primeiro candidato beneficiado por esta tendência ao voto útil do campo progressista. Não entrarei no mérito da discussão sobre o fato de Fernando Gabeira se situar ou não neste campo. Afinal, sua trajetória está muito mais vinculada ao progressismo do que ao campo conservador da política nacional, a despeito da opinião dos círculos militantes mais radicais. O fato é que Gabeira, que começa a campanha com menos de 5%, termina o primeiro turno com 25,6% dos votos. Em um levantamento do Datafolha divulgado já em outubro de 2008, Jandira Feghali (PC do B) alcançava 13%, Molon (à época no PT) tinha 5% e Chico Alencar (PSOL) 3%. Nas urnas Jandira ficou com 9%, Molon chegou a 4,9% e Chico Alencar 1,8%. Os três perderam em torno de 6 pontos. E a diferença entre Gabeira e Crivella (que naquela disputa ficou em terceiro) foi de, exatamente, 6 pontos. Portanto, se levarmos em conta as pesquisas, foi este movimento de última hora de parte do eleitorado progressista que evitou um segundo turno entre Paes e Crivella em 2008. Uma possibilidade que, coincidentemente, se repete em 2020.
Ainda é cedo para dizer se o voto útil do campo progressista na cidade do Rio se repetirá nestas eleições. Mas seria possível afirmar que Martha Rocha (PDT), pelo posicionamento nas pesquisas e pela baixa rejeição, é a opção mais habilitada a se beneficiar desta migração de votos entre eleitores deste campo. A experiência das eleições de 2018, quando a rejeição a um dos polos em disputa foi um elemento decisivo para o desfecho do pleito em âmbito nacional e em vários estados, também pode contribuir para a troca de votos entre candidatos progressistas beneficiando a candidatura pedetista.
Mas assim como nas três disputas à Prefeitura do Rio anteriores este eleitor/a tende a fazer esta escolha na reta final, analisando as possibilidades e direcionando votos à candidatura que julgar mais viável para representá-lo no segundo turno. Caso se repita, este movimento pode gerar uma poderosa energia renovadora na cidade capaz de alterar os rumos da campanha e evitar um segundo turno inteiramente aprisionado ao terrível passado recente do Rio de Janeiro.
Vinícius Wu, pesquisador em Comunicação Social da PUC-Rio