Pedro Montenegro, advogado, é um dos Coordenadores do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Zumbi dos Palmares
A cena do cadáver de um trabalhador que morreu em seu local de trabalho, estendido no chão, encoberto por guardas sóis, para que os negócios não fossem atrapalhados com a sua morte súbita em local inapropriado, desmentem os prognósticos, tão otimistas quanto pueris, do surgimento de um novo marco civilizatório em decorrência da pandemia do novo coronavírus.
Não foram poucas as análises, inclusive de respeitáveis cientistas sociais, sobre a possibilidade de a pandemia desnudar as faces mais obscuras da reprodução do capital, invisibilizadas pelo extraordinário aparato ideológico do sistema capitalista global, e, deste modo contribuir para a sua superação.
Se de fato a pandemia oferece a oportunidade para o desvelamento das formas articuladas de dominação neoliberal: capitalismo, colonialismo, racismo e patriarcado, fazendo emergir à superfície o binarismo – superiores e subalternos – que caracteriza as sociedades capitalistas, assim como a má distribuição de riquezas, a superexploração e precarização do trabalho, as abissais desigualdades sociais, de raça e gênero e os modos de vida que colocam em risco a sobrevivência humana e a nossa casa comum, o Planeta Terra, isso não significa que tal acontecimento catastrófico, per se, pudesse inaugurar um novo sistema de relações sociais pós-capitalista.
Essas análises, prognósticos e expectativas, por um lado, foram incapazes de compreender a natureza do mal na modernidade líquida, por outro, não souberam caracterizar adequadamente o neoliberalismo, bem como a distinção entre a política neoliberal que permaneceu intacta e a hegemonia neoliberal profundamente abalada na sua autoridade, na confiança das suas ideias e políticas.
Na contemporaneidade, uma das mais perversas manifestações do mal é a insensibilidade ao sofrimento humano. Essa insensibilidade caracteriza-se pela cegueira moral nos termos proposto por Bauman, onde inexiste empatia, respeito e sensibilidade, um processo da adiaforização, que são os estratagemas da conduta humana para colocar certos atos ou omissões, contra determinadas categorias de seres humanos, apartadas do universo das obrigações morais, não submetidas ao julgamento ético.
Essa característica fulcral da manifestação do mal na modernidade fluida reforça a racionalidade intrínseca ao neoliberalismo, que opera para estruturar os comportamentos dos indivíduos e governos a condição de mero capital humano.
O “novo normal” vem se caracterizando como o velho neoliberalismo, desenvolvendo-se com a sua lógica inexpugnável da subsunção do trabalho ao capital, através da universalização do princípio da concorrência mercantil, despido da sua roupagem de neoliberalismo progressista, expressão alcunhada pela filósofa norte-americana Nancy Fraser.
Os que pressentiram idealisticamente que o acontecimento da pandemia pudesse iniciar uma revolução democrática e anticapitalista mundial, uma transição suave para uma nova forma de relações econômicas e sociais entre os seres humanos e destes com o meio ambiente, denominada entusiasticamente de “novo normal”, assistem perplexos e desnorteados, a continuidade do velho neoliberalismo.
Antônio Casado
19/09/2020 - 00h53
Uma brilhante reflexão, que nós ajuda inclusive pensar que também estamos neste novo/velho normal retornando ao “estado de natureza”!
Juarez
18/09/2020 - 22h58
E vcs q criticam, condenam, ameaçam e denigrem empresários, empreendedores e investidores tem grande culpa nisso, ao fomentarem esse sentimento anti-capitalista nas pessoas. Vocês tem grande culpa por isso q o texto aponta.
Nelson
19/09/2020 - 18h33
Como é que é, amigo? Que papo é esse?
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O articulista desenhou um breve retrato do mundo sob o capitalismo e você vem dizer que “vocês tem grande culpa por isso q o texto aponta”. Tu queres dizer que alguns poucos críticos do capitalismo são dos principais culpados pelos males do sistema?
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Coo se o capitalismo não fosse prolífico em produzir males e precisasse de alguém para expor suas mazelas. Aliás, a grande maioria das pessoas só não consegue enxergar essas mazelas devido à avassaladora propaganda ideológica que as esconde e, a todo momento, incensa o sistema.
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Em tua gana de defender o indefensável, dá para ver que tu simplesmente te perdeste por completo e não conseguiste elaborar uma argumentação consequente.
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O sistema capitalista, como é intrínseco a sua lógica, aí está a moer um número cada vez maior de pessoas de todo o planeta, no altar do lucro. Lucro que vai ser apropriado por um número sempre menor de mãos. Do outro lado, vai se empilhando um monte crescente de pessoas que vão sendo deixadas à margem, sem o mínimo para a sobrevivência.
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Já faz 115 anos que Rosa Luxemburgo lançou seu vaticínio: “socialismo ou barbárie”. Rosa está cada vez mais atual.
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A humanidade precisa, para já, engendrar e colocar em funcionamento um sistema econômico-produtivo em substituição ao capitalismo. Se não o fizer, o que nos espera é, inexoravelmente, a autodestruição.
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P.S. Quando nos colocamos a pensar acerca do meio ambienta, então, enxergamos o quão urgente é a superação do capitalismo. O sistema capitalista não pode se coadunar com necessária, crucial, preservação da natureza. A lógica do capitalismo só nos promete enxergar destruição e mais destruição no futuro próximo. O deserto total nos espera caso continuemos a insistir com esse sistema.
juarez
20/09/2020 - 10h26
O único sistema viável é o capitalismo. Socialismo É barbárie! E os empresários são a locomotiva do capitalismo. Capitalismo, livre mercado concorrencial e liberdades individuais são a unica alternativa pra um mundo próspero, saudável, feliz e sustentável.
Valdinei Queixada
21/09/2020 - 12h43
O LUCRO é o q move o mundo, seu tonto. Se não fosse a possibilidade de se lucrar com as atividades humanas, ainda viveríamos nas cavernas. E os países que estigmatizam o lucro ou ameaçam a lucratividade das atividades estão piores do que os q não fazem isso. Lucro é o que impulsiona da humanidade!
Luiz Pompe
18/09/2020 - 19h03
Artigo indispensável para nos situarmos diante da realidade perversa que permeia a pandemia
Ricardo Nazário
18/09/2020 - 18h25
Parabéns ao Dr.Pedro Montenegro, um novo normal externando uma realidade dura do capital X vida.
Tiago Di Lucas
18/09/2020 - 10h51
Reflexão necessária e texto primoroso, Pedro!