Leonardo Aragão: O Brasil já assimilou o Coronavírus à paisagem nacional. Até quando?

O Brasil se afastou velozmente dos 100 mil mortos pela Covid-19 e vai se aproximando da marca trágica de 150 mil vidas perdidas. O dado triste de mais de mil mortes/dia registrado em dias úteis (aos fins de semana as notificações são feitas em menor número, devido ao reduzido número de servidores administrativos) tornou-se parte da paisagem nacional.

A relação do brasileiro com o coronavírus cinco meses depois do início da pandemia é de aceitação. A paisagem social assimilou a presença do vírus da pior maneira possível, não pela ótica do enfrentamento, mas da resignação passiva, como se nada pudesse ser feito para minimizar os estragos de uma doença letal. Estamos todos sentados esperando esperançosos a vacina tornar-se realidade.

Foi uma vitória política de Jair Bolsonaro, sem dúvidas. Pode parecer cruel, mas é assim que políticos fascistas operam. Quanto mais caos, mais desesperança, mais pobreza, de preferência sobre pilhas de mortos, é melhor para soluções autoritárias fortalecerem seus tentáculos.

A Covid-19 chegou ao Brasil com um cenário de polarização latente e um fervor messiânico entre os apoiadores do presidente Bolsonaro. Portanto, a partir do momento em que Bolsonaro passou a adotar postura negacionista quanto aos perigos do vírus, todas as ações e recomendações das autoridades governamentais, sanitárias e de organismos internacionais foram classificadas como afrontas ao poder presidencial, um delírio doentio e típico do culto ao líder.

Com o passar do tempo, o país cedeu. Governadores e prefeitos reabrem o comércio e criam um clima de normalidade, até a maioria das forças de oposição a Bolsonaro vivem sob um manto de letargia, mesmo diante do absurdo de um país sem ministro da Saúde há mais de três meses.

O centro político e a direita não fascista fingem que não tem nada a ver com o assunto. Na prática, são eles que sustentam Bolsonaro, esperando que o projeto entreguista de Paulo Guedes minimize a falta de humanidade, o desprezo pela democracia e as denúncias de corrupção envolvendo o clã presidencial.

O empresariado nacional e o capital financeiro-especulativo ainda não entenderam o buraco em que estão metidos abraçados com Bolsonaro. Ainda inebriados – ou ideologicamente comprometidos – com o ideário extremista de direita, esperam uma recuperação econômica que jamais ocorrerá com Bolsonaro. Por mais que tentem fazer crer que basta botar máscaras e tudo pode voltar ao normal, ainda há muitas empresas fechadas, as aulas não retornaram em quase nenhum lugar do país e muitos setores estão severamente prejudicados.

A agenda de Guedes, em um cenário de desemprego massivo, pobreza extrema aumentando e as micro e pequenas empresas esfacelando em função da falta de apoio federal, pode acabar com o país. A imprensa tradicional ainda não entendeu isso, e segue abraçada ao legado nefasto de Temer e sua Emenda Constitucional 95, a do Teto dos Gastos, como salvação para o Brasil. Até quando vão entender que assim enterrarão o país de vez?

Tempos excepcionais exigem medidas excepcionais e uma delas é a retomada da capacidade de investimento e de endividamento do Estado para contribuir com a iniciativa privada a sair do atoleiro econômico, com a ciência guiando o combate à pandemia.

É o momento de setores pensantes da esquerda brasileira promoverem um diálogo com os empresários do país, sobretudo os da indústria e comércio, para apresentarem outras saídas à crise, construindo a desintoxicação do ambiente de culto a Bolsonaro, desideologizando o debate econômico e abrindo caminho para um novo programa nacional de desenvolvimento. Se o outro lado vai topar é outro debate, mas ele precisa ser travado. 

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