Black Lives Matter, milícias e supremacismo branco

Uma bandeira queima diante de um incêndio gerado durante os protestos contra a violência policial dirigida a negros. Foto: AP Photo/Morry Gash

Um jovem de 17 anos foi preso acusado de assassinato após duas pessoas serem mortas na terça (25) em Kenosha, Wisconsin, com os disparos de agitadores brancos contra ativistas do movimento Black Lives Matter (“Vidas pretas importam”, em tradução literal).

O suspeito é Kyle Rittenhouse, de Antioch, Illinois, que fica a 32km de Kenosha e em estado que avizinha Winsconsin pelo sudoeste.

Em Kenosha, pessoas marcham exigindo justiça e reforma policial desde que Jacob Blake, no domingo (23), foi gravemente lesionado por disparos policiais.

Trata-se de mais um caso de violência policial contra um homem negro nos Estados Unidos, que já encara protestos históricos desde o assassinato de George Floyd.

Jacob Blake tem 29 anos e foi alvejado por sete tiros pelas costas após dois policiais responderem a um chamado que o tratava como suspeito.

Na ocasião, Blake, segundo argumenta sua defesa, teria estacionado seu carro e estava tentando desarmar uma briga de outras pessoas na calçada.

Após os tiros, ele ficou paralisado da cintura para baixo. Os médicos ainda não sabem se o dano é permanente.

Protestos ocorrem em Kenosha, local do incidente, desde então.

Após um toque de recolher às 20h do horário local na terça-feira, o caos tomou conta quando homens armados, alguns ligados ao que um delegado entrevistado pelo Guardian chamou de “milícias”, apareceram nas ruas.

Duas pessoas foram mortas e outra ferida quando um atirador disparou no meio dos protestos.

O delegado local, David Beth, explicou que uma das vítimas fatais foi atingida na cabeça e a outra no peito pouco antes da meia-noite.

O FBI já estaria em busca do atirador sabendo que ele teria ido a Kenosha para enfrentar apoiadores do Black Lives Matter.

Após os tiros, um homem pode ser visto em vídeos aproximando-se de veículos policiais erguendo os braços, ainda com o rifle em mãos, sendo acompanhado de gritos ignorados de testemunhas que lhe atribuíam responsabilidade pelas fatalidades.

David Beth afirmou que algumas pessoas se descreveram como parte de uma milícia que patrulha as ruas de Kenosha, mas que ele não sabia se o atirador estava envolvido com tal grupo.

“São milícias”, explicou Beth a repórteres. “São um grupo de vigilantes”.

Pessoas armadas associadas a uma “milícia” se propuseram a “proteger” Kenosha. Sentado com um rifle e luvas azuis no centro da foto, está o principal suspeito pelas fatalidades. Foto: Getty Images.

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos afirmou na quarta (26) que uma investigação federal foi aberta sobre os tiros em Blake, também investigados pelo departamento de justiça de Wisconsin.

A Guarda Nacional já está na cidade, segundo afirmou Donald Trump também na quarta.

Em suas redes, o presidente Donald Trump declarou que não tolerará a “ilegalidade”. “Restauraramos a lei e a ordem”, explicou em um tweet seguinte.

Nas redes sociais, cenas caóticas foram registradas ao som de tiros que separavam multidões.

Uma das vítimas pode ser vista recebendo primeiros socorros ao lado de um carro estacionado: um homem branco com uma bandana vermelha amarrada em seu pescoço e nuca após um tiro na cabeça.

A terceira noite de protestos atraiu grupos rivais armados que se reuniram perto de uma estação de petróleo.

Imagens do grupo mostram homens brancos pesadamente armados, com alguns vestindo coletes.

Os manifestantes anti-Black Lives Matter. Foto: Getty Images / New York Times Post.

Alguns afirmavam, quando perguntados, que estavam ali para “proteger Kenosha”.

Segundo testemunhas, os grupos entraram em confronto ao longo da noite, acompanhados por gás lacrimogêneo e balas de borracha disparados pela polícia, que tentava cumprir o toque de recolher.

O homem preso pela polícia parece ser a mesma pessoa fotografada repetidamente em redes sociais em momentos chave da noite, inclusive interagindo com policiais que teriam afirmado “admirar a ajuda dos vigilantes”.

Kyle Rittenhouse, preso por suspeita de matar duas pessoas associadas ao movimento Black Lives Matter. Foto: Ruptly.

Em um dos vídeos publicados nas redes, o suspeito e a vítima podem ser claramente vistos.

Após seis disparos, o homem que seria Kyle Rittenhouse se aproxima de um outro que cai ao lado de um automóvel após ser atingido.

Um terceiro homem se aproxima e tira sua camisa para ajudar a vítima.

Rittenhouse fica ao lado por alguns segundos, faz um telefonema e sai correndo da cena.

Vídeo registrado por locais mostra o momento em que a vítima é atingida e o suspeito na cena. Foto: reprodução.

Nas redes sociais da extrema-direita estadunidense, a guerra pela narrativa continua.

Por um lado, o presidente Donald Trump promete restaurar “a lei e a ordem”, entoando seu discurso eleitoral de ser o candidato mais rígido com a criminalidade.

O atual presidente aposta todas suas fichas nessa postura.

Por outro, a chamada “alt-right”, associada a ideologias supremacistas, espalha em seus fóruns narrativas que afirmam que o suspeito reagiu a “manifestantes violentos”.

Segue os princípios defendidos por Steve Bannon no que diz respeito ao que chamam de “guerra cultural”.

34 focos de incêndio foram detectados associados aos protestos. 30 pontos de comércio foram destruídos ou danificados, além de um número ainda não quantificado de residências, segundo o jornal local Kenosha News.

Um homem armado entrevistado pelo Washington Post disse que compareceu ao local após ser convocado, através do Facebook, para “proteger a cidade”.

“Não há nada sendo feito aqui. Somos os únicos aqui”, disse Joe, de 29 anos, que afirmou ser um veterano da marinha estadunidense, tratando com normalidade a presença de civis armados convocados pela internet.

“Três mil de nós estão armados e prontos”, adicionou, referindo-se a um grupo de três mil membros chamado “Kenosha Guard” (Guarda de Kenosha).

O grupo encoraja cidadãos a pegarem em armas para defender a cidade.

A página do evento, “Call to Arms” (“Chamado às armas”, em tradução literal) foi derrubada pela plataforma por violar políticas de segurança, segundo o Facebook.

O Facebook afirma que até o momento não detectou associações entre Kyle Rittenhouse e a Kenosha Guard, que vem sendo chamada de “milícia”.

É com essa trágica atmosfera que a autorreferida “maior nação do mundo” caminha para um processo político-eleitoral.

(NZ)

Redação:
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