Semana passada, lendo a ótima coluna da Ana Prestes aqui no Cafezinho – Notas Internacionais -, me deparei com a notícia de que a Nova Zelândia estava considerando adiar as eleições marcadas para setembro por conta do ressurgimento de casos de Covid-19 no país. (As eleições neozelandesas foram mesmo adiadas, para outubro.) Tanto a situação quanto a oposição nacional concordaram com o adiamento.
Morreram 22 pessoas na Nova Zelândia por conta da pandemia. A última morte por lá ocorreu no dia 28 de maio. Após o surgimento de novos casos, depois de mais de 100 dias sem caso algum, foi decretado pela primeira-ministra do país o bloqueio de Auckland, cidade onde ressurgiram os casos de infectados, e foram impostas regras de distanciamento social e limites de aglutinação para todo o país.
Isso tudo com 22 mortos.
Enquanto isso, no Brasil, morreram mais de 111 mil brasileiros, oficialmente (considerando que nosso percentual de testagem é pífio, estima-se que as mortes não contabilizadas são em grande número). Temos uma população de aproximadamente 210 milhões de habitantes, enquanto a Nova Zelândia tem uma de 5 milhões. A população brasileira é 42 vezes maior que a neozelandesa. O número oficial de mortos é 5.045 vezes maior. Cinco mil e quarenta e cinco vezes mais mortos do que poderíamos ter se nossa resposta à pandemia fosse adequada, como vem sendo a da Nova Zelândia.
Assistimos, apalermados, ao espalhamento do vírus pelo globo terrestre. Tivemos todo o tempo do mundo para nos prepararmos. Temos um sistema público de saúde que poderia ter sido turbinado. Temos recursos financeiros para garantir uma quarentena rígida e digna para a população. Mas o governo Bolsonaro preferiu entregar mais de 1 trilhão de reais (!) para os bancos, pouco antes da crise sanitária explodir por aqui, a fazer o que o consenso científico recomendava.
A atrocidade do que aconteceu, está acontecendo e ainda vai acontecer por um tempo é melhor registrada e apreendida quando comparamos nosso desempenho com o de outros países. Nesse sentido, este artigo do médico neurologista, pesquisador e doutor em neurociências Marcelo Eduardo Bigal é precioso.
Com gráficos tão simples quanto chocantes, Marcelo demonstra que o tamanho da tragédia que nosso país vive é monstruoso. Por aqui não se vislumbra o achatamento da curva observado nos países que seguiram os protocolos científicos. O número de testes é ridículo. Temos 2,7% da população mundial, mas em vez de mais ou menos 2,7% dos casos e mortes em relação ao total do planeta, como se poderia esperar, temos 15,2% dos casos e 13,8% das mortes.
É evidente que Jair Bolsonaro é o responsável por este desastre, na medida em que, além de não oferecer a essencial colaboração que se espera do líder de um país, fez o impensável: desdenhou da maior crise de saúde mundial dos últimos 100 anos e trabalhou contra o isolamento social.
Constata-se, hoje, que a tese do presidente venceu. (Ele tem a merda da caneta, afinal.) Caminhamos para a hipotética e imprevisível “imunização de rebanho”. Não há quarentena que resista indefinidamente, quanto mais sem auxílio do governo.
“Mas tem auxílio do governo sim!”, poderia gritar algum bolsonarista (ou mesmo uma pessoa sensata com problemas de regulação do volume da voz). É verdade. O auxílio emergencial de 600 reais (o governo federal queria que fosse de 200) que vem sendo distribuído a milhões de pessoas, para desespero do Paulo Guedes, é provavelmente o que impediu o caos social esperado em um cenário de morte, desemprego e quebradeira.
O auxílio vem tendo papel central também nas análises políticas: ele é apontado como o principal fator para a manutenção da popularidade de Bolsonaro e para um aparente deslocamento da sua base política, que estaria migrando para as camadas mais pobres da população. Bolsonaro está, inclusive, considerando a manutenção do auxílio, provavelmente com valor menor e transformado em um programa social próprio, para consolidar essa nova base de possíveis eleitores.
É um movimento inteligente do presidente, que já lidera as pesquisas para as próximas eleições presidenciais. O Brasil é um país com tanta pobreza e miséria que 600 reais “de presente” vindos do governo podem realmente dar-lhe um prestígio popular suficiente para que vença as eleições.
Sendo assim, se quisermos evitar essa tragédia, um bom flanco de ataque ao bolsonarismo é mesmo a questão da pandemia. Para tanto, me parece que precisamos fazer como fez o Marcelo: martelar nas comparações internacionais. Nossos números são grotescos em relação aos de países minimamente racionais. A diferença fala por si. Entretanto, precisa ser apresentada à população de forma simples, fácil, didática. E com insistência. Os gráficos comparativos devem, de preferência, estarem sempre acompanhados das abundantes declarações esdrúxulas de Bolsonaro sobre a pandemia.
Dou minha contribuição com uma de ontem, dia 19/08:
No meu entender, guardando-se as devidas proporções, não vi no mundo quem enfrentou melhor essa questão [da pandemia] do que o nosso governo. Isso nos orgulha. Mostra que tem gente capacitada e preocupada, em especial, com os mais pobres, os mais humildes.
Para além do escárnio digno de um psicopata, repare que o discurso parece confirmar a tese de mudança de base eleitoral do presidente, deixando de mirar a classe média/alta e buscando a classe baixa.
Bolsonaro é responsável por centenas de milhares de mortos em nosso país – e contando. Se mantivéssemos a proporção populacional em relação à Nova Zelândia, teríamos agora 924 mortos. Temos mais de 111 mil (apenas os oficiais, não esqueça). Essa diferença brutal entra na conta do presidente da República, o imbecil sádico que nos governa.
Bolsonaro é um genocida e isso precisa ficar transparente para o povo. Do contrário, corremos o risco de ver, em 2022, esta espécie de série de televisão terrivelmente distópica na qual estamos imersos renovada por mais inacreditáveis quatro temporadas.