Em entrevista ao Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão do Itararé, o ex-chanceler do presidente da Bolívia Evo Morales e candidato à vice-presidência no país, David Choquehuanca, denunciou o papel dos Estados Unidos diante do golpe que removeu Morales do poder.
Confira um trecho abaixo:
Barão do Itararé: O que estás defendendo se contrapõe frontalmente à declaração de Elon Musk, o CEO da Tesla, do “golpearemos a quem queiramos”, que assumiu sua intervenção recentemente na Bolívia. Como avalias isso?
David Choquehuanca: Assim pensam eles. Todos os países que possuímos recursos naturais corremos o risco de receber a intervenção destas transnacionais. O mundo foi infectado pela cobiça, não só pelo coronavírus, mas pela ambição pessoal e pelo individualismo. Estas transnacionais não pensam na vida, não pensam em nossos povos. As declarações deste senhor mostram que o golpe foi planificado, financiado e orquestrado pelos Estados Unidos. Este golpe não foi só contra a nossa democracia, mas contra todo o nosso continente, foi dirigido contra esse processo de mudanças que denominamos Revolução Cultural e Democrática. O golpe foi dirigido contra o processo de descolonização, contra a decisão de industrializar nós mesmos nossos recursos naturais, de lhes dar valor agregado, de redistribuir seus benefícios para toda a população. O golpe foi à luta contra a pobreza. Estávamos num processo de ataque sistemático para que não houvesse pobres, com resultados conhecidos pela comunidade internacional. Mas não só o senhor Elon Musk nos mostrou que este golpe foi financiado, também Richard Black [senador republicano] admitiu que Trump promoveu o golpe na Bolívia.
Ou seja, são interesses das transacionais que estão atrás dos nossos recursos. No caso do lítio, a Bolívia possui a maior parte deste recurso estratégico energético do planeta. Não querem que nossos povos manejem seus recursos estratégicos, e para isso precisam nos dividir e esquartejar. Utilizam para isso organismos internacionais e não faltam quem se preste a esses interesses obscuros, neste caso a esses interesses brancos.
O senhor Luis Almagro [secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA)], por exemplo, tem sido o principal operador do golpe. Ocorreram quase 40 mortes, há muitos presos e estamos vendo as consequências do golpe de Estado. Há muita fragilidade nas instituições e um processo de desinstitucionalização, mas o importante é que o povo boliviano saiba que este golpe veio de fora, não houve fraude. A fraude foi feita pela OEA, que danificou nossa democracia. Seguramente estes fatos não podem ficar impunes, temos que fazer algo.
BDI: E o que fazer agora para que ocorram eleições livres e limpas e que se respeitem os resultados? Como evitar que se cometa uma nova fraude como a realizada por Almagro, que atuou como agente desestabilizador?
DC: É importante o acompanhamento da comunidade internacional e que nossos povos se organizem e construam a unidade; que a esquerda possa contribuir para a construção de uma só frente, da unidade com os movimentos sociais. É importante escutar os nossos povos, dialogar.
Os mineiros necessitam escutar os professores, os professores precisam escutar os médicos, os médicos precisam escutar os policiais, os policiais precisam escutar os artistas. As lideranças necessitam escutar suas comunidades e fazer o que nossos povos querem: a última palavra deve ser a dos nossos povos, que são sábios. Dizem que a voz do povo é a voz de Deus, é construir unidade, é construir compromisso com a comunidade. É deixar de lado os interesses pessoais ou setoriais, é deixar de lado inclusive os interesses partidários e nos colocar a serviço dos nossos povos.
É hora de pensar no país e tomar decisões não somente em função do poder político, econômico ou cultural. Temos que acreditar em nossos povos. Os líderes têm que acreditar no povo, escutar os seus povos. Só assim vamos superar qualquer crise, venha de onde vier. Não somente temos que nos organizar para participar das eleições. Os sujeitos da construção, da irmandade, do fortalecimento das nossas democracias, os sujeitos que queiram construir nossa democracia, proteger nossos recursos naturais, têm que ser o povo. Neste caso, os mineiros, os aimarás, os quéchuas, os operários, o povo trabalhador.
Não devemos deixar a condução de um país somente nas mãos de burocratas. As decisões políticas têm que ser adotadas com a participação de todos e todas, de todos os movimentos sociais, do povo. Logo virão os burocratas, mas para levar adiante as decisões que tenham sido tomadas com plena participação dos nossos povos.
A entrevista completa no site do Barão de Itararé.
Asdrubal
31/07/2020 - 21h42
Deveriam agradecer um eventual “golpe” dos EUA.