É preciso deixarmos as ilusões de lado: bolsonarismo é uma força relevante e numerosa no país

Por Leonardo Aragão

Há algumas semanas surgiram pelo país diversos movimentos muito interessantes de confrontação ao presidente Jair Bolsonaro apontando que apesar de ter sido vitorioso na eleição de 2018, sua visão de mundo não representa a maioria dos brasileiros. Um dos protagonistas destes núcleos foi o movimento “Somos 70%”, capitaneado pelo economista Eduardo Moreira, figura admirável que emergiu em meio aos escombros do pensamento político nacional tentando promover um debate honesto sobre os problemas do país com pessoas de diversos matizes ideológicos.

No entanto, passado o furor inicial dessas novidades no cenário político, hoje pouco se fala sobre as principais questões levantadas no debate nacional de um mês atrás, em especial a constituição de uma Frente Ampla para derrotar o fascismo à brasileira de Bolsonaro. Com a aproximação das eleições municipais, ficou mais nítido que as forças de oposição a Bolsonaro estarão dispersas em embates duros nas principais capitais do país.

Enquanto isso, uma pesquisa divulgada realizada pela Revista Fórum em parceria com a Offerwise indicou uma realidade preocupante e que deveria ser observada com a devida atenção por quem se preocupa com o futuro do Brasil. Se a eleição de 2022 fosse hoje, Bolsonaro teria 36% dos votos, mais que o dobro do segundo colocado, o ex-presidente Lula (que não pode ser candidato devido à lei da Ficha Limpa), com 16%, seguido de perto pelo ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro, com 15%. Incríveis 49,1% afirmam que aprovam a gestão de Bolsonaro. 

A pesquisa traz outros elementos oportunos para uma análise do que pensa o brasileiro, e até mesmo contradições. Afinal, 61% dos brasileiros são contrários aos militares no Ministério da Saúde e entre 57 e 60% rejeitam as privatizações da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e da Petrobras, que serão entregues à iniciativa privada se depender de Paulo Guedes. 

Portanto, há brasileiros que são críticos à gestão de Bolsonaro quanto à pandemia, contra militares na Saúde e contra as privatizações, mas ainda que Bolsonaro tenha sido um desastre e seja favorável à agenda liberal de Guedes, apoiam o seu governo. Isso se explica mais pelo que ele representa no imaginário popular do que por ações concretas e, ainda, o fantasma eficiente inculcado na cabeça das pessoas sobre a esquerda e, em especial, o PT.

A memória dos anos difíceis de 2015 e 2016, de depressão econômica, desemprego em massa e a pecha de corrupção que foi cravada sobre o governo de Dilma Rousseff foram entranhados tão fortemente no imaginário popular que ao compararem quem seria presidente no lugar de Bolsonaro caso este não ganhasse a eleição, ao imaginarem que provavelmente o posto seria ocupado por alguém do PT, mesmo com todas as desgraças deste desgoverno ainda preferem o governo errático e com projeto de destruição nacional liderado pelo ex-deputado adepto de práticas corruptas como a rachadinha e amigo de primeira hora de milicianos.

A tática de silêncio do presidente, que deu trégua em polêmicas com o Congresso e o STF, além de usar o submundo das redes sociais para disseminar que ele é o grande responsável pelo Auxílio Emergencial, está trazendo adeptos entre os mais pobres, que rejeitam de forma geral Bolsonaro, como forma de compensar a perda de apoio entre a classe média e os lavajatistas que estão com Sérgio Moro incondicionalmente.

É preciso que a esquerda deixe suas ilusões de lado e encare a realidade. Sim, Bolsonaro perdeu popularidade, mas não dá para dizer que está isolado ou desmanchando, que será presa fácil na eleição de 2022. As pesquisas mostram o contrário. Repetir o erro de 2018 será fatal, e talvez não reste Brasil em 2026, caso a reeleição se confirme. Muitos ainda estão dispostos a dar mais 4 anos a Bolsonaro, mesmo com algum ranço, por não verem alternativa a ele.

Penso que há desafios urgentes a serem cumpridos pelas esquerdas do Brasil imediatamente: reconhecer que permanece a divisão da sociedade delineada desde a eleição de 2014; entender que Bolsonaro teve o mérito de criar um núcleo orgânico de direita no Brasil, cidadãos que se reconhecem e defendem os valores conservadores no país em volume impensável há 10 anos; não ceder à normalização da pandemia, pois a sociedade parece estar acostumada com mais de mil mortos diários pelo coronavírus, inclusive as oposições, que resumem sua contestação às vias institucionais, e conseguir levar informação para os setores médios e pobres sobre quais são os planos de recuperação econômica do país em meio ao caos instalado com a paralisação em função da Covid-19 e a ausência de políticas efetivas do Governo Federal, que na prática trabalhou a favor da doença.

Enquanto o debate seguir na arena moral, o bolsonarismo seguirá ganhando de lavada, porque não precisa discutir sua ausência de projeto e ficará focado na agenda de valores, numa sociedade com orgulho de ser conservadora e abrindo espaço para teorias fundamentalistas inclusive no âmbito religioso, com o crescimento do protestantismo de massas.

A agenda econômica, de saídas para a crise, de propostas para um novo marco de desenvolvimento do país deve ser o mantra, confrontando a política entreguista de Paulo Guedes, abrindo caminho para a necessária agenda de direitos para as maiorias excluídas e as minorias historicamente perseguidas. Hoje, entre a Oposição, apenas Ciro Gomes está seguindo essa lógica. Infelizmente, o plano criado pelo PT, que teve uma experiência importante de governo a ser considerada, sequer chegou ao conhecimento de sua militância para que ela possa explicá-lo à sociedade. Superar esse vácuo é tarefa pra ontem.

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