Por Theófilo Rodrigues
Em fins da década de 1950, um texto clássico das ciências sociais defendia a tese de que o que faltava à intelectualidade da área era uma “imaginação sociológica”. Sociólogo e motoqueiro selvagem nas horas vagas, Wright Mills entendia que essa “imaginação sociológica” era determinante para estabelecer conexões mais profundas entre as experiências dos indivíduos e a sociedade. E isso só seria possível, dizia Mills, se os cientistas sociais se permitissem se libertar de suas próprias circunstâncias e adotar outras perspectivas como as da história, da psicologia etc. Dito numa linguagem mais atual, se fossem capazes de sair de suas bolhas.
Não era essa a pretensão de Mills, mas seu convite extrapola as fronteiras da sociologia crítica e pode muito bem servir de orientação para que o conjunto de forças progressistas e democráticas brasileiras superem o atual dilema da conjuntura política nacional.
Enquanto as pesquisas de opinião indicam que o governo autoritário de Jair Bolsonaro se sustenta em aproximadamente 30% de apoio social, os mais diversos atores e atrizes da oposição política brasileira “quebram cabeça” na articulação de um rumo comum que alcance a derrota de Bolsonaro. Da mesma forma como Mills criticava aquela sociologia incapaz de articular as experiências individuais com as instituições sociais – a máquina de escrever de Mills se voltava contra a “grande teoria” de Talcott Parsons -, a oposição brasileira parece ser incapaz de se comunicar de forma clara com o campo majoritário da sociedade que repudia Bolsonaro.
Embora haja cerca de 70% do eleitorado que seja contrário ao governo Bolsonaro, nenhum projeto político consegue de modo claro se apresentar como porta voz dessa oposição na base social. Na centro-direita, quatro atores disputam a liderança do campo: João Dória (PSDB), Henrique Mandetta (DEM), Sergio Moro (PODEMOS) e Luciano Huck (CIDADANIA). Na centro-esquerda, a crise de hegemonia do PT pós-golpe de 2016 abriu espaço para que o PDT de Ciro Gomes reivindique a liderança do campo. Mas, ao contrário do que ocorre na centro-direita, o que se vê na centro-esquerda é uma luta destrutiva que apenas afasta a sociedade dos partidos políticos.
É sob esse registro que emerge com lucidez a imaginação política do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). Mais preocupado em criar pontes entre os diferentes do que em marcar posições, Dino entende que somente o diálogo generoso e franco entre as mais diferentes forças que compõem a oposição brasileira garantirá a derrota de Bolsonaro. Para Dino, a oposição precisa sair de suas bolhas de discussões intermináveis sobre fatos pretéritos, e voltar seus olhos para a construção coletiva de um futuro sem Bolsonaro.
De fato, ninguém aguenta mais as brigas infantis sobre a necessidade do PT fazer autocrítica por ter feito aliança com Joaquim Levy em 2015, sobre Ciro Gomes ter ido para Paris no segundo turno de 2018, ou sobre o suposto “identitarismo” do PSOL. Essas querelas apenas comprovam o quão distante estão dos reais problemas da sociedade brasileira certas militâncias e burocracias partidárias.
Não obstante esses obstáculos, Dino identifica que uma necessária ação conjunta tem se realizado de forma episódica no Congresso Nacional, como na conquista da renda básica emergencial de R$ 600,00 ou na aprovação do FUNDEB. Mas ainda é pouco perto do avanço do autoritarismo e do neoliberalismo no Brasil.
De forma inovadora no país, o comunista advoga em favor da criação de uma federação partidária, que possa ser um guarda-chuva para amplas expressões da oposição brasileira de corte progressista, assim como ocorre com a CDU em Portugal, a Izquierda Unida na Espanha ou a Frente Ampla no Uruguai.
Nessa direção, merece ser valorizada a imaginação política do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL), que numa ação-manifesto retirou a sua promissora candidatura na disputa pela prefeitura do Rio de Janeiro para sinalizar em favor da construção da unidade de um campo progressista na cidade. O gesto de Freixo não pode e nem deve ser medido pelas suas consequências imediatas no curto prazo, mas sim pelo que aponta para o futuro. Interlocutor privilegiado de Dino, Freixo é também um símbolo dessa imaginação política que, infelizmente, ainda nos faz falta.
Um fato que a recente história do século XX demonstrou foi o de que a imaginação política nem sempre surgiu no centro do sistema. Com enorme sensibilidade intelectual e prática, Lênin e Gramsci perceberam que, no século XX, essa imaginação política encontrou solo fértil na periferia do sistema: o primeiro falava dos elos fracos da cadeia; o segundo, com ironia, observou que, ao contrário do que era esperado, a revolução socialista não ocorreu na Inglaterra, mas sim na Rússia, o que a tornou a “Revolução contra O Capital”. Talvez, no caso brasileiro, essa imaginação política não surja de centros políticos como Brasília, Rio de Janeiro ou São Paulo, mas sim de sua periferia regional. Quem sabe não seja o Maranhão o terreno fértil para o crescimento dessas novas ideias?
Theófilo Rodrigues é cientista político.
Nathan Teixeira
27/07/2020 - 21h27
Querido theofilo! Quanta alegria ler um artigo que fuja do “feijão com arroz” da disputa política atual. Enquanto brigam por um pouco de holofote, deixamos o palco para o vilão da vez, que apesar de ser desprezado, tem seu punhado de admiradores aplaudindo de pé. Falta mesmo pensar como bloco. precisamos desinflar egos, definir prioridades nacionais e escutar uns aos outros. Senão um jogo que poderíamos vencer, com facilidade, pode virar um novo 7X1.
Karla
27/07/2020 - 19h52
Dino cometeu seu primeiro grande e grave erro. Convidar o presidente para um pacto. Há, sim, limite; não se deve ignora-lo sob o pragmatismo incoerente de que ” tudo é permitido”. Não há nenhuma razão para isso, porque a depressão econômica nacional já foi contratada. O pacto federativo inútil contra o desemprego apenas seria proveitoso política e eleitoralmente ao “mau militar” que, agora, pela primeira vez foi levado ao corner do ringue em tribunal internacional pela pandemia e está acuado pela seca do capital de giro na seara de 90% das empresas. Dino tem deixado de ler os melhores manuais e pode ser contaminado mortalmente pelo vírus em virtude da aproximação com o Messias da Ditadura e dos Torturadores. Menos, Dino. Lenin e Gramsci jamais validariam a aproximação com os Romanov ou Mussolini, sob nenhuma hipótese ou circunstância.
Paulo
27/07/2020 - 19h51
“Para Dino, a oposição precisa sair de suas bolhas de discussões intermináveis sobre fatos pretéritos, e voltar seus olhos para a construção coletiva de um futuro sem Bolsonaro”.
E sem Lula, também, eu acrescentaria. Enquanto Lula não passar, a união eventual somente poder-se-á dar pelo próprio eleitor na urnas (o chamado voto útil), no 2º turno…E mesmo assim temo que não seja suficiente pra derrotar o Capetão. Talvez com Ciro. Talvez…
João Carlos Cardoso
27/07/2020 - 11h37
excelente análise. Concordo, na íntegra com ela. Dino é lúcido e pensa de forma correta os nossos problemas polítios e sociais. Mas estar na periferia é um problema sério no Brasil. Camilo Santana, do Ceará, com menos brilhantismo, também desponta com visão semelhante, mas está imobilizado demais por Ciro, de um lado, e a estrutura política do PT, do outro.
Jerson7
27/07/2020 - 10h41
O que falta sao os bilhoes roubados aos cofres publicos, os bilhos da Odebrecht, da Petrobras, etc… para financiar todo a aparato esquerista e a Globo.
Entre outras coisas falta o monopolio da narrativa que internet colocou no chao e varreu.
O que ficou é a terra arrasada que a esquerdalha féz do Brasil, disso os brasielrios nao esqueçerao facilmente.
Alexandre Neres
27/07/2020 - 10h27
Caro Theófilo, teu artigo é um oásis em meio à aridez do deserto que o Cafezinho representa hoje em dia. Pensa no porvir e deixa evidente quem é o adversário a ser batido, o qual encarna todas as mazelas do nosso país mediante um desgoverno genocida, ao passo que esse blogue incita recorrentemente que o campo progressista fique digladiando entre si, deixando o caminho aberto para o boçal-ignaro.