Por Virgínia Berriel (Jornalista)
Precisamos sempre revisitar a nossa história, forjada à base do açoite, das torturas e da dilapidação das nossas riquezas. A escravidão foi a forma mais cruel e bárbara de servidão humana. Ocorreu através do tráfico e da exploração da mão de obra de negros trazidos da África para o Brasil, que eram submetidos a maus tratos num grau de barbárie e desumanidade jamais vistos. O Brasil foi um dos últimos países a libertar os escravos.
Muitos indígenas também foram escravizados no começo da colonização portuguesa, entre os anos de 1540 a 1570, principalmente na extração do pau-brasil. O corte e transporte da madeira eram feitos por eles e como pagamento os colonizadores praticavam o escambo, a troca do trabalho por mercadorias de pouco valor como espelhos, aguardente, facões e perfumes.
Os índios eram capturados para trabalhar na lavoura já que os escravos africanos custavam caro demais para os senhores de engenho. A mão de obra indígena também era utilizada em larga escala em combates para conter escravos africanos fugidos.
A escravidão indígena foi combatida pela igreja, mas os padres jesuítas, com a missão de catequizar os índios, contribuíram e muito para que estes mudassem seus hábitos – eram submetidos aos valores europeus, o que facilitava a dominação e a exploração. A abolição indígena aconteceu em 1757, por meio de decreto do Marquês de Pombal, que na época ordenou também a expulsão dos jesuítas do Brasil.
Os povos indígenas sofrem há 500 anos. Desde a chegada dos colonizadores portugueses em suas terras tiveram os direitos roubados e foram negligenciados. Resgatar um pouco da história é imprescindível para entendermos e enfrentarmos o que está acontecendo hoje, quando vivemos num regime fascista, de extremo autoritarismo, com esfacelamento da soberania, dos direitos e da Democracia.
E por que chamá-los de “povos indígenas”? Porque a Constituição assim os reconhece e à sua organização social, seus costumes, crenças e tradições.
As nações indígenas já estavam aqui quando da formação do nosso país. Eles são os povos originários e têm direito às terras que ocupam. Compete à União demarcá-las e ao Governo protegê-los, mas, na atual conjuntura, grande parte dos conflitos são em defesa da terra. Além de não terem os seus direitos garantidos, estão sendo violentamente atacados por madeireiros, garimpeiros, pelo agronegócio e pela falta de política governamental. Aliás, trata-se da antipolítica ou política de confronto. Uma política genocida!
A propagação da Covid-19 foi muito rápida. Chegou em várias aldeias, principalmente porque não houve nenhuma medida eficaz por parte do governo para impedir o avanço da doença. De acordo com os dados da Plataforma de Monitoramento da Situação Indígena na Pandemia, o país registra 556 mortes e mais de 17.824 infectados. Num total de 256 povos indígenas, mais da metade deles, 144, foram atingidos pela Covid-19. Eles foram abandonados à própria sorte. A omissão e o descaso proposital do governo caracterizam-se, com toda certeza, uma forma de genocídio a essa população que é muito mais suscetível e vulnerável às doenças.
Governo sanciona lei de proteção indígena com vetos
O projeto de lei 1142/2020, de autoria da deputada federal Rosa Neide (PT/MT), determina medidas de proteção aos povos indígenas durante a pandemia da Covid-19. Foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 21 de maio, pelo Senado em 16 de junho e no dia 08 de julho publicação no DO com cerca de 16 vetos pelo governo Bolsonaro. Entre eles: “a garantia de água potável, alimentação, materiais de higiene, limpeza e desinfecção das aldeias; a oferta emergencial de leitos hospitalares e terapia intensiva; a compra de ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea; a obrigação de liberar verba emergencial para a saúde e viabilizar o acesso de indígenas e quilombolas ao Auxílio Emergencial”.
Na prática, a atitude do governo ao vetar itens tão necessários coloca em risco de morte essa população. Como o presidente despreza as minorias, os povos indígenas e quilombolas, sua assessoria jurídica orientou esses vetos infames não por falta de recursos, mas por pura crueldade e ódio a esses povos.
O Tribunal de Contas da União (TCU) quer saber por que o Ministério da Saúde gastou menos de 29% da verba destinada pelo Congresso para o enfrentamento de ações específicas da pandemia. De um total de R$ 38,9 bilhões só R$ 11,5 foram pagos até final de junho. Embora o Ministério negue essas afirmações dos relatórios do TCU, o governo terá que se explicar. Certamente se tivesse critério para a distribuição das verbas aos estados teria evitado milhares de mortes. Muitas vidas poderiam ter sido salvas se houvesse, desde o início, empenho governamental na prevenção da pandemia através da quarentena e do isolamento social.
Campanhas em defesa da vida dos povos indígenas
Os povos indígenas têm dependido do apoio popular de ambientalistas, de campanhas para arrecadação de recursos e alimentos, como por exemplo: Campanha S.O.S Xavantes – realizada por diversos artistas e integrantes de movimentos sociais para arrecadação de recursos para instalar uma Unidade Avançada de Saúde próxima às aldeias Xavantes – cerca de duas vidas são perdidas a cada dia para a Covid-19; campanha para ajudar com doações os povos indígenas do Nordeste – Apoinme, Copipe e Cojipe; campanha Povo Tapeba, no Ceará, impactados por casos de Covid-19 e cheias na região; comunidade indígena Wotchimaücü de Manaus (acw); Parentes indígenas do Baixo Tapajós; Guaranis Mbya da aldeia Jaraguá de São Paulo; campanha de arrecadação de alimentos para os povos indígenas do Sudeste, entre tantas outras lançadas e/ou apoiadas pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
Conforme dados do IBGE, o Brasil tem mais de sete mil localidades indígenas e um total de 896.917 indígenas. Uma população imensa, espalhada pelo país em várias aldeias e estados, mas extremamente vulnerável e com baixa imunidade para enfrentar a Covid-19.
Certamente este é mais um crime cometido pelo descaso desse governo contra os povos indígenas, contra os brasileiros. Além de não ter implementado nenhuma política de combate e prevenção à pandemia, precisamos sempre destacar que o presidente do país desdenhou, negou, sonegou, mentiu e demitiu os dois ministros da Saúde. Mantém até hoje um militar interino, que não é médico e nada entende de saúde para cumprir apenas as suas ordens – além dele, outros vinte militares ocupam cargos no Ministério. Daí a tragédia que vivemos. Estamos à beira de 90 mil mortes e pelo avanço da doença chegaremos a mais de 100 mil nos próximos dias.
O governo brasileiro precisa ser responsabilizado pelas mortes de todos os povos indígenas em razão da sua vulnerabilidade e de terem sido abandonados. Mas, também, por todas as mortes decorrentes da Covid-19, por não ter feito nada para impedi-las. Bolsonaro governa apostando na barbárie e no caos social. #FortBolsonaroGenocida
Fontes: CIMI Conselho Indigenista Missionário
COVID-19.socioambiental.org.