Em primeiro lugar, Delfim Netto não é o bicho papão que, subitamente, setores da esquerda tentam pintar. Foi super-ministro na ditadura militar, sim, e isso será a eterna, terrível, indelével nódoa em sua biografia.
Entretanto, ele não é só isso. Delfim também é um economista brilhante, e sob seu comando o Brasil cresceu a taxas até hoje insuperáveis. Durantes os anos de 1967 a 1974, quando ocupou a pasta da Fazenda, o Brasil viveu o chamado “milagre econômico”, em função dos pesados investimentos que o Estado fez em infra-estrutura e no fortalecimento da indústria nacional.
Além disso, as relações de Delfim com o PT, e com a esquerda em geral, sempre foram cordiais.
A imprensa costumava apresentá-lo como “conselheiro econômico” de Lula e, em seguida, de Dilma, e ele era, de fato, figura habitué no o Palácio do Planalto. Em 2007, Lula o nomeou como membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. O Conselho foi uma iniciativa muito interessante de Lula para criar um diálogo do governo com o setor empresarial; lamentavelmente, foi praticamente desativado por Dilma Rousseff.
Essa relação cordial se mantém até hoje, como se constata por sua presença no programa de entrevistas de Fernando Haddad, em dezembro do ano passado.
Se você procurar no Google, verá que Delfim Netto continua sendo um dos economistas mais entrevistados do país, e isso tem uma razão. Suas entrevistas são sempre brilhantes, conduzidas com muito humor, leveza e, ao mesmo tempo, erudição incomparável. Na entrevista com Haddad, por exemplo, Delfim, respondendo a uma pergunta do ex-ministro, sobre o crônico problema brasileiro do crédito, lembra que a primeira grande liderança do Ocidente a entender a centralidade da questão foi Sólon, que é considerado ninguém menos do que um dos “pais fundadores” da democracia grega. Sólon escreveu e pôs em prática uma lei que perdoou as dívidas de todos os atenienses, e isso foi o ponto de partida para a reorganização da vida na cidade.
Além de sua presença no programa de Haddad, Delfim Netto foi entrevistado pelo Roda Vida em abril do ano passado, pelo SBT no último domingo (19), pelo UOL há três meses; e a entrevista com Pedro Bial foi ao ar nesta terça-feira 21.
Trago esses fatos para mostrar que Delfim Netto é um comentarista político muito ativo, apesar – ou melhor dizendo, em virtude – de seus 92 anos.
Na entrevista com Bial, o jornalista lhe pergunta se Lula havia lhe pedido conselhos nas eleições de 2018.
Delfim Neto responde que sim. E aí conta a história cuja divulgação enfureceu alguns internautas simpatizantes do PT, sobretudo porque ele acrescenta um severo julgamento pessoal: afirma que o PT “traiu” Ciro, que tinha certeza que Ciro teria ganho as eleições (se o PT houvesse respeitado o acordo de apoiá-lo), e que, portanto, o PT seria o principal responsável pela vitória de Jair Bolsonaro.
Netto repete uma análise bastante chã, que muitos faziam, tanto na época, como ainda hoje: de que interessava a Bolsonaro disputar com o PT, porque o antipetismo era a grande força daquela eleição; e que seria muito mais difícil, para Bolsonaro, vencer uma disputa com Ciro Gomes.
O relato de Delfim Netto não é totalmente novidade, embora a história esteja hoje envolta em confusão e, sobretudo, deturpada pelas paixões e ódios que se movimentam no entorno de Lula e Ciro.
Em abril de 2018, o jornalista Mario Sergio Conti publicou uma matéria na Folha em que traz os principais fatos revelados por Delfim Netto, que aliás, chama em seu testemunho justamente a presença de Conti nas conversas que teve com Haddad, Ciro, Bresser Pereira e Lula (este último indiretamente, pois já estava preso).
A novidade é que Delfim hoje enfatiza que a articulação de uma chapa com Ciro Gomes na cabeça contava com apoio do próprio Lula.
Existe um pouco de confusão em torno dessa história porque a proposta do PT (e essa seria a “traição” de que fala Delfim) teria mudado. Se antes havia o acordo (segundo Delfim) de que o PT não lançaria candidato, e apoiaria Ciro, o que foi proposto efetivamente em seguida foi muito diferente. Em entrevistas recentes, Haddad e Ciro contam que Lula teria proposto a Ciro o lugar de seu vice. A proposta de Lula teria sido feita após Ciro ter registrado sua própria candidatura. Quando houvesse a decisão do TSE, anulando sua candidatura, Ciro assumiria a cabeça de chapa. Ciro não aceitou a proposta, considerando-a um insulto.
O resto é história.
O vídeo do relato de Delfim Netto: