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A dívida pública e o complexo de Cinderela

De Julia Braga e Franklin Serrano no site Excedente.org. Analistas projetam que a razão entre a dívida bruta do setor público e o PIB deve alcançar um número próximo a 100% no final de 2020. Prever esta razão não é tarefa fácil. Diversos fatores influenciam esse indicador, incluindo a própria atuação da política monetária com as corriqueiras […]

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O Ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que no final deste ano a “carruagem vai virar abóbora” e em 31 de dezembro volta o ajuste fiscal e as reformas. Foto: Aloisio Mauricio / Fotoarena

De Julia Braga e Franklin Serrano no site Excedente.org.

Analistas projetam que a razão entre a dívida bruta do setor público e o PIB deve alcançar um número próximo a 100% no final de 2020. Prever esta razão não é tarefa fácil. Diversos fatores influenciam esse indicador, incluindo a própria atuação da política monetária com as corriqueiras operações compromissadas.

De fato, em 2017 a Instituição Fiscal Independente previa que a dívida bruta/PIB atingiria 83,9% do PIB em 2019[1]. O IPEA também estimava um número superior a 80% (Nota Técnica de 2016)[2]. O Tesouro também superestimou o indicador, mesmo considerando o retorno dos créditos do BNDES (relatório do 3º quadrimestre de 2017)[3]. A dívida bruta fechou o ano de 2019 em 75,8%, apresentando queda em relação ao número de 2018.

O dado de maio de 2020 (81,7%) já indica elevação, em parte explicada pela própria queda do PIB. Mas outra parte pode ser atribuída ao aumento do déficit fiscal primário, que acaba pressionando seja a uma colocação de títulos nas operações compromissadas do Banco Central, sejam emissões primárias nos leilões do Tesouro Nacional. Além disso, há também a própria política de expansão monetária, como a diminuição do compulsório para depósitos a prazo. A expansão da liquidez liberou recursos que em boa parte acabaram no final aplicados em títulos públicos à taxa de juros vigente.

Esse aumento tem causado preocupações, mas uma análise realista deve considerar, antes de tudo, que dada a crise, a elevação da dívida deve ser generalizada em diversos países. Em segundo lugar, que a taxa de juros nominal de curto prazo do FED deve ficar próximo a zero por pelo menos até 2022, como já sinalizou Powell.

O fato da taxa de juros brasileira ter se tornado mais “selicada” (cerca de 50% formada por compromissadas e Letras Financeiras do Tesouro), com prazos mais curtos, faz com que a reação de queda do custo real da dívida seja rápida, quando a taxa de juros real de curto prazo cai.  Assim, a emissão de nova dívida já ocorre a juros baixos em termos históricos e aos poucos o custo do estoque da dívida também cai.

A diferença entre os juros longo e curto (que basicamente mede o temor de que no futuro a taxa de curto prazo suba) alcançou cerca de 5 pontos percentuais (considerando a taxa de 10 anos) em maio de 2020. Nada que não tenha ocorrido no passado: número semelhante foi alcançado em meados de 2018, mesmo sem pandemia. Ademais, a curva de juros já começou a achatar, conforme a volatilidade dos preços de ativos nos mercados internacionais arrefeceu, em parte como efeito das medidas sem precedentes dos bancos centrais dos países avançados.

Enquanto o déficit primário estiver aumentando (em relação ao PIB) e o Bacen estiver aumentando a liquidez acima do que o público deseja reter de moeda à taxa de juros vigente (ou comprando títulos privados), o crescimento da dívida bruta é inevitável. Mas a mudança a um novo patamar não significa necessariamente que esta vai assumir uma trajetória explosiva.

Como foi admitido pelo próprio presidente do Banco Central do Brasil, o que mede corretamente o crescimento do passivo do governo é o aumento da dívida liquida do setor público (que corresponde apenas ao déficit primário mais juros reais) e não da dívida bruta. E é também o aumento da dívida liquida que aumenta as transferências de juros reais para os detentores de dívida pública. Essas transferências foram altas e elemento de concentração de renda e riqueza durante todo o período de baixa inflação no Brasil. Mas a redução da taxa de juros real próxima a zero mudou esse cenário.

O PIB tem que crescer em termos reais a uma taxa superior à taxa de juros real da dívida liquida para estabilizar a razão dívida liquida/PIB no longo prazo, mesmo com déficit primário sobre o PIB muito elevado (porém constante). Em 2019 o indicador de endividamento já havia alcançado a condição de estabilidade, no que diz respeito à razão entre juros reais e crescimento do PIB. É de se esperar que esta condição de estabilidade volte a ser atendida a partir do ano que vem, se não houver nova queda do PIB a partir do patamar deprimido de 2020. Com a recuperação do PIB, o aumento da arrecadação tenderá num prazo mais longo a estabilizar também a razão entre déficit primário e PIB.

O fato é que o Brasil tem agora uma janela de oportunidade com os juros internacionais baixos para  expandir gastos públicos necessários ao enfretamento da crise e à construção de um novo paradigma de política econômica, com o Estado atuando na proteção social e tendo os investimentos no setor de saúde, a reconversão industrial e a preservação do meio ambiente como elementos centrais. O grande perigo no momento não é, portanto, o Estado gastar e se endividar demais. Dada a gravidade da crise e a impossibilidade dos gastos do setor privado liderarem a recuperação neste momento, o perigo real é fazer de menos: sair do Estado de Emergência e manter regras fiscais restritivas como o Teto de Gastos, o que desperdiçaria essa janela de oportunidade e tornaria inviável esta reconstrução. 

O Ministro da Economia, no entanto, já avisou que no final deste ano a “carruagem vai virar abóbora” e em 31 de dezembro volta o ajuste fiscal e as reformas. Isso não é surpreendente para alguém que tem “Complexo de Cinderela” e diz crer que o investimento direto estrangeiro milagrosamente virá nos salvar, a despeito de nossa estagnação econômica e das políticas públicas equivocadas.

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Netho

21/07/2020 - 03h48

A bancarrota bateu à porta do Posto Ipiranga. O frentista não dura nem mais um ano. A economia mergulhou na depressão econômica. A pandemia deixará pelo menos 3 pilhas de 50.000 cadáveres cada uma, sem que a catástrofe sanitária tenha sido minimamente equacionada. O resultado é anomia social que galopa a olhos vistos, somente represada pela mal e porcamente administrada ajuda emergencial. Nem 14% dos recursos disponíveis chegaram às mãos das micro, pequenas e médias empresas que se encontram devastadas pela seca do capital de giro. A dívida pública, nesta altura do campeonato, não é, nem será o maior problema. Não há a menor dúvida de que, em nenhum ministério, não há ninguém à altura do tamanho da catástrofe econômica, sanitária e social. Para não falar nos quadrúpedes solípedes que protagonizam a política de estrebaria no Planalto.


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