A boca do bode sempre fecha. Ta aí um fato que me ensinou mineiramente um professor de electromagnetismo ao explicar a beleza da completude das leis de Maxwell.
A medida que o tempo passa, conseguimos entender melhor o fenômeno que foi essa ascensão meteórica de movimentos de direita. Criados do dia pra noite, foram capazes de eleger deputados, emplacar ministros e ganhar amplo espaço no debate político.
O Movimento Brasil Livre lançou documentário próprio, possui boa estrutura de comunicação, convoca atos por todo o país e ainda elegeu suas lideranças. Tudo isso do “dia pra noite”. Os movimentos de esquerda levaram décadas para ter um espaço parecido com o que o MBL ganhou em anos. É natural cogitar que uma grande quantia de financiamento aceleraria o crescimento de movimentos tão incipientes.
Mas mesmo assim, isso não deixa de ser uma hipótese. Que precisamos ruminar, como o bode eletromagnético.
Aliás, gostaria de enfatizar que desejo aos membros do MBL e demais investigados nessa operação de hoje a mesma presunção da inocência que considero para o presidente Lula.
O que é bastante irônico é que o próprio MBL foi crucial para o linchamento do presidente Lula e demais membros do Partido dos Trabalhadores. Inclusive a presidenta Dilma que teve a queda muito comemorada por eles.
E isso já não trato como hipótese, mas sim como fato. O MBL é um dos grandes responsáveis pelo despolitização tóxica que alimenta a barbárie atual no Brasil.
Além disso, é público e notório que o MBL ajudou muito a Lava Jato a fazer cada passo da operação um espetáculo midiático.
Globo, Veja e Antagonista garantiram a visibilidade de Moro, Dallagnol e cia na mídia tradicional. Já grupos como o MBL foram cruciais para disseminar as informações da Lava Jato pela Deep Web, com diversas notícias falsas inclusive.
As táticas do movimento liderado por Kim Kataguiri, Arthur do Val, Fernando Holliday e Renan dos Santos foram objetos, inclusive, de estudos acadêmicos como uma dissertação da Escola de Comunicação da UFRJ – baixe aqui o pdf.
“Dos 212 multimodais publicados pelo MBL durante o período, 31,13% (N=66) tratam diretamente de temas relacionados à corrupção, em especial à Operação Lava Jato (no período 1 o número cai para 6,42%). A combinação de textos e imagens objetivam a desmoralização dos atores políticos do partido de esquerda (Lula, Dilma Rousseff, Delcídio do Amaral, Gleisi Hoffmann e José Dirceu), a glorificação de agentes do Judiciário (Sérgio Moro, Rodrigo Janot e Teori Zavascki) e a desassociação da aprovação do impeachment com o fim da Lava Jato.”
Os “Memes do MBL” e a Vinculação de Públicos Afetivos em Rede durante o Impeachment de Dilma Rousseff/ Allan Carlos dos Santos. – Rio de Janeiro, 2019.
O estudo investiga e aponta para algo que bem factual: sem o MBL, a Lava Jato não teria a força que tem.
E voltando ao campo das hipóteses, fica a possibilidade da operação mais badalada do país – que mostrou apetite para um fundo de 2,5 bilhões de reais – ter patrocinado parte desses conteúdos tão favoráveis a Moro, Dallagnol e companhia.
Quem sabe, né?
O bode tá mastigando, uma hora a boca fecha.