E você, é contra ou a favor da invasão de hospitais?
A pergunta acima foi feita pela divertida página do Facebook Burocratas, alguns dias atrás (ou semanas, ou meses) ao compartilhar uma notícia sobre o pedido que João Amoedo (ele mesmo, o cara do Partido “Novo”) fez à população: não invadam hospitais.
Em meio à pandemia, às milhares de mortes evitáveis, à escalada fascista e às ameaças de golpe (estas já arrefecidas), parece que perdemos a noção de como eram as coisas em tempos mais “normais” – com todas as aspas que a “normalidade” da vida em um país periférico como o nosso exige. Neste pós normal apocalíptico no qual nos encontramos, a discussão sobre a pertinência de se invadir hospitais durante uma pandemia mortal realmente existiu e movimentou o debate público – e não surpreenderá ninguém se retornar às manchetes.
Bem, algum motivo deve haver para calharmos de residir no país que está lidando com o coronavírus da forma mais alucinada que se tem notícia; sendo assim, não podemos nos furtar ao debate, por mais esdrúxulo que seja.
Jair Bolsonaro disse o seguinte sobre o nebuloso assunto da invasão de hospitais:
Tem um hospital de campanha aí perto de você, um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer, para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não. Isso nos ajuda.
Carlos Bolsonaro, filho do presidente, escreveu que seu pai apenas sugeriu que os cidadãos “cumpram seu direito de fiscalizar os gastos públicos” e que quem acredita que ele incentivou a invasão de hospitais é “bandido” ou “doente mental”.
A hipótese do filho 03 não faz, em que pese sua notória criatividade lexical, sentido algum. Como alguém fiscalizaria os gastos públicos simplesmente entrando em um hospital e observando se os leitos estão ocupados? Sim, o presidente justificou seu comando de invasão com a nobre finalidade de verificar se “os gastos são compatíveis ou não”. Aparentemente, a ideia seria saber se os gastos designados no orçamento do poder público para o combate ao coronavírus estão sendo realmente empregados nisso daí.
A não ser que os invasores adentrem o hospital armados com as planilhas orçamentárias do poder público e façam cálculos complexos para medir a adequação do aproveitamento de leitos em uma unidade hospitalar em relação aos gastos totais do ente público no combate à pandemia (ainda assim, os invasores matemáticos precisariam invadir uma boa quantidade de hospitais para obterem uma amostra estatística válida), a ideia do presidente é apenas idiota. Ou, mais provavelmente, mais uma tentativa de fomentar a discórdia, de usar a maior crise de saúde pública dos últimos cem anos como palanque político.
Gilmar Mendes, por sua vez, afirmou que invadir hospitais é crime e “estimular também”. “É vergonhoso – para não dizer ridículo que agentes públicos se prestem a alimentar teorias da conspiração, colocando em risco a saúde pública”, completou.
Da simples leitura da fala de Bolsonaro podemos concluir que, entre Carlos Bolsonaro e Gilmar Mendes, a lógica está com o ministro do STF. Bolsonaro orientou seus apoiadores a invadir hospitais mesmo. Se a pessoa precisa arranjar uma maneira de entrar e filmar, é evidente que o próprio Bolsonaro sabe que o acesso a um hospital não é amplo e irrestrito.
Ou seja, Bolsonaro, o genocida, cometeu mais um crime ao incitar a população a invadir hospitais. A perturbação dos trabalhos nos hospitais, os confrontos entre médicas e enfermeiras com seus apoiadores, a maior chance de contaminação devido à presença de pessoas desnecessariamente dentro das unidades de saúde, tudo isso não importa para o presidente. O que vale é seguir em sua louca cavalgada rumo a… sequer se sabe exatamente o que Bolsonaro quer; Jair é um projeto de ditador sem causa.
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Esta polêmica esdrúxula não foi a última protagonizada pelo bolsonarismo. Enquanto esta força política existir e especialmente enquanto estiver no poder central, de tédio não morremos (mas de Covid-19 sim, e como morremos).
Entretanto, não fazemos ideia do tipo de narrativa que circula no submundo bolsonarista das redes sociais. Os próprios admiradores do presidente parecem, muitas vezes, envergonhados de mencionar o que escutam de seus correligionários ou leem em fontes obscuras de informação. Me parece que eles sabem o quão absurdas são as fake news, a ponto de não comentarem com qualquer um; ainda assim, essas notícias bizarras fazem sentido dentro de um sistema de crenças delirante cujo pano de fundo é a figura de Bolsonaro como um paladino na luta contra o comunismo que está prestes a dominar o mundo.
Há, contudo, uma movimentação interessante nas hostes dos Bolsonaro. Nos últimos dias interagi com dois bolsonaristas que mencionaram esta estapafúrdia história: Bolsonaro teria tentado conter a pandemia no início da crise, antes do carnaval, mas o STF decidiu que os governadores e prefeitos são os responsáveis; portanto, a culpa do morticínio não é do presidente, mas dos governadores e prefeitos. Um dos meus interlocutores falou que Bolsonaro fez um decreto de “emergência nacional”, ordenando inclusive o fechamento dos aeroportos, ainda antes do carnaval. Em uma rápida pesquisa, descobri que esse boato circulou ainda em abril.
De qualquer forma, esta será a linha de defesa que restará a Bolsonaro após a hecatombe que se avizinha. Circulam imagens chocantes de bares no Rio de Janeiro lotados. Aglomerações, pessoas sem máscara… uma festa, como diria o desaparecido Paulo Guedes. Some-se aos boêmios que não se importam de serem contaminados ou contaminar outras pessoas (sabendo que podem morrer ou matar agindo dessa forma) os que não aguentam mais ficar dentro de casa e os que precisam ir para as ruas por questões de sobrevivência. Temos, então, a tempestade perfeita, uma bomba-relógio armada pelo presidente da República contra a população do seu próprio país. (Nisso de armar bombas, aliás, Bolsonaro é reincidente.)
A força das redes sociais, a indústria das fake news e a canalhice genocida na presidência do país são relativas novidades no cenário político. Estamos engatinhando no processo de entendimento de como elas funcionam. Ainda assim, tudo indica que não há narrativa que resista à morte de conhecidos, amigos e parentes que boa parte dos brasileiros sentirá na própria pele. Bolsonaro deve ficar reduzido a seu núcleo ultrafanatizado em breve.
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Acontece que estamos em meio a um genocídio, um crime contra a humanidade que será lembrado por décadas, quiçá séculos. Esperar o desgaste natural do Hitlerzinho tropical para derrubá-lo ou derrotá-lo nas próximas eleições presidenciais significa mais gente morta. Gente de carne e osso, com sonhos, gostos e um jeito de ver a vida único no Universo inteiro desaparecerá do convívio com seus entes queridos por culpa do líder político do país.
Bolsonaro gosta de gente morta. Não há outra explicação para o presidente vetar, há poucos dias, os pontos de um projeto aprovado pelo Congresso que tornavam obrigatório o uso de máscaras em estabelecimentos comerciais, indústrias, igrejas, templos, escolas, universidades e locais fechados em que haja reuniões de pessoas. Bolsonaro também vetou a obrigação de o poder público fornecer máscaras de graça para a população pobre e fazer campanhas sobre a necessidade do seu uso. Além disso, foi vetada a aplicação de multa em quem não usar máscara. Sendo que qualquer jurista sabe que se não há punição prevista na legislação, a lei é inútil.
Ou seja, Bolsonaro quer ver mais morte. Morreu foi pouco. Tirem as máscaras. Vão para as ruas. Aglomerem-se. Lotem as UTIs. Os remédios necessário ao funcionamento dessas unidades, como os anestésicos, estão em falta, mas tem cloroquina de sobra. Tomem cloroquina. E morram.
Considerando que o presidente já afirmou que deviam ser assassinados “uns 30 mil” no Brasil (ele já dobrou a meta), que é favorável à tortura, que é um assumido fã de torturadores sanguinários como Brilhante Ustra e que é um entusiasta de bandidos violentos como milicianos e generais golpistas, não é absurdo supor que Bolsonaro é um necrófilo. Que é um psicopata, está evidente. Mas o presidente vai além da mera falta de empatia; seu caso parece ser o de alguém que fica excitado com a morte de pessoas.
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O conservador e o reacionário são figuras avessas a mudanças, por natureza. Agora imaginem como anda a cabeça destes com a mudança drástica em nosso estilo de vida que a pandemia exige? Eles não entendem. Fazem de tudo para encaixar o novo mundo dentro de seu familiar esquema mental de como são as coisas (ou como eram em um passado inexistente que deveria “voltar a existir”). Estão perdidos.
(O South Park, ácido desenho animado norte-americano, fez uma temporada inteira de episódios em que os vilões eram pequenas frutas que não paravam de relembrar coisas do passado (as “Member Berries”). As frutas se espalham pelo país e a nostalgia generalizada resulta na eleição de Trump.)
Acontece que, embora seja possível até sentir uma certa pena do desespero que sente uma pessoa conservadora ou reacionária ante uma mudança radical de modo de vida, este apego insano a um passado fantasiado é, ainda mais neste momento, perigosíssimo. Letal.
É necessário, portanto, que partamos para cima do bolsonarismo. Nas ruas, se preciso, quem nelas estiver. E especialmente nas redes sociais, Whatsapp ou áreas de comentários de sites ou blogs. É preciso confrontá-los. Expô-los. Jogar no colo do presidente o genocídio que é, de fato, seu filho. O que, convenhamos, não é nada difícil: o número de vezes que Bolsonaro burramente desdenhou da pandemia facilita o nosso trabalho.
É preciso tirar a paz de quem ainda é cúmplice deste governo necrófilo. Corroer a base do presidente. Indimidá-la. Fazer com que o discurso negacionista e assassino volte para o esgoto de onde saiu.
Para que, quando este pesadelo acabar, tenhamos força e hegemonia para punir Bolsonaro exemplarmente.
A punição do genocida é fundamental, é requisito para que acertemos as contas com nossa história de autoritarismo, tortura e morte. E para que possamos sonhar com um país e um povo dignos, soberanos e livres.