Se há um ponto positivo do isolamento social dos tempos atuais é a profusão de debates “públicos” entre figuras de destaque da política brasileira. Graças à popularização das “lives”, ao longo dos últimos três meses foi possível acompanhar, quase que diariamente, a evolução da opinião sobre a atual conjuntura de líderes de todas as vertentes políticas. Aqui, pretendo chamar a atenção para manifestações recentes de duas figuras: o ex-governador Ciro Gomes (PDT-CE) e o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
Ciro e Freixo, assim como nomes de destaque do PT, PCdoB, PSB, Rede, PV e outros partidos comprometidos com a defesa da democracia, têm se esforçado para construir um tipo de Frente Ampla que seja capaz de colocar um basta ao flerte do governo Bolsonaro com o fascismo. Essa postura vai ao encontro de outras iniciativas da sociedade, como o Direitos Já, Basta!, Juntos e Somos 70%, todos unidos para impedir uma escalada autoritária no país.
Este texto poderia discutir o que o governador Flávio Dino (PCdoB-MA) ou o ex-prefeito Fernando Haddad (PT-SP) vem defendendo como possíveis caminhos, mas a escolha por Freixo e Ciro se deu em virtude de um bom debate do qual os dois participaram no último sábado (20/6), ao lado do senador Jaques Wagner (PT-BA), da deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC) e do ex-governador Márcio França (PSB-SP). Há consenso amplo, geral e irrestrito sobre a composição das forças mais diversas na construção de uma Frente em favor da Democracia, mas o que virá a partir disso coloca Freixo e Ciro em posições distintas.
Num tom por vezes elevado e com críticas severas ao ex-presidente Lula e à cúpula do PT, Ciro tem dito que, uma vez assegurada a manutenção da democracia, será preciso discutir o que virá para substituir Bolsonaro e sua corja. Em vários momentos, ele pôs o dedo numa ferida ainda delicada: como os brasileiros – que em 2002, 2006, 2010 e 2014 elegeram candidatos do campo progressista – deram um cavalo de pau e escolheram a escória da política nacional? Em suas “lives”, Ciro tem perguntado com frequência: o que houve no caminho para chegarmos à acachapante vitória de Bolsonaro em 2018? “O lulopetismo passou a ser parte do problema, e não da solução”, responde o ex-governador do Ceará, referindo-se à corrupção, à debacle econômica do governo Dilma e ao distanciamento da esquerda em relação aos interesses populares.
Sendo assim, Ciro tem defendido que para enfrentar Bolsonaro e defender a democracia, todos devem se unir. Depois, será necessária uma boa lavagem de roupa suja. E em público. Se possível, parte da Frente Ampla pode se unir novamente no segundo turno, em 2022.
Freixo tem um raciocínio diferente. Na “live” do último sábado ele mencionou rapidamente uma preocupação pertinente: a possibilidade de 2022 repetir 1989. Antes, o deputado fluminense fez uma rápida contextualização, comparando o momento atual com a campanha pelas Diretas Já, em 1984. Naquele momento, forças políticas heterogêneas se somaram para colocar uma pá de cal na ditadura militar. Sarney assumiu no lugar de Tancredo e vieram as eleições de 1989, momento no qual todas os mesmos grupos que compuseram a Frente Ampla lançaram seus candidatos. Por mais que Lula (ainda um outsider) tenha ido ao segundo turno, Collor venceu.
O deputado do PSOL já expôs com mais calma seu raciocínio em outras “lives”, especialmente depois de ter desistido de concorrer à Prefeitura do Rio de Janeiro neste ano. Freixo se queixou da falta de unidade do campo progressista em torno de seu nome, pois somente o PT, até o princípio de maio, havia confirmado seu apoio. PDT, PSB e Rede já haviam definido seguir outro caminho, numa clara indicação da estratégia que deve ser repetir em 2020 em outras eleições-chave. Na conversa com Ciro, Wagner, Perpétua e França, o parlamentar do PSOL não fez uma crítica direta ao que se passou em sua cidade, mas tampouco deixou passar a oportunidade de reforçar seu ponto de vista: sem unidade das forças progressistas, o esforço da Frente Ampla pode resultar em nova derrota eleitoral em 2022.
No mesmo encontro, Jaques Wagner emitiu um sinal bastante sensato. É sabido que o senador baiano defendeu o apoio do PT a Ciro Gomes em 2018, mas foi voto vencido. Ao falar sobre o futuro, deu um conselho ao companheiro cearense: “Bate mais leve no meu partido, assim eu posso te defender melhor por lá”.
É provável que as urnas e o mapa eleitoral ao final de 2020 acabem por demonstrar qual das duas estratégias será mais conveniente em 2022 (ou antes, caso a chapa que elegeu Bolsonaro e Mourão seja cassada ainda este ano). Até que isso fique mais claro, a sapiência baiana de Jaques Wagner deveria pautar a relação entre os partidos do campo progressista. O tiroteio recente entre a militância do PT e do PDT mostra que isso é pouco provável que ocorra, mas é hora de outros nomes de destaque entrarem em campo para acalmar os ânimos. O Brasil provavelmente não aguenta um novo Collor, ainda que venha travestido de gestor, juiz ou apresentador de TV.
* Fernando Damasceno é jornalista. Atualmente é mestrando em Relações Internacionais.
Daniela
03/07/2020 - 17h38
Quem tem que se confirmar é o Lula que está INELEGÍVEL.
Até o Palocci disse em entrevista que Lula hoje só que saber de eleição.
Agradecemos toda a dedicação de Lula de outrora.
Agora é só Ciro que derruba Bolsonaro.
O Demolidor
02/07/2020 - 11h00
Como petistamMe manifestaria aqui sobre esse assunto….mas seria censurado pelo Miguel….pra variar….
Karla
01/07/2020 - 21h02
Tudo indica que 2022 repetirá 2018 e não 1989. Desta vez a historia se repetirá, não como farsa ou tragédia, mas como catástrofe. Lula e o PT estão de olho no protagonismo tradicional, na hegemonia estratégica e na bufunfa dos fundos eleitoral e partidário. Lula e o PT fazem o que nunca deixaram de fazer. O jogo da direita; e, atualmente, da extrema-direita. Não foi sem o auxílio luxuoso do lulo-petismo, que um par de filhotes fardados da ditadura subiu a rampa do Planalto com pompa e circunstância.
Clarice
01/07/2020 - 12h29
O problema, a meu ver, é que a situação chegou em um nível tão inconciliável que existem alguns pontos difíceis de serem rebatidos, se analisados com mais prudência e menos passionalidade:
– Ciro é, de fato, o líder da oposição. O PDT no Congresso o ajuda bastante. Ele tem experiência de sobra, ficha limpa, projetos de sobra e bom trânsito entre diversos setores da sociedade. É claro que seria mais inteligente que toda a frente ampla apostasse em seu nome como presidenciável em 2022.
– Neste sentido, ainda que o PT abaixasse a crista e resolvesse apoiar Ciro – o que é 99,9% impossível, a meu ver -, o próprio Ciro não me parece nem um pouco disposto a contar com o PT em seu palanque, talvez nem mesmo em um segundo turno. Os ânimos estão tão exaltados que o Ciro quer derrotar o PT. A ideia do PDT é aglutinar apoios do PCdoB e PSOL – só falta eles, já que PSB, Rede, PV e Cidadania ele já roubou definitivamente do PT.
Esses dois pontos torna tudo profundamente inconciliável. O PT, se (e muito SE) aceitasse apoiar o Ciro, exigiria no mínimo a vice-presidência (o que seria justo tamanho histórico, importância e tamanho do partido). Além da própria rejeição de Ciro ao PT, como o pedetista aglutinaria votos antipetistas tendo Fernando Haddad, Jaques Wagner ou Camilo Santana como vice? O que muito se debate é que em 2018 a chapa de Ciro Gomes e Kátia Abreu teria herdado votos de Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, Henrique Meirelles e talvez até João Amoedo, apenas para vencer Jair Bolsonaro. Haddad e Manuela não herderam votos de ninguém além do próprio Ciro, do Boulos e da Marina, justamente por representarem o PT.
E um terceiro ponto a ser confrontado: a queda de braço entre Ciro e Lula não é o único problema na divisão do campo progressista. O PCdoB e Flávio Dino parecem determinados em um projeto nacional. Seja como vice do PT ou de Ciro, seja como candidato pelo PCdoB, seja como candidato pelo PT, o atual governador do Maranhão vai definir muita coisa em 2022 dentro da esquerda. E por fim, o PSOL, ainda que seja a cada eleição presidencial que passa menor (Boulos não obteve nem metade dos votos de Luciana Genro), certamente, como parte da política interna do partido, lançarão chapa própria em 2022. Em um ano em que não podemos correr o risco de perder nem mesmo 5 votos pra uma candidatura ideológica, uma candidatura que conquiste os 617.115 votos do PSOL em 2018 certamente mais atrapalhará do que ajudará na missão de vencer a direita.
Batista
01/07/2020 - 21h01
“A ideia do PDT é aglutinar apoios do PCdoB e PSOL – só falta eles, já que PSB, Rede, PV e Cidadania ele já roubou definitivamente do PT.”
Escancara abissal conhecimento político, né, Marina, Penna e Bob Freire?
Só esqueceu da Globo, a ser definitivamente roubada.
E depois tem quem não entende até ‘ciclone-bomba’ por aqui…
Marcos Videira
30/06/2020 - 22h19
Concordo plenamente com a ponderação de Fernando Damasceno.
Penso que o principal obstáculo é a obsessão do PT: ou Lula lidera ou nada feito.
O dirigente do PSOL, Nildo Ouriques, afirmou que “Ciro já ocupou o lugar de Lula na liderança da oposição”. Para Lula isso é inaceitável e, portanto, o vale-tudo é chamado de pragmatismo.
Na live dos “Direitos Já” na última sexta-feira o PT e o PSTU foram os únicos partidos que não participaram do evento. Isso significa algo. Ou não ?
Hoje li um segundo artigo do ex-brizolista Vivaldo, publicado no site Viomundo, em que ele identifica Ciro Gomes com o senador MacCarthy. Ciro estaria induzindo que Lula e o PT seriam “comedores de criancinhas”. Além de mentiras sobre a “privatização das águas”, Lupi traindo Brizola e por aí vai…
Se Lula tivesse a grandeza política de Cristina Kirchner… Mas o mundo é como é…
Laucidio Rosa da Silva
01/07/2020 - 11h26
ciro tomou o lugar do lulal? kk fala outra rapaz, ciro e uma direitista safada e a semente da direita platada no lado da esquerda, o lula chamou ele em 2018 para ser vice e caso o lula fosse impedido ele seria o candidato não quis porque alguem da direita iludiu ele e ele acreditou, agora como o ciro pode wser o protagonista da direita se ele perde para qualquer clandidato do pt? vai para casa do c ai
Batista
01/07/2020 - 20h40
“Se Lula tivesse a grandeza política de Cristina Kirchner…”,
lamenta Videira, esquecendo ou desconhecendo que Fernández e Cristina, são filiados no mesmo partido, o Justicialista, há décadas.
“Mas o mundo é como é…”, com o Brasil cheio de ‘Zé Cariocas’.
Nélio Martins
30/06/2020 - 17h59
Concordo plenamente, se os lados dito esquerda/progressista não baixarem suas cristas provavelmente teremos o maior fiasco em 2022 que é ficar fora do segundo turno. Coloquem suas barbas de molho e fiquem espertos.
RENATO LEONARDO MARTINELLI
30/06/2020 - 17h43
Conselho sensato nunca é demais, seja lá para quem couber.
Eu o estenderia a todos os demais líderes e partidários das agremiações de centro-esquerda, pois não me parece que é só o Ciro que adota tal conduta.