A superexploração do trabalho, uma constante na história humana ao menos desde a revolução industrial, parece ter atingido uma espécie de auge macabro, ao menos no quesito dissimulação, com o discurso de “empreendedorismo” aplicado à situação dos entregadores.
Trabalhadores que transportam comida e outros itens encomendados por meio de aplicativos como iFood, Rappi e Uber Eats recebem, em média, 963 reais mensais por 12 horas diárias de trabalho, segundo levantamento dos entregadores antifascistas. Não há direitos trabalhistas assegurados em lei, não há qualquer amparo das grandes corporações que lucram horrores às custas e costas dos ciclistas e motociclistas.
Acidente durante o trabalho? Contaminação por Covid-19? Foda-se. Os donos dos aplicativos não estão nem aí, desde que os números em suas contas bancárias continuem crescendo. A vida precária desses trabalhadores só pode ser chamada de empreendedorismo por quem ganha com isso (os que os exploram) ou por quem leva a vida regurgitando, miseravelmente, preconceito de classe.
Sendo assim, merece nada menos do que uma efusiva comemoração a greve dos entregadores agendada para esta quarta-feira, dia 1º de julho (data que dá nome a uma baita música da Legião Urbana, aliás, também interpretada, magistralmente, pela Cássia Eller).
A nascente organização dos trabalhadores esmagados, de um lado, pelos governantes e, de outro, pelos aplicativos demonstra que a história está longe, muito longe de chegar a algum final, como preconizou, furadamente, o economista Francis Fukuyama há mais de 30 anos. A lição que brota do levante dos entregadores é inspiradora: não adianta precarizar, perseguir, dividir, impor, humilhar; enquanto os seres humanos puderem se comunicar e compartilhar uns com os outros seus sonhos de liberdade e de vida digna, haverá luta contra a tirania, seja ela econômica, política ou de qualquer outra natureza.
As novas tecnologias e as novas relações de trabalho formatadas a partir daquelas permitem que todos, entregadores ou não, participem desse momento histórico. Para ser efetiva, para fazer tremer as empresas que obtêm seu lucro arrancando o suor e o sangue de tantos brasileiros batalhadores, é preciso que os que costumam fazer pedidos por meio de aplicativos como iFood, Rappi e Uber Eats se abstenham de fazê-lo nesta quarta, dia 1º de julho.
Sem os entregadores, os pedidos não saem dos restaurantes nem chegam aos clientes. Como a obsessão por lucro característica do sistema capitalista às vezes impede que as pessoas percebam o óbvio, especialmente aqueles privilegiados com dinheiro e poder, a greve pode cumprir o papel fundamental de fazê-los sentir no bolso a importância dos trabalhadores para o seu negócio. No atual estado de coisas de nossa civilização, a pressão econômica é, quase sempre, a única maneira de fazer com que os explorados sejam tratados com o mínimo de dignidade.
Pressionemos, portanto.
Se você é entregador(a), junte-se à paralisação. O sacrifício de não trabalhar por um dia, deixando de receber, pode se transformar em algo grande se feito coletivamente. Se você for cliente, faça o necessário hoje para não precisar usar os aplicativos amanhã.
Vamos adotar a única linguagem que os grandes capitalistas entendem. Perceberam o desespero de gente como o Véio da Havan ou o dono do Madero durante a pandemia? Eles precisam dos trabalhadores para trabalhar e para consumir suas bugigangas.
Quem sabe a pandemia nos ajude a identificar os verdadeiros inimigos, aqueles que condenam milhões, bilhões ao sofrimento por pura ganância? Quem sabe surja, aos poucos, um sentimento de solidariedade tal que uma greve de qualquer categoria possa contaminar outras, e outras, e outras… até que os detentores do poder se vejam obrigados a ceder às justas demandas dos historicamente explorados.
A luta dos entregadores é de todos nós. Uni-vos!