O voto divergente de dois terços da bancada pedetista no Senado Federal tem colocado a militância dos partidos de esquerda em pé de guerra. Em especial, o voto do senador Cid Gomes tem sido colocado como fator de dúvida em relação às intenções do presidenciável Ciro Gomes, em função da íntima coordenação política dos membros desta família.
Miguel do Rosário, em sua última coluna, no site O Cafezinho, explicita alguns pontos importantes sobre as consequências desta votação perante a militância trabalhista, assim como a inverdade em se falar em privatização da água neste momento, uma vez que a negociação do setor de abastecimento é garantia constitucional aos entes subnacionais desde 1988. Apesar disso, há que se prestar atenção nos efeitos deletérios que o novo PL pode vir a introduzir no mercado de água e esgoto em nosso país.
Em primeiro lugar, o PIB em nosso país é extremamente concentrado em um número muito reduzido de municípios, o que constitui um problema já identificado por Celso Furtado em Formação Econômica do Brasil. São as famosas “ilhas de desenvolvimento”. Se é verdade que 322 municípios concentram 20% de todo o investimento no setor de água e esgoto neste país, restaria saber quais municípios são esses. Muito provavelmente são municípios que podem se dar ao luxo de constituir o seu setor de abastecimento como um mercado. No sertão nordestino, até os dias de hoje, não há recursos suficientes para furar poços artesianos em diversos núcleos urbanos, ainda que a transposição do São Francisco venha a dar conta deste problema, pelo menos em parte.
Outro ponto levantado por Miguel é a radicalização pequeno-burguesa decorrente dos votos do PDT no Senado. Não é de se espantar que isso venha a ocorrer quando tratamos de política contemporânea brasileira, uma vez que a classe média conservadora tem apresentado um comportamento crescentemente radicalizada para os padrões brasileiros, resgatando discursos criptoconservadores que muitos acreditavam não mais ter eco na sociedade. Por essa razão, se a centro-esquerda precisa se poupar de uma radicalização que a impeça de vencer em 2022, é necessário que haja maior diálogo com as bases, pois a água é indubitavelmente um problema do cotidiano dos pobres.
No caso específico da cidade do Rio de Janeiro, lugar que habito, a falta de compromisso com a CEDAE, Companhia de Águas do Estado, é eminentemente um problema pequeno-burguês, porque o abastecimento da cidade tem sido levado a cabo por milhões de metros cúbicos de água contaminada. Ingerência política e falta de investimentos têm afetado o histórico de bons preços oferecidos pela CEDAE, que já ofereceu serviço de qualidade pelo menor preço do Brasil. Eis aí um motivo palpável para a radicalização pequeno-burguesa.
A despeito desses problemas localizados, há que se dizer quais são os potenciais problema do Novo Marco do Saneamento Básico. Um problema é de ordem humanitária, uma vez que o novo marco não é explícito em relação às receitas vinculadas para a expansão da rede de água e esgoto, e o outro é de ordem ambiental. Como ficará a exploração das fontes de água, principalmente nas cidades que tem suas nascentes exaurida, como São Lourenço, em Minas Gerais? Essas são as questões cuidadosamente não abordadas pelas multinacionais que patrocinam o marco regulatório. E como ficará a exploração dos dois maiores aquíferos do mundo, ambos em território brasileiro (Aquífero Guarani e Aquífero de Alter do Chão)?
Para não nos imiscuirmos em problemática desnecessária neste momento, creio que o Trabalhismo deveria se ater ao que é mais importante nesta altura: o investimento público. É verdade que há, como apontado por Miguel do Rosário, um excesso de dogmatismo quando se comenta qualquer tipo de privatização no espectro político à esquerda. Há, igualmente, pontos positivos no Novo Marco, como a necessidade de licitação envolvendo empresas privadas. No entanto, isso não garante o investimento público, nem privado, em saneamento básico.
Seria necessário haver, no mínimo, um planejamento concernente à distribuição da água dos canais da transposição do Rio São Francisco. No mesmo sentido, deveria ser vedado a empresas estrangeiras acesso ao aquíferos supracitados, deveria haver maior presença do Estado nas fontes em vias de estarem exaurida pela ação de multinacionais e deveria haver entidade ou autarquia capaz de realizar obras de saneamento mais complexas. Não custa lembrar que a cidade de São Paulo esteve muito tempo abaixo do volume morto recentemente. As obras necessárias para o abastecimento na região metropolitana da maior cidade do Brasil não foram executadas até hoje. Nunca houve empresa de saneamento básico em nível federal… Não é difícil entender o que está posto, ou é? A garantia de investimentos nessas temas mais sensíveis ao interesse nacional, ou que requeiram grande volume de investimento, devem ser asseguradas por empresa integralmente estatal, ao meu ver. Além disso, ainda que se opte por desenvolver o mercado de água e esgoto no Brasil, é necessário garantir investimento (via receitas vinculadas) e proteção jurídica às empresas estaduais para que não sejam criminosamente fatiadas e oferecidas à iniciativa privada a preço de banana.
Todo esse imbróglio tem sido didático tanto à militância quanto às lideranças. Existe vida inteligente aqui embaixo, e é bom que os líderes saibam! No entanto, um simples voto divergente não pode nos colocar cada vez mais longe do nosso tão acalentado PND (Que há de incluir um bom projeto para o saneamento básico do Brasil)! O PND há de ser feito a muitas mãos!
Vinícius Albuquerque, militante do PDT do Rio de Janeiro.
Militante do PDT, Produtor Audiovisual formado pela UFRJ e Secretário Geral do MTPE – PDT do município do Rio de Janeiro.