Uma pesquisa realizada pela socióloga Esther Solano, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Complutense de Madri, com eleitores de Jair Bolsonaro mostra como o presidente está sendo visto pelos seus eleitores. Em dupla com a também socióloga Camila Rocha, Esther entrevistou, entre 9 e 18 de maio, 27 eleitores do presidente, 12 homens e 15 mulheres, das classes C e D, na Região Metropolitana de São Paulo.
As entrevistas qualitativas procuraram iluminar nuances do apoio a Bolsonaro. A partir disso, as duas traçaram três perfis de eleitores: os fiéis, que manifestam apoio permanente; os críticos; e os arrependidos, que se decepcionaram com o capitão. Foram abordados temas como a presença dos filhos no governo, a demissão dos ministros, a reação de Bolsonaro à pandemia, seu jeito truculento de ser, entre outros assuntos.
Primeiro, as pesquisadoras buscaram entender como é vista a situação política atual, e surgiram três razões que causariam instabilidade ao governo. Primeiro, um boicote a Bolsonaro por parte da imprensa e do Congresso. Frases com o sentido de “Deixa o homem trabalhar” foram recorrentes entre os fiéis. Os apoiadores críticos admitiram que Bolsonaro não está fazendo um governo como esperado, mas o veem como “honesto”, “autêntico”, “sincero”, sendo sempre boicotado, uma ideia que perde força entre os arrependidos.
O segundo fator de instabilidade percebido por fiéis, críticos e arrependidos, foi a de que os filhos do capitão mais atrapalham do que ajudam. Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro são qualificados, nas palavras dos entrevistados, como “moleques”, “despreparados” e suspeitos de envolvimento em atividades ilegais. Segundo as pesquisadoras, frases como “não boto a mão no fogo por eles” e “aí tem coisa” apareceram com frequência.
Mesmo assim, Bolsonaro é tido como honesto e, por isso, os filhos teriam de se responsabilizar sozinhos por eventuais atividades ilegais, sem comprometer o pai. “Hoje ele vive para salvar a pele dos filhos. É rachadinha de um, o outro só posta besteira na internet. (…) Para defender os filhos, ele está estragando todo o plano de governo dele”, disse um dos críticos, de 45 anos. A maioria considerou que deve haver uma separação entre a figura paterna e a de presidente, prevalecendo o papel público.
Descrita como “rude”, “bruta”, sem “decoro”, a postura do presidente é vista como o terceiro fator de instabilidade. Para os bolsonaristas fiéis, sua forma de se dirigir ao público é positiva, fruto da autenticidade de quem não se deixa influenciar pelo marketing ou pela falsidade associada a políticos tradicionais. “O Bolsonaro é muito a cara do tio brasileiro, que vai numa reunião de família e expressa a opinião dele, fala palavrão, manda tomar no c…, e o Brasil estava precisando de um cara assim!”, elogiou um bolsonarista fiel de 32 anos.
Entre os apoiadores críticos, o estilo violento seria inadequado e criador de instabilidade, mas, ainda assim, melhor do que a polidez de políticos tradicionais desonestos. Os arrependidos veem seu jeito como incompatível com a Presidência. De acordo com os críticos e arrependidos – que se chocaram com a insensibilidade e a falta de empatia com os infectados e mortos pela doença – “Bolsonaro teria, nesse sentido, ultrapassado o limite do aceitável na medida em que passou a expressar o que, na percepção dos entrevistados, foi considerado como falta de ética, de caráter, de compaixão e de humanidade”, analisaram.
Para as entrevistadas mulheres, a participação de Bolsonaro em manifestações em meio à pandemia é negativa. “Bolsonaro foi incoerente, deveria ter ficado na casa dele, dando exemplo, como que o presidente está fora quando todo mundo deveria ficar em casa? Bolsonaro age como se estivesse tudo normal e não está”, criticou uma fiel, de 45 anos. Alguns homens o apoiaram e disseram que o presidente acertou ao sair às ruas, “porque um líder não deve ficar em casa fazendo home office”.
A saída de Sérgio Moro do governo dividiu os entrevistados. Entre os fiéis, Moro é visto como oportunista e carreirista. Alguns chegam a dizer que ele era um “infiltrado no governo”. A despeito de Moro ser visto como uma “boa pessoa” e alguém que foi fundamental para a prisão de Lula, uma eventual candidatura dele a presidente deixou de ser bem vista. “Ninguém entra em um ninho de cobra sem saber o que está fazendo. Ele não ia largar 22 anos como juiz federal, com uma vida estável, se não tivesse um segundo plano. Quanto a votar nele, eu não sei dizer, mas ninguém cai de gaiato numa rede dessa”, disse um apoiador crítico, de 45 anos.
Também variou a visão sobre a aliança com o Centrão. Os mais fiéis até viram com desconfiança, mas buscaram minimizar o fato. “Não tem como governar sozinho”, justificou uma fiel, de 45 anos. Os críticos viram o passo como uma traição à prometida honestidade. “Não era contra o ‘toma lá, dá cá?’ E agora?”, criticou uma arrependida, de 26 anos.
Quando perguntados sobre a eleição de 2022, os fiéis reafirmam a intenção de votar em Bolsonaro. Creem que o presidente é diferente dos demais por não ser corrupto e por desejar combater “de fato” a corrupção. “Ele é o único político que não acharam nada dele. Esse tempo todo investigando, é o político mais investigado de todos os tempos e não acharam ainda nada dele”, justificou um fiel de 36 anos.
Já os críticos, embora cogitem votar numa opção ou noutra, disseram que, em que pesem as críticas, ainda têm Bolsonaro como opção. Principalmente se o PT for o adversário. O antipetismo, a propósito, também aparece entre os arrependidos. Quase todos citam outros candidatos, mas ainda há quem diga que, se o segundo turno for entre Bolsonaro e um petista, deixariam o arrependimento de lado e iriam no capitão novamente.
Segundo as pesquisadoras, há um desgaste inegável do bolsonarismo, causado pelos filhos, por seu modo virulento, pela forma como se comporta na pandemia, mas, ainda assim, persiste o apoio da maioria de seus eleitores. Principalmente contra o PT, Bolsonaro seria uma opção. Há, entretanto, uma mudança significativa. Entre a maioria dos críticos e arrependidos, predomina a frustração com as opções políticas hoje. Se em 2018 o voto bolsonarista foi na expectativa de mudança e esperança, em 2022 ele seria “por falta de uma alternativa melhor”.
Com informações da coluna Guilherme Amado, na Revista Época