Por Nelson Barbosa*
Tribunal decidiu fazer apenas uma ressalva às contas de 2019, mudando radicalmente de postura em relação ao que fez durante o governo Dilma Rousseff
11/6/2020 às 14h58
Folha de São Paulo — O TCU fez uma “ressalva” às contas do primeiro ano de governo Bolsonaro. Segundo informações da imprensa, em 2019, houve pagamento de R$ 1,5 bilhão em benefícios previdenciários sem respaldo na Lei Orçamentária.
Especificamente, diante do forte contingenciamento de gastos no início de
2019, o governo reavaliou para menos a dotação orçamentária do INSS, de
modo a evitar cortes maiores em outras áreas. Porém, com o passar do
tempo, a despesa do INSS acabou sendo maior do que o inicialmente
esperado e o houve pagamento de R$ 1,5 bilhão de benefícios previdenciários sem autorização do Congresso.
A realização de despesa sem previsão orçamentária viola a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), mas o TCU decidiu fazer apenas uma ressalva às contas de 2019, mudando radicalmente de postura em relação ao que fez.
Façamos uma pausa para contar até três e refletir se a atitude do TCU
caracteriza ou não dois pesos e duas medidas. Um, dois, três… voltou? Pois
bem, prefiro considerar a reviravolta no TCU como aprendizado em vez de
má fé. Assim como pessoas, as instituições podem melhorar.
Vou ainda mais longe e parabenizo a todos os envolvidos no TCU pela
decisão construtiva em relação do governo Bolsonaro!
Ainda bem que agora vocês decidiram poupar o presidente, apontar falha técnica e recomendar sua correção, pois com certeza teria sido pior não pagar R$ 1,5 bilhão a quem tinha direito à aposentadoria no final de 2019.
A mudança no TCU é ainda mais bem-vinda quando lembramos que, em
2016, a presidente Dilma Rousseff sofreu impeachment sob acusação de ter
irregularmente realocado verbas orçamentárias por decreto, mas sem gastar um centavo acima do aprovado pelo Congresso!
É verdade que o absurdo processo de impeachment foi do Congresso, não do TCU. Porém, também é verdade que, em 2016, vários membros do corpo
técnico do TCU foram ao Congresso acusar a presidente de crime fiscal por
realocar verbas sem gasto adicional. Um deles chegou a revelar, em ato falho, que ajudou na redação de um pedido de investigação que ele mesmo avaliou! O referido servidor deveria ter sido afastado, mas no Brasil de 2016… um, dois, três.
Voltando aos dias de hoje, presumo que os mesmos integrantes do TCU que
acusaram a presidente Dilma de crime em 2016 tenham mudado de opinião
diante da ressalva que deram ao “gasto sem orçamento” de R$ 1,5 bilhão por parte de Bolsonaro. Se for isso, que o bom senso seja eterno enquanto dure e mandem uma carta de desculpas à presidente Dilma.
Também torço para que a reviravolta no TCU seja o início do fim da “idolatria da auditoria e controle” em que nos metemos desde 2005, quando começou a politização da justiça pelo processo do “Mensalão”.
Desde então houve muitas notícias falsas, acusações infundadas na primeira página de jornais e revistas, geralmente por procuradores e auditores em busca de fama, quase sempre só contra pessoas de esquerda, mas sem registro bombástico equivalente quando vários acusados foram inocentados. Combate à corrupção e maior eficiência na alocação de recursos públicos são deveres de qualquer político, independente de ideologia. Por este motivo relembro que os governos do PT aumentaram a transparência da máquina pública e deram mais poder aos órgãos de controle, mesmo sabendo que isto poderia ser temporariamente desvirtuado por falsos heróis contra o próprio PT. Já tivemos “Batman”, “Super-Homem” e até “Messias”, todos com seu séquito de “minions”, mas no final a verdade sempre aparece.
*Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research