Por Theófilo Rodrigues
Neste domingo, um novo movimento tomou conta das redes sociais em todo o Brasil. Sob a insígnia #Somos70porcento, milhares de pessoas das mais diversas correntes de opinião política expressaram seu repúdio ao governo Bolsonaro. A bola de neve foi lançada despretensiosamente pelo economista Eduardo Moreira, que tinha apenas o objetivo de mostrar que, como indicam as pesquisas, 70% dos brasileiros estão insatisfeitos com o atual governo. Agora, o movimento cresceu e já não pertence a mais ninguém.
O que #Somos70porcento faz é concretizar na prática aquilo que tem sido chamado de tática da Frente Ampla. Há razoável consenso no campo democrático brasileiro de que o enfrentamento ao governo Bolsonaro – acusado de fomentar práticas fascistas – não pode ser empreendido apenas por uma Frente de Esquerda formada por partidos como PCdoB, PSB, PT, PDT, REDE e PSOL. Para o enfrentamento ao fascismo, Dimitrov ensinou, o conjunto de aliados precisa ser maior, precisa ser uma Frente Ampla.
Nesse sentido, o único critério para a participação na Frente Ampla é a concordância na oposição ao que representa o governo Bolsonaro. Ou seja, ela pode incluir desde o PSTU, na extrema-esquerda, até o PSDB na direita. Claro, desde que todos os atores políticos estejam dispostos a deixar momentaneamente seus programas máximos e projetos individuais em favor de um programa mínimo coletivo.
Por óbvio, há “Frentes amplas” e “Frentes amplas”. Como seu conteúdo, e seu arco de alianças, são construídos politicamente, seu sentido está em permanente disputa. Neste mesmo domingo, por exemplo, o jornal O Globo publicou editorial em que defendeu uma Frente Ampla para que a agenda econômica do governo saia da paralisia. Na proposta de O Globo, essa Frente ampla poderia incluir até mesmo o próprio Bolsonaro. Certamente uma coalizão bem diferente daquela que propõe o #Somos70porcento.
Ora, o tipo de articulação populista do #Somos70porcento pode ser o que há de mais inovador e concreto no sentido de uma Frente ampla pela democracia no Brasil. Como significante vazio, alarga a fronteira política do “nós” e demarca e isola como adversário o “eles” da elite bolsonarista. É seguir a lógica do populismo de esquerda, como propõe Chantal Mouffe. Trata-se da mesma lógica que Inigo Errejon sustenta na Espanha quando diz que a luta não é da esquerda versus a direita, mas sim dos de baixo versus os de cima. Ou, do Occupy Wall Street , quando diz que representam 99% contra 1%. Em síntese, trata-se de alargar a fronteira política pelo discurso.
Theófilo Rodrigues é pesquisador de Pós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UERJ