Fabiano Felix: o Bolsonarismo pelo olhar de Carl Schmitt, o Jurista do Nazismo

O Bolsonarismo pelo olhar de Carl Schmitt, o Jurista do Nazismo

Por Fabiano Felix do Nascimento

Desde o início da pandemia do novo Coronavírus estamos assistindo ao crescimento do radicalismo ideológico promovido pelo Presidente Bolsonaro e por seus seguidores. O nível de intolerância, provocação e desprezo pelas instituições democráticas vêm crescendo a cada dia, com pronunciamentos e ações provocativos do mandatário da nação que por conseguinte acabam estimulando manifestações de rua com inúmeras aglomerações de seus apoiadores[1], justamente no momento em que a comunidade científica internacional capitaneada pela Organização Mundial de Saúde – OMS e o próprio Ministério da Saúde defendem que o distanciamento social é a melhor forma de prevenção contra a COVID-19. Resta assim cada vez mais evidente que a estratégia de Bolsonaro se constitui em manter aquecida a polarização da campanha presidencial de 2018, entre os inimigos que naquele momento foram escolhidos para serem combatidos estavem a esquerda; o comunismo; as questões de gênero entre outras pautas conservadoras.

Vencida a eleição presidencial e praticamente chegando-se à metade do mandato, nota-se que uma nova estratégia se configura. Em primeiro plano está a indicação de novos inimigos do Bolsonarismo, que ao seu turno, devem ser combatidos pois estão “atrapalhando” o governo, são eles: o STF; o Congresso Nacional; os Governadores e Prefeitos que combatem o Coronavírus por meio do isolamento social. Em segundo plano está a premente necessidade de o Presidente, alguns de seus Ministros – em especial o General Heleno -, e alguns parlamentares radicais – de sua base de apoio – apontarem crescentes crises institucionais sob a alegação de desarmonia e invasão de competência entre os poderes, fato que – na visão tresloucada dessas figuras públicas – teria o condão de ensejar uma intervenção militar com base o Art. 142 da Constituição Federal, em outras palavras, apostam na decretação de um Estado de Exceção com a falsa premissa de que as forças armadas estabeleceriam a ordem constitucional[2].

Pretendemos interpretar essas duas estratégias bolsonaristas à luz do pensamento de Carl Schmitt (1888 – 1995) que foi um controverso jurista, conservador, alemão que no período de 1921 a 1932, portanto anteriormente à chegada dos nazistas ao poder (1933), já havia publicado três de suas obras mais importantes: A Ditadura (1921); Teologia Política (1922) e O Conceito do Político (1932)[3].

Schmitt foi um dos professores universitários que aparentemente foram seduzidos pelas possibilidades de ascensão de suas carreiras diante do Estado nacional-socialista que se iniciava. Em maio de 1933, juntamente com diversos outros intelectuais e cientistas, filiou-se ao partido nazista, chegando rapidamente ao posto de Konjurist (jurista do Reich)[4].

A necessidade de o Presidente Bolsonaro elencar inimigos para que sejam duramente combatidos por seus correligionários (importante destacar que esse combate se dar em todas as frentes, que podem ir desde a divulgação de mensagens de ódio, de fake news, até mesmo à luta armada, como deixou claro Bolsonaro na reunião ministerial – de vinte e dois de abril – ao revelar seu plano de armar a população). Essa estratégia encontra eco no pensamento de Carl Schmitt, naquilo que ele chamou de “O Político”, que se baseia na relação amigo-inimigo.

Para Schmitt existem nas relações humanas dicotomias autônomas que são posições que se opõem mutuamente, por exemplo: no âmbito da Moral se tem o bom e o mau; na estética é o belo e o feio; na economia é o rentável e o não-rentável e no Político se tem o amigo e inimigo. Para Carl Schmitt “O Político” está na distinção entre amigo (FREUND) e inimigo (FEIND)[5], ambas palavras do idioma Alemão, portanto deslocando a teoria de Schmitt para o âmbito social de nossa época, tem-se que “O Político” está na capacidade de a sociedade decidir quem é seu amigo e por conseguinte quem é seu inimigo. Essa dicotomia se consubstancia na busca constante por um inimigo comum que deve ser combatido com extrema intensidade ao ponto de ser necessária sua aniquilação[6].

A força desse enfretamento amigo-inimigo é extrema, ao ponto de Schmitt afirmar “que a possibilidade real do combate, tem de estar presente para que se possa falar de política”[7]. Isso nos ajuda a compreender uns dos motivos pelos quais Bolsonaro não desce do palanque eleitoral, não baixa o tom e mantem sua postura belicosa e agressiva até mesmo em meio à grave epidemia que vivemos. Segue assim esticando ao limite a corda da democracia, sempre buscando novos inimigos mortais, basta ver como ele e seus apoiadores tratam antigos aliados quais os ex-ministros Mandetta e Sergio Moro. Nesse diapasão constam da lista de novos inimigos a serem duramente combatidos pelos bolsonarismo, o STF; Congresso Nacional; Governadores e Prefeitos.

Assim, tem-se outra visão Schmittiana que pode ser adotada na interpretação das condutas do presidente Bolsonaro. O jurista nazista afirmou que “O Soberano é quem decide sobre o Estado de Exceção”[8] esta é uma de suas frases mais conhecidas e também é o início da sua obra Teologia Política. Entendia Schmitt que o poder do soberano se exprime em grau máximo no momento em que a ordem constitucional é ameaçada por perigos tão graves que tornam impossível a sobrevivência do Estado apenas com o ordenamento jurídico existente, fazendo-se necessário que o soberano venha tomar decisões excepcionais que não estejam amparadas na constituição, levando assim o país à condição de Estado de Exceção decorrente de uma Anomia (ausência de Lei)[9]. Daí decorre o perigosíssimo debate sobre uma eventual crise de institucionalidade entre os poderes, tendo como proposta de solução uma Schmittiana intervenção militar, com base na equivocada e extensiva interpretação do Art. 142 da Constituição Federal[10] dada pelo advogado conservador Ives Granda[11], que foi recentemente defendida no parlamento pela ensandecida Deputada Federal Bia Kicis (PSL-DF)[12] e que serviu de lastro para publicação de nota anunciada à nação pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional – GSI, Augusto Heleno, com ostensivo conteúdo ameaçador ao STF[13], ao alegar que haveria consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional caso fosse decretada a apreensão judicial do celular do Presidente Bolsonaro.

Por fim, devemos ficar vigilantes em relação às interpretações de ocasião, que de forma vergonhosamente extensiva, releem dispositivos constitucionais sensíveis que podem corroer os pilares democráticos do nosso país. Lembremos do tempo da Constituição Alemã na chamada República de Weimar (1919 – 1933), especialmente seu art. 48[14], que previa a intervenção militar em determinadas situações, que fora utilizado inadequadamente pelo presidente Hindenburg e facilitou posteriormente a aprovação da lei Plenipotenciária, em 1933[15], que deu plenos poderes ao Führer para conduzir o pais em meio à crise política-econômico-financeira vigente à época. Ambos dispositivos foram suficientes para que os Nazistas promovessem todas atrocidades conhecidas sem que houvesse necessidade de revogação da Constituição, já que, no mundo dos fatos a Alemanha Nazista sempre esteve sob a condição de Estado de Exceção. Isso nos faz acender o alerta de que devemos ter conhecimento da história para não repetirmos os mesmo erros.

NOTAS

1 https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/04/19/discurso-de-bolsonaroeescal… .Acesso em: 27.05.20;

2 https://www.conjur.com.br/2020-mai-21/senso-incomum-ives-gandra-errado-artigo-142-nao-permite-interv… .Acesso em: 27.05.20;

3 MACEDO JR., Ronaldo Porto. “Carl Schmitt e a Fundamentação do Direito”, São Paulo, 2ª ed., Saraiva, 2011;

4 PIETROPAOLI, Stefano. Carl Schmitt Uma Introdução, Curitiba, Ed. UFPR, 2019;

5 Ibidem, p. 89;

6 SCHMITT, Carl. “ O Conceito do Político”, Lisboa, Ed. Edições 70, 2016. Trad. Dr. Alexandre de Franco Sá;

7 Ibidem, p. 61;

8 SCHMITT, Carl. Teologia Política. In:______. A crise da democracia parlamentar. São Paulo: Scritta, 1996;

9 PIETROPAOLI, Stefano. Carl Schmitt Uma Introdução, Curitiba, Ed. UFPR, 2019;

10 https://www.conjur.com.br/2020-mai-21/senso-incomum-ives-gandra-errado-artigo-142-nao-permite-interv… . acesso em 27.05.2020;

11 https://www.conjur.com.br/2020-mai-02/ives-gandra-harmonia-independencia-poderes . acesso em 27.05.2020;

12 https://www.cartacapital.com.br/política/deputada-bolsonarista-defende-intervencao-militar-constituc… .acesso em 27.05.2020;

13 https://noticias.uol.com.br/política/ultimas-noticias/2020/05/22/heleno-ataca-pedido-de-apreensao-de… .acesso em 27.05.2020;

14 EVANS. Richard. A Chegada do Terceiro Reich. São Paulo, 3ª ed., Editora Planeta, 2016. Tradução Lúcia Brito;

15 Ibidem, p. 425.

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