Uma análise da pesquisa Datafolha divulgada hoje
Nesses anos todos analisando pesquisas de avaliação de governos e de intenção de voto, detectei uma dinâmica constante nas oscilações do sentimento popular.
Assim como, na natureza, a gravidade é mais pesada ao nível do mar do que no alto das montanhas, os índices de aprovação ou rejeição também são mais “pesados” entre as faixas de renda mais baixas.
Ou seja, entre as famílias de renda mais baixa, as mudanças na avaliação de governos variam mais lentamente do que nas classes mais altas.
A razão nos parece óbvia: a informação política circula menos, e circula de maneira muito menos organizada, entre eleitores com menos instrução.
Enquanto nas faixas de renda média e alta, os brasileiros se esgoelam nas redes sociais, com denúncias de parte a parte, lendo blogs, sites, assistindo youtubers, entre os mais pobres a informação chega a conta-gota, através da televisão, do rádio, do boca a boca, e da observação empírica de sua própria realidade econômica.
As paranoias mais barulhentas do núcleo duro bolsonarista, como a possibilidade do Brasil mergulhar numa espécie de “comunismo soviético”, as denúncias de Olavo de Carvalho sobre o “foro de São Paulo”, os tweets do presidente em favor das armas, nada disso faz qualquer diferença junto à população mais pobre e menos instruída.
O público alvo de Bolsonaro sempre foi e continua sendo a classe média, a mesma classe média que a esquerda passou a tratar com um preconceito ideológico absolutamente oportunista: como a classe média passou a desenvolver uma rejeição crescente ao petismo, o petismo contra-atacou criando uma narrativa, totalmente fantasiosa, com auxílio luxuoso de nomes como o de Jessé Souza, segundo a qual esta classe média é a representante da “Casa Grande”, é fascista, é escravocrata. Até hoje, Lula usa essa narrativa, como se vê num tweet recente.
É claro que existe um setor reacionário da classe média. Mas também existe conservadorismo, e talvez em maior grau, entre as famílias mais humildes.
Tratar todo um segmento, que hoje é majoritário na população brasileira (até por conta do crescimento econômico visto nos próprios governos petistas), com esse tipo de preconceito, foi e tem sido uma estratégia burra.
Afinal, foi essa mesma classe média quem sustentou o crescimento do PT nos anos 90 e lhe deu a vitória em 2002.
William Reich, em sua obra Psicologia de Massas do Fascismo, criticava aqueles que negavam a importância da classe média como “força motriz da história”.
“Não percebem que a classe média pode ser e é ‘uma força motriz da história’ (…) como provam o fascismo italiano e alemão. (…) Uma coisa é certa: quanto maior é o peso e a dimensão das camadas da classe média numa nação, tanto maior é a sua importância como força social de ação decisiva”, diz Reich, no capítulo “A psicologia de massas da classe média baixa’.
Esse foi o grande e dramático erro do PT. Justamente no momento em que o Brasil se tornava um país de classe média, a legenda decide investir numa narrativa contra a… classe média.
A narrativa petista tentou (e tenta até hoje, como se vê no tweet de Lula) pintar a classe média com as cores de uma família da zona sul do Rio de Janeiro, com empregada de uniforme, eleitora de candidatos conservadores.
No entanto, quão distante essa imagem está da maioria esmagadora da classe média brasileira, formada de famílias de renda extremamente modesta, cujos humildes avanços materiais foram conquistados com enormes sacrifícios e esforços, e que tem sido, historicamente, as principais vítimas de criminoso cartel dos bancos, e seus juros extorsivos, que domina o país!
Essa classe média tem orgulho de si mesma e sente imensa rejeição por narrativas que tentam “roubar” suas conquistas pessoais atribuindo suas vitórias não a seus esforços, mas a políticas de governo.
É claro que as políticas de governo tiveram papel determinante na ascensão social dessas famílias, mas é preciso respeitar a psicologia das massas. Se eu conquisto, com suor do meu trabalho, alguma coisa em minha vida, não quero atribuir isso ao “governo”.
Bolsonaro entendeu essa psicologia “meritocrática” de classe média muito melhor do que o PT, e ganhou as eleições presidenciais.
A influência política da classe média nos debates públicos é infinitamente superior ao das famílias de baixa renda, por razões óbvias: apenas a classe média tem meios para pagar internet, adquirir um smartphone, um computador, apenas ela tem acesso aos conhecimentos necessários para criar uma rede social mais organizada, editar e postar um vídeo, enfim, apenas ela tem as ferramentas para fazer barulho na opinião pública.
Felizmente, hoje a classe média começa a dar sinais de querer se desgarrar do governo Bolsonaro.
Numericamente, o setor mais importante da classe média é aquele que tem renda familiar entre 2 e 5 salários. Neste segmento, a rejeição (ruim ou péssimo) a Bolsonaro era baixa no ano passado; e passou a crescer muito aceleradamente a partir de abril último, chegando a 42% em maio; os índices de aprovação a Bolsonaro, todavia, ainda permanecem relativamente estáveis, em 36%, embora tenham caído 3 pontos no último mẽs.
Outro setor importante da classe média, e que foi decisivo para a eleição de Bolsonaro, são famílias com renda de 5 a 10 salários.
Neste setor, que inclui pequenos e médios empresários, servidores públicos mais qualificados, professores universitários, trabalhadores especializados, entre outros, a rejeição a Bolsonaro vem crescendo com muita velocidade nos últimos meses.
O setor com renda acima de 10 salários é composto, por sua vez, pela elite do funcionalismo público, empresários, e trabalhadores ultraespecializados. Bolsonaro ainda tem apoio de 42% neste segmento, mas a rejeição chegou a 49%.
Entre as famílias mais pobres, maioria no país, com renda até 2 salários, na qual o Datafolha tinha apontado uma queda na rejeição de Bolsonaro em abril, houve novamente alta nas notas ruim e péssima, que chegaram a 43%, contra 31% de bom e ótimo.
É importante atentar que o núcleo duro de apoio a Bolsonaro ainda são estes setores de classe média. É com eles que o presidente se comunica. Só que, antes, Bolsonaro tinha hegemonia absoluta nestes setores. Não tem mais.
A esquerda ainda não conseguiu ocupar o espaço deixado por Bolsonaro. As “mágoas” a que alguns analistas tanto gostam de se referir, quando tratam das dificuldades de lideranças políticas de voltarem a conversar, estão em verdade nas massas. Essa são as mágoas que importam, as mágoas que fazem perder ou ganhar eleições.
A reconquista da classe média requer uma outra linguagem, menos condescentente, menos paternalista, menos populista, menos voltada para o passado e mais centrada no futuro.
Voltando a Reich, ele observava que a classe média costuma ser excluída do “livro-texto” dos marxistas porque, “não possuindo os meios de produção, nem trabalhando neles”, ou seja, não sendo nem dona da fábrica, nem proletária, não teria nunca um papel determinante na luta de classes. Essa realidade mudou. As revoluções tecnológicas reduziram dramaticamente o tamanho do “proletário industrial”, e permitiram que uma massa enorme de cidadãos se tornasse dona de seus próprios negócios, de maneira que, nos países desenvolvidos, a hegemonia da classe média é hoje avassaladora. Parte do fracasso da esquerda, portanto, pode estar ligado à tentativa de falar a essa classe com a linguagem que se usava para se falar a um operariado industrial que hoje é numericamente inexpressivo.
Outro recorte importante para examinar como as diferentes classes vêem o governo é pelo nível de instrução. No caso do Brasil, o nível de instrução retrata nossa profunda divisão social.
Nos gráficos por instrução, chama a atenção o crescimento da rejeição a Bolsonaro entre eleitores com nível superior, que chegou a 56%.
Entre eleitores com ensino médio, que formam a maioria da população, também se viu uma expressiva deterioração na aprovação de Bolsonaro, com suas notas de ruim/péssimo subindo para 43% em maio, contra 36% em abril e apenas 26% em abril do ano passado.
Entre eleitores com até o ensino fundamental, Bolsonaro obteve uma melhora significativa nos últimos meses, com seus índices de bom/ótimo empatados com os de ruim/péssimo em 36% cada.
Conclusão: como o PT já demonstrou, para ganhar as eleições não é preciso ter maioria na classe média. Bolsonaro pode voltar a ganhar em 2022 mesmo tendo perdido parte importante dos eleitores de renda média, caso amplie sua presença entre o eleitorado mais pobre. Vitórias políticas (em oposição a vitórias puramente eleitorais), porém, precisam das classes mais instruídas para se consolidar. A previsão do avanço da crise econômica não oferece, além disso, perspectivas muito promissoras para Bolsonaro entre os mais pobres. O que o segura nestas camadas é o Auxílio Emergencial. Assim que este for retirado, haverá mudança brusca no humor dos mais pobres, e isso deverá contaminar também as classes médias, cada vez mais desconfortáveis com a incompetência e grosseria do presidente da república.
Elaine
29/05/2020 - 09h35
URGENTE
Peço a quem tiver contato com o ministro Alexandre de Morais para sugerir a ele manter a vista do processo das fake news até que Bolsonaro se desgaste mais junto à população. As próximas semanas serão cruciais para a queda do bolsonarismo. Enquanto ele mantém a vista do processo terá tempo de analisar profunda mente as provas que foram encontradas esta semana pela Polícia Federal. Até porque depois tais provas poderão ser emprestadas para nortear o processo de cassação da chapa Bolsonaro-Mourao. Daí peço que sugiram ao ministro Barroso aguardar momento certo para colocar o processo em votação.
Sugiram ao ministro Celso de Mello para analisar o processo que ele conduz sob a mesma ótica. Ele sai em novembro, mais até lá tem muita água para correr.
Sugiram aos ministros reforçarem ao máximo a segurança a partir de agora uma vez que Bolsonaro falou ontem em uma terceira vaga para nomear Aras usando até a infeliz expressão ‘alguem desaparecer’ num convite ‘dissimulado’ para fanáticos como Sara Winter armarem atentados ‘dissimulados’ contra a vida dos ministros.
Digo que, em princípio, Celso de Melo, Alexandre de Morais e Barroso nao são os que mais correm riscos e sim os demais ministros, pois seria o fim do bolsonarismo se algum fanático fizer qualquer coisa contra a vida deles. Portanto, os ministros precisam tomar cuidado com ‘acidentes’ como o que matou o ministro Teori.
Avisem para os procuradores do MPF que se surgir uma terceira vaga em condições ‘inesperadas’ Aras não poderá ser nomeado para o STF porque se tornará cúmplice em qualquer circunstância suspeita, mesmo que não haja provas. Todo mundo poderá ser nomeado, menos ele. Depois da declaração que Bolsonaro fez ontem Aras tem que rezar para uma terceira vaga não abrir e a partir de agora tudo que fizer a favor do governo vai se tornar suspeito. Tal como Moro o procurador geral vai sair enormemente prejudicado por apoiar Bolsonaro.
Quando o desgaste de Bolsonaro aumentar ainda mais os militares que estão com ele no governo vao preferir o Mourão a perder o poder com uma eventual cassação da chapa. Mourão não vai querer cometer os mesmos arroubos autoritários de Bolsonaro porque não é louco. Portanto, depois tudo ficará sob controle
Edson Lins
29/05/2020 - 05h22
Cinco e meia da manhã, lendo várias matérias, artigos, sites pornô,, enfim, buscando motivação neste mundo maluxo que aí está. ….Lendo seu texto, posso dizer que: mesmo você sendo de esquerda, você foi muito brilhante….nos últimos tempos não vi uma análise tão perfeita. ….li até as últimas linhas, para ter certeza de você não seria mais um, como o PR gosta de classificar: cientista político; sociólogo, Alto comissiariado davONU/OEA. …tudo clichê petista. …texto inteligentissimo… espero que esquerdistas radicais ltirem lições desta matéria. .
Julio
29/05/2020 - 03h49
Sempre essa narrativa de criticar a esquerda e o PT. Troca a lente. E se você tem a fórmula de conquistar a classe média aproxime-se dos partidos de esquerda e os ajude. Ajude o Ciro Gomes tambem.
No Tweet do Lula ele fala elite branca, não fala classe média….
Alexandre Neres
29/05/2020 - 00h18
A obsessão com o PT continua, é doentia, é mórbida.
“Essa classe média tem orgulho de si mesma e sente imensa rejeição por narrativas que tentam “roubar” suas conquistas pessoais atribuindo suas vitórias não a seus esforços, mas a políticas de governo.
É claro que as políticas de governo tiveram papel determinante na ascensão social dessas famílias, mas é preciso respeitar a psicologia das massas. Se eu conquisto, com suor do meu trabalho, alguma coisa em minha vida, não quero atribuir isso ao “governo”.
Bolsonaro entendeu essa psicologia “meritocrática” de classe média muito melhor do que o PT, e ganhou as eleições presidenciais. ”
Que raciocínio mais deturpado e tortuoso! Vivenciamos uma época marcada pelo individualismo exacerbado, pelo consumismo ostentatório, em que pessoas apáticas não se preocupam com a autodeterminação, cujas práticas e instituições deixaram de ser marcadas por um mesmo substrato de eticidade, de reconhecer-se reciprocamente no outro, em que as pessoas se movem pelos ganhos individuais e utilitários como se fossem corporações financeiras. Daí surgindo o empreendedor de si mesmo, que se não deu certo, é porque não se esforçou o bastante. Essa é a tese meritocrática neoliberal que está sendo defendida aqui.
Prefiro perder uma eleição do que ser um hipócrita! Não abro mão da minha dignidade pra me tornar um fariseu. Não por acaso aqui está se formando uma horda xucra, conservadora nos costumes, intolerante na política e neoliberal na economia, seguindo o rebanho.
Gerri
31/05/2020 - 10h00
Ótimo. Continue assim. Ciro Gomes agradece!
Paulo
28/05/2020 - 17h37
É, pelo visto o povo só quer benesses. Foi só criar o auxílio-emergencial (e, em menor escala, o benefício-emergencial), para Bolsonabo crescer entre os mais desafortunados. Às favas a moralidade (se bem que, diante da emergência da fome, nem se pode culpar o povo)! Virou o novo “pai dos pobres”. Mas dura pouco…
chichano goncalvez
28/05/2020 - 16h07
Como sempre essas pesquisas estão erradas: o grau de desaprovação desse psicopata é 92 % com um erro de para maior de 7,9 %.