Da Redação | 21/05/2020, 12h54
Agência Senado — A mudança de orientação do Ministério da Saúde anunciada na quarta-feira (20) para o uso da cloroquina e de seu derivado, a hidroxicloroquina, por pacientes com covid-19 na fase inicial foi muito criticada pelos parlamentares, que cobram respaldo científico para a medida.
O senador José Serra (PSDB-SP) informou, via Twitter, a apresentação de um projeto de decreto legislativo (PDL 238/2020) para sustar o novo protocolo do Ministério da Saúde que recomenda o uso precoce da cloroquina em pacientes com covid-19. Para ele, o remédio não deveria ser prescrito enquanto não houver estudos científicos que comprovem sua eficácia.
“O presidente não deveria fazer uso político de algo tão sério. Entidades médicas já se posicionaram contra a medida e a OMS [Organização Mundial da Saúde], quando questionada sobre a decisão do governo brasileiro, reafirmou que, além de não ter eficácia comprovada, a cloroquina pode causar efeitos colaterais graves”, frisou o parlamentar na rede social.
O projeto de Serra não proíbe o medicamento, mas retira, na prática, a orientação geral, com poder normativo, para que o Sistema Único de Saúde (SUS) use a substância contra a covid-19. O protocolo, segundo a assessoria de Serra, pode trazer consequências jurídicas, podendo vir a ser usado por pacientes para obter judicialmente o fornecimento do remédio, inclusive como parte de seguro de saúde privado.
Responsável
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) apresentou ofício ao Ministério da Saúde pedindo a indicação dos responsáveis técnicos pelas orientações do uso de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com a covid-19. O documento divulgado pela pasta incluiu o medicamento no protocolo de tratamento para os enfermos desde o início da infecção, e é assinado pelo ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello. A orientação anterior era de uso somente para os casos graves.
Segundo Alessandro, que assina o pedido de informações apresentado na quarta-feira (20) com os deputados federais Tábata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSN-ES), os atos administrativos devem ser firmados pelos agentes públicos responsáveis, “sobretudo quando se está diante de documento oficial da Administração Pública que indica tratamento medicamentoso sem eficácia comprovada”. Pazuello não é médico.
“Os princípios constitucionais que norteiam a administração pública, em especial os princípios da legalidade, impessoalidade e eficiência, impedem a adoção de políticas públicas contrárias ao pensamento técnico/científico estabelecido”, disse Alessandro, via Twitter.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou em abril documento em que reforça o entendimento de que não existem “evidências sólidas” da confirmação do efeito da cloroquina e da hidroxicloroquina na prevenção e tratamento da covid-19. Assim como a OMS, que alertou que o medicamento não apresenta efeitos comprovados no tratamento nem na prevenção do novo coronavírus. Alessandro pede que esses argumentos sejam listados junto ao novo protocolo para auxiliar médicos e pacientes na formação de seus respectivos convencimentos para prescrição e uso ou não do medicamento.
Segundo o protocolo de uso divulgado pelo ministério, o médico terá liberdade para receitar a substância, e os pacientes que aceitarem fazer o tratamento com a cloroquina terão que assinar um termo de consentimento para o uso.
Repercussão
Em discurso na quarta-feira (20), o senador Humberto Costa (PT-PE), que é médico, lamentou que o governo federal nem sequer tenha esperado a divulgação de pesquisas feitas com usuários de cloroquina ainda no início dos sintomas da doença e que estão prestes a ser publicadas para mudar o protocolo de uso. Ele lembrou que o medicamento não é inócuo e pode causar problemas cardíacos, alterações sanguíneas, crises convulsivas e até mesmo cegueira.
— Primeiro, o presidente da República não é cientista, não é médico, e não deveria caber a ele tomar essa decisão. Segundo, esse protocolo não saiu com o respaldo de nenhuma área técnica do Ministério da Saúde. Ele não tem a assinatura de nenhum técnico respeitado dentro daquele ministério. E tudo que se acumulou até agora, especialmente estudos que foram feitos sobre a utilização do produto em casos graves, em casos avançados, com monitoramento dentro de hospital, e várias pesquisas de entidades altamente respeitadas internacionalmente não mostraram a eficácia dessa medicação para enfrentar a covid-19 — disse, durante a sessão plenária.
Humberto mencionou também nota da Sociedade Brasileira de Infectologia que declara que o uso da cloroquina contra a covid-19 “não apenas carece de evidência científica como é perigoso, pois tomou um aspecto político inesperado”.
Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), líder do PT, a liberação da cloroquina é um ato político desprovido de amparo científico.
“O uso em massa da cloroquina autorizada pelo presidente Jair Bolsonaro, contra todas as recomendações de instituições médicas de renome internacional, é um ato de irresponsabilidade, é brincar com a vida dos brasileiros. São 18 mil mortes no Brasil, e ele tenta criar uma falsa expectativa. Presidente, é preciso ter seriedade para resolver o problema da pandemia, não se esconder atrás de uma medida provisória para lhe proteger contra as mortes que o senhor vem provocando no nosso país”, opinou pelo Twitter.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) lamentou a medida:
“A cloroquina é propagandeada como uma poção mágica por charlatões: a saúde pública nunca foi exposta a tamanho risco com fins meramente eleitoreiros. A comunidade médica precisa reagir a esse crime de lesa-humanidade de Bolsonaro!”.
A exemplo de Alessandro Vieira, que pede o parecer de um médico a respeito da autorização ampla do uso da substância, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da minoria, também criticou o governo federal.
“Irresponsável! Sem qualquer comprovação científica, da cabeça dele, Bolsonaro alterou o protocolo da cloroquina. Quem prescreve remédio é médico, presidente tinha que governar! Mas o que esperar de um genocida? Irresponsável!”, tuitou.
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