Eu tenho uma tese sobre pesquisa de avaliação que gostaria de partilhar com vocês.
Existe um fator inercial importante na avaliação de governos, e que é mais forte em seus primeiros anos.
Essa inércia é explicada por inúmeras razões, de ordem política e psicológica.
Na política, porque o eleitor tende a dar um prazo para o governante mostrar a que veio.
Se eu tomei a decisão de votar num presidente, então o mínimo que posso fazer é dar também um voto de confiança por um período mínimo.
Eu lembro que, no início do governo Lula, um desses institutos, Datafolha ou Ibope, fez uma pesquisa sobre isso, e identificou que a maioria da população, especialmente os mais pobres, estava disposta a dar um voto de confiança de dois anos ao novo governo.
Esses dois anos foram fundamentais para Lula, porque ele tinha adotado medidas econômicas muito conservadoras justamente nesse período, e apenas no terceiro ano sentiu-se politicamente livre para ousar um pouco mais e adotar uma política mais expansionista.
Não creio que deva ser diferente com Bolsonaro.
O fator de ordem psicológica vai na mesma linha. É sempre difícil mudar de opinião.
Você briga com seus amigos, parentes, expõe sua imagem, fazendo campanha para um presidente. Não é fácil apagar tudo isso.
Esse é o fator inercial a que me refiro. O conceito de inércia vem da física clássica. É a primeira Lei de Newton: um corpo parado (inerte) tende a ficar parado, e um corpo em movimento tende a permanecer em movimento.
Não é “surpreendente” que o presidente mantenha cativos os seus 30%. São seus eleitores.
A mudança de um estado para outro, da inércia para o movimento, e vice-versa, exige uma força exterior.
Ao que parece essa força exterior está vindo.
Os tais “dois anos” de crédito que a população costuma dar ao governante, já estão chegando ao fim.
E quando a aprovação começa a cair, de maneira sistemática, voltamos à lei da inércia: um objeto em movimento tende a permanecer em movimento.
A aprovação de Bolsonaro vem caindo há semanas, e a tendência é continuar caindo.
Dito isso, vamos à pesquisa XP/Ipespe divulgada hoje (pode baixá-la aqui, se preferir), com entrevistas feitas entre os dias 16 e 18 de maio de 2020.
Bolsonaro bateu a marca de 50% de ruim e péssimo, ao passo que suas notas “bom e ótim” caíram para 25%.
A boca do jacaré começou a se abrir, com a linha vermelha de rejeição empinando e a linha verde de aprovação declinando.
Como ensinava Newton, um objeto em movimento tende a ficar em movimento, a menos que sofra alguma influência contrária. Como é bastante difícil que aconteça qualquer coisa boa nos próximos meses, tudo indica que a aprovação de Bolsonaro continuará a se deteriorar.
É interessante notar que o Congresso Nacional, tradicionalmente muito rejeitado pela população, hoje tem notas de “ruim e péssimo” bem superiores a de Bolsonaro.
Cabe ao presidente do congresso adotar estratégias para promover melhor a imagem da instituição, porque as notas positivas também voltaram a cair nas últimas semanas, após terem iniciado um movimento de alta bastante significativo, chegando a 21% de ótimo e bom em abril. Hoje, o Congresso tem apenas 13% de ótimo e bom, contra 37% de ruim e péssimo.
A avaliação dos governadores, de maneira geral, é infinitamente superior a de Bolsonaro. Isso é um sinal claríssimo de que a população avaliou positivamente a postura responsável e científica com que eles vem lidando com a pandemia.
A pesquisa também perguntou como os entrevistados avaliavam a atuação do presidente e de governadores no combate ao coronavírus.
Jair Bolsonaro é, de longe, o pior avaliado: 58% qualificaram de “ruim e péssima” sua atuação para enfrentar a Covid-19.
A nota de Bolsonaro no julgamento popular em relação ao coronavírus está só piorando, e de maneira bastante acelerada: há um mês, o presidente tinha 48% de ruim e péssimo; hoje tem 58%.
A avaliação dos governadores, por sua vez, piorou um pouco nas últimas semanas, mas continua muito mais positiva do que negativa.
Os gráficos abaixo deixam bem claro que a maioria esmagadora da população vem levando muito à sério os riscos da Covid-19: 43% tem “muito medo”, e 35% tem “um pouco de medo”. O número de “corajosos” que diziam não ter medo nenhum do surto caiu de 49% em fevereiro para 22% maio.
Uma maioria de 55% diz que sua principal preocupação é com a contaminação, ao passo que aqueles que se preocupam antes com a economia diminuíram para 23%.
Por fim, uma maioria esmagadora de 76% já entendeu que o isolamento social é a melhor maneira mais eficaz de combater o vírus.
Vamos olhar as tabelas estratificadas, nas quais eu fiz algumas marcações.
A avaliação de Bolsonaro é melhor no Sul, onde ainda tem 31% de aprovação (ótimo + bom), mas o presidente tinha 44% de positivo na região, em janeiro. A queda foi grande.
Em janeiro, 47% das famílias com renda acima de 5 salários davam ótimo e bom ao governo; esse número caiu 20 pontos, para 27% hoje.
Do lado da rejeição (notas ruim + péssimo), o governo Bolsonaro tem rejeição de 59% das capitais, 60% no nordeste, 54% entre pessoas com ensino superior e 55% entre famílias que ganham mais de 5 salários.
Entre famílias mais pobres, a rejeição de Bolsonaro também subiu, de 41% em janeiro para 49% em maio.
O gráfico abaixo também é impressionante: 57% das pessoas acham que a economia está no caminho errado, contra 28% que acham que está no caminho certo. Não é preciso muito esforço para prever que a boca desse jacaré também vai continuar se abrindo.
As expectativas para o restante do mandato também se deterioraram muito, o que também sinaliza o fim da lua de mel e do “voto de confiança” dos brasileiros.
A pesquisa sempre pergunta para os entrevistados que governos eles consideram responsáveis pela situação econômica atual. A responsabilidade de Bolsonaro vem aumentando. Hoje 23% responsabilizam o governo Bolsonaro; mas 37% ainda culpam os governos Lula e Dilma pelos problemas econômicos atuais.