Por Virginia Berriel
Nos dias duros e melancólicos de quarentena, com pelo menos 40% da população dentro de casa, milhares de brasileiros se manifestam nas janelas há mais de um mês, ora batendo panelas à noite e gritando “#ForaBolsonaro”, ora cantando, tocando algum instrumento ou aplaudindo os profissionais da saúde. Verdadeiros heróis no ofício de salvar vidas, muitas vezes vão trabalhar praticamente sem condição nenhuma, inclusive sem os necessários equipamentos de segurança e proteção individual. Colocam suas vidas em risco, mas seguem firmes honrando o juramento que fizeram. Trabalham de forma precária, mas com o dever de cuidar da saúde. No meio dessa luta e desse caos em que se transformou o país, existem outras categorias que também estão na linha de frente, sendo atacadas e massacradas por um Governo sem educação e sem modos ou pelos seus fanáticos seguidores bolsonaristas.
Os jornalistas têm sido alvos permanentes dos ataques ignorantes desse governo medíocre, que definha, desgoverna e ataca todos os trabalhadores, com a retirada e flexibilização de direitos. Ninguém vai amordaçar ou censurar a imprensa ou os jornalistas – eles não se calarão, a notícia vai chegar sempre para informar, tirar do escuro, mostrar a verdade e isso incomoda demais. O trabalho que a imprensa está fazendo nesta pandemia e os jornalistas, sempre com isenção e imparcialidade, é impecável. Quando o governo agride um jornalista ele está agredindo a liberdade de imprensa e a democracia. A luta vai continuar.
Há uma outra categoria tão importante quanto as duas citadas, que sempre estão em nossa frente, que se apresentam, transformam as nossas vidas, nos enchem de alegrias, de risos, nos fazem refletir, aplaudir – são os trabalhadores da Arte, a classe artística, que também salva vidas da melancolia, da escuridão e da ignorância. Os artistas são classe trabalhadora, mas muitos deles estão à margem quando deveriam ser protagonistas de sua própria história. Os artistas e técnicos do Audiovisual, do Teatro e das ruas pedem socorro. Estão sem trabalho, sem patrocínio, com os teatros, as casas de show, os bares fechados e as ruas vazias. Os profissionais da arte foram abandonados à própria sorte.
Nesses tempos obscuros, de melancolia que se esparrama no final de cada tarde, vimos o horror, a barbárie e a insensatez estampadas na cara suada e cansada da nossa Pátria, mãe gentil que chora. Também “choram Marias e Clarisses no solo do Brasil”. O horror que rapidamente se abateu sobre nós, está tomando conta do país.
Vimos uma sucessão de atrocidades cometidas pelo governo brasileiro, participando e apoiando manifestações contra a Democracia e pela volta do AI 5 – o Ato Institucional nº 5, decretado pela Ditadura Militar em dezembro de 1968, quando teve início a censura aos meios de comunicação, à música, ao cinema, teatro e televisão; quando a tortura consolidou-se como prática comum dos agentes do governo; quando foi instituído o fechamento do Congresso Nacional e de todas as Assembleias Legislativas do Brasil. E não são apenas o presidente e seus filhos parlamentares. São ministros e outros deputados de extrema direita. Um governo, eleito pelo voto democrático, participando de atividades que pedem o fim da democracia. Horror total! Trata-se de crime de responsabilidade e Bolsonaro já deveria estar respondendo à Justiça pelos seus atos e desmandos.
Nesse país repleto de melancolia gritam os nossos artistas que foram abandonados pelos municípios, estados e, principalmente, pelo Governo Federal e Secretaria Especial da Cultura. Esse governo que odeia a classe trabalhadora e explicita isso, também tem aversão à arte e cultura. Fez questão, quando assumiu, de pôr fim ao Ministério da Cultura, transformando a pasta numa Secretaria Especial. Não bastasse o susto dos brasileiros com o discurso nazifascista do ex-secretário da pasta, Roberto Alvim (que caiu, evidentemente, porque escancarou a sua incompetência e autoritarismo), também atacou Fernanda Montenegro. Chamou a maior artista desse país de “mentirosa e sórdida” e ainda afirmou: “a classe teatral que aí está é radicalmente podre. E com gente hipócrita e canalha como eles, que mentem diariamente, deturpando os valores mais nobres de nossa civilização, propagando suas nefastas agendas progressistas, denegrindo nossa sagrada herança judaico-cristã, bom – com essa corja não há diálogo possível”.
Esse cidadão jamais chamou a classe artística para conversar, dialogar, saber os problemas enfrentados. Assumiu e declarou guerra. Mais um sujeitinho medíocre e minúsculo que fez parte desse governo autoritário, despreparado, que apenas dissemina ódio, ignorância e envergonha os brasileiros.
Os artistas, os intelectuais e políticos se reuniram, mais de uma vez, em encontros organizados pela Associação dos Produtores de Teatro (APTR), para discutir os rumos da Cultura, no Rio de Janeiro. Nessas reuniões também foram debatidas as pautas da classe artística e o futuro da Secretaria Especial da Cultura e da Funarte. Após a saída de Roberto Alvim, a classe artística levou mais um baita susto com a indicação de Regina Duarte para assumir a pasta. Muitos por saberem que a atriz nada faria em defesa da arte, cultura e dos artistas. A atriz, que há muito vinha trilhando o caminho da direita, com posições extremamente conservadoras, chegou a defender abertamente o corte de verbas da pasta. Será que essa pessoa faria alguma coisa para defender os artistas?
E daí? Regina Duarte assumiu e sumiu. Nem um pio depois do horrível discurso de posse, onde chegou a afirmar que a Cultura é o “pum do palhaço”. O que poderíamos esperar desta senhora? O desalento abateu-se sobre a classe artística menos abastada. Os artistas de Teatro, os artistas de rua, os técnicos, os que trabalham sob a pejotização foram abandonados à própria sorte, sem representante, e muitos sem condições até de sobreviverem neste período de pandemia.
Eles agora contam com a solidariedade de amigos e de cestas básicas. O governo, e a Secretária de Cultura ignoram totalmente os apelos desses trabalhadores que iluminam as nossas vidas de esperança.
Sim, queremos Arte e Cultura e os nossos artistas fortalecidos, com condições para produzir sempre mais e melhor. Eles movem e transformam as nossas vidas. Não existem saídas sem os caminhos construídos e pavimentados pela Arte. O que vemos é o silenciamento da Secretária de Cultura. A censura imposta e as ações de desmonte de tudo que foi construído e fomentado pelos artistas como a luta pela manutenção dos espaços teatrais. É importante resgatar que, desde 2017, os teatros e a Cultura sofrem com a precarização, a falta de verbas e das leis de incentivo. Mesmo as verbas, os patrocínios que já estavam carimbados, não foram liberados pela Secretaria Municipal de Cultura do Rio e tiveram que amargar com o fechamento de teatros importantes e espaços culturais que foram esquecidos pelo Poder Público, seja municipal, estadual ou federal.
Além dos artistas e técnicos profissionais não poderem contar com o Poder Público, também não podem contar com um Sindicato que os represente dignamente. O SATED RJ não implementou nenhuma ação em defesa dos direitos desses trabalhadores. A maioria deles tinha espetáculos em cartaz, filmes que seriam rodados ou novelas que seriam gravadas. Os que têm um contrato de trabalho assinado com as emissoras podem até ter uma situação mais privilegiada e gozam de certa segurança. Mas, para os demais, que vivem da bilheteria dos espetáculo e shows, de apresentação em bares e espaços alternativos, a situação é bem mais delicada. São estes que precisam de nossa ajuda, já que não podem contar com o poder público. Eles contam com o apoio da APTR (Associação de Produtores de Teatro), do MATER (Movimento dos Artistas de Teatro do Rio de Janeiro), também da ABRACI (Associação Brasileira de Cineastas), e de outros movimentos como o REAGE Artista. São movimentos muito limitados, embora tenham o poder de mobilização. Essas entidades estão lutando, dentre outras medidas, para a liberação do Fundo Setorial do Audiovisual que, de imediato, poderia socorrer muitos dos trabalhadores que não têm outro recurso para sobreviver.
A Comissão de Cultura da Câmara do Rio de Janeiro, comandada pelo Vereador Reimont votará Lei 1764 que estabelece renda emergencial ao setor do Audiovisual, mas também tem projeto tramitando na Câmara Federal, pela deputada Benedita da Silva, que preside a Comissão de Cultura, o PL. 1075/2020, que também prevê recursos emergenciais para os artistas e técnicos, inclusive com uso de recursos do FNC (Fundo Nacional de Cultura). Mas a Categoria tem pressa, não pode esperar pelo fim da pandemia para ser socorrida.
O show de todo artista tem que continuar. Tem que continuar irradiando e emanando vibrações positivas, mesmo que os artistas, os intelectuais sejam ignorados pelo governo e pela Secretaria de Cultura que não teve a capacidade de emitir uma nota sequer pelos artistas que nos deixaram. Ficamos um pouco órfãos sem a genialidade de Morais Moreira, Rubens Fonseca, Garcia Roza, Aldir Blanc, Flávio Migliaccio. O silêncio ensurdecedor da Secretária Especial da Cultura, Regina Duarte, não foi de pesar, foi de descaso.
O show tem que continuar, mas o Brasil está de luto pela perda irreparável de seus filhos. Eles deixaram um legado valioso para o país e para o povo brasileiro. Apesar da dor pela perda, confiamos que tudo isso vai passar.
Para Morais Moreira, Rubens Fonseca, Garcia Roza, Aldir Blanc, Flávio Migliaccio Tantinho da Mangueira e Dona Neném, a nossa reverência, o nosso agradecimento.
BRAVO, BRAVO, BRAVISSÍMO!
Por Virginia Berriel
Jornalista RJ 22913 JP