Números do IBGE confirmam que desigualdade no Brasil continua uma das maiores do mundo

Sempre que se fala em números de desigualdade de renda, deve-se procurar fazer comparações internacionais.

Isso deveria ser a mais importante lei do jornalismo: comparar. Assim como a velocidade de qualquer objeto é necessariamente relativa a outro objeto, a dados sócio-econômicos também.

A imprensa brasileira tem evitado, nas últimas décadas, fazer esse tipo de comparação, provavelmente com medo de sua consequência lógica, que é a demonstração cabal da necessidade de uma revolução tributária no país, que implique em grande aumento de impostos sobre os mais ricos e alívio sobre os mais pobres.

Outra maneira de fazer essa revolução é através do “imposto negativo”, que nada mais do que o programa de renda mínima para as famílias mais pobres, ou mesmo para todos os brasileiros.

Alguns gráficos no site do Piketty, com números de 2015, mostram que o Brasil está no topo do ranking internacional de desigualdade, com 55% dos mais ricos abocanhando 55% da renda nacional. Na Europa, os 10% mais ricos detêm 37% da renda; na China 41%; e no país mais desigual do mundo desenvolvido, os EUA, 39%.

Entretanto, se examinarmos a desigualdade mais de perto, olhando não apenas os 10% mais ricos, mas para as camadas superiores, os 1%, os 0,1%, até os 0,001%, então a aberração brasileira se revela em sua plenitude.

Nos EUA, os 1% mais ricos (lembrem-se que os Estados Unidos são o bicho papão da desigualdade no mundo desenvolvido) abocanham 15,6% da renda nacional, após os impostos (que são muito mais progressivos lá do que no Brasil). No Brasil, os 1% detêm quase o dobro disso, 28%!

Se examinarmos os extratos mais altos, a lógica permanece: a desigualdade no Brasil é mais do que o dobro da brasileira!

Os 0,001% mais ricos do Brasil detêm 4% da renda nacional, contra “apenas” 1,4% nos EUA.

A classe média americana (os 40% do “meio”) detêm 42% da renda nacional; aqui, apenas 32%.

Os 50% mais pobres nos EUA detêm 19,5% na renda nacional; aqui, apenas 12%; e aqui há uma outra diferença brutal entre Brasil e EUA: os 50% mais pobres nos EUA recebem, em média, uma renda anual de US$ 25 mil, ao passo que os 50% mais pobres do Brasil recebem (em valores já devidamente convertidos por poder de compra) apenas US$ 3.400, ou seja, mais de sete vezes menos!

Já os 0,001% mais ricos dos EUA recebem apenas 1,6 vezes mais do que seus irmãos em riqueza no Brasil.

Com essa introdução, vamos aos números divulgados hoje pelo IBGE.

Antes um trecho de reportagem publicada hoje no site do instituto:

(…) Outro dado que explicita a desigualdade no país é a concentração da massa do rendimento (…) Os rendimentos médios mensais dessa faixa dos 10% mais ricos superou inclusive a proporção detida por 80% da população (41,5%).

A alta concentração de renda per capita também está refletida nos rendimentos de todos os trabalhos. No ano passado, a renda da população 1% mais rica foi 33,7 vezes maior que da metade mais pobre em 2019. Isso significa que a parcela de trabalhadores com a maior renda arrecadou R$ 28.659 por mês, em média, enquanto os 50% menos favorecidos ganharam R$ 850. Em 2018, essa relação foi de 33,8.

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Abaixo, a íntegra da matéria:

Nordeste é única região com aumento na concentração de renda em 2019

Editoria: Estatísticas Sociais | Alerrandre Barros | Arte: Brisa Gil
06/05/2020 10h00 | Última Atualização: 06/05/2020 10h43

Agência IBGE — A concentração de renda per capita, medida pelo índice de Gini, mostrou estabilidade (0,543) no Brasil, em 2019, na comparação com o ano anterior (0,545). Houve redução em todas as regiões, com exceção do Nordeste, onde a desigualdade aumentou de 0,545 para 0,559. Os dados são do módulo Rendimento de Todas as Fontes, da PNAD Contínua, divulgado hoje (6) pelo IBGE.

Um dos principais indicadores de medida da desigualdade de renda, o índice de Gini varia de zero a um. Quanto mais próximo de zero, melhor é a distribuição de renda de um país e quanto mais perto de um, mais desigual é a economia.

“Essa estabilidade do índice de Gini no ano passado, com uma leve tendência de queda, deve-se aos ganhos de renda em praticamente todas as faixas. Os maiores foram registrados nas faixas centrais de distribuição (2,6%) e entre o 1% mais rico (2,7%). Os importantes ganhos das faixas intermediárias equalizaram a distribuição desigual de renda, mantendo-a relativamente estável. O rendimento médio per capita de todas fontes subiu 1,4% e chegou a R$ 1.406 em 2019”, disse a analista da pesquisa, Alessandra Scalioni Brito.

Embora a concentração de renda tenha caído em quase todas as grandes regiões brasileiras, sendo o menor índice no Sul (0,467) e a maior redução no Norte (de 0,551 para 0,537), a alta na desigualdade do Nordeste, que passou de 0,545 para 0,559, contribuiu com a estabilidade do índice de Gini em 2019.

“O Sudeste pesa muito no indicador de distribuição de renda. Nessa região, tivemos uma redução importante na concentração de renda (0,533 para 0,527), mas o Nordeste também concentra população, e sua alta desigualdade parece ter pesado, impedindo a redução do Gini nacional. No Nordeste, tivemos uma forte alta na renda da população 1% mais rica (14,9%) e uma perda de rendimentos (-5%) na fatia 10% mais pobre. Isso aumentou a desigualdade na região”, acrescentou a analista.

Alessandra observa ainda que a concentração de renda registrada em 2019 é a segunda maior desde o início da série histórica, em 2012. Entre 2012 e 2015 houve uma tendência de redução no indicador (de 0,540 para 0,524), que foi revertida a partir de 2016, quando o Gini aumentou para 0,537, chegando ao maior valor da série em 2018 (0,545). O melhor resultado (0,524) foi registrado em 2015.

Outro dado que explicita a desigualdade no país é a concentração da massa do rendimento médio mensal real domiciliar per capita. Em 2019, ela cresceu para 294,4 bilhões, sendo que a fatia dos 10% mais pobre possuía 0,8% da massa, enquanto os 10% com os maiores rendimentos concentravam 42,9%. Os rendimentos médios mensais dessa faixa dos 10% mais ricos superou inclusive a proporção detida por 80% da população (41,5%).

A alta concentração de renda per capita também está refletida nos rendimentos de todos os trabalhos. No ano passado, a renda da população 1% mais rica foi 33,7 vezes maior que da metade mais pobre em 2019. Isso significa que a parcela de trabalhadores com a maior renda arrecadou R$ 28.659 por mês, em média, enquanto os 50% menos favorecidos ganharam R$ 850. Em 2018, essa relação foi de 33,8.

Aposentadoria e pensão crescem entre as fontes de rendimento

A pesquisa divulgada pelo IBGE detalha ainda a distribuição das fontes de rendimento. A maior participação na composição do rendimento médio continua sendo do trabalho (72,5%), seguido por outras fontes (27,5%) e aposentadoria e pensão (20,5%). Também aparecem outros rendimentos (3,4%), aluguel e arrendamento (2,5%) e pensão alimentícia e mesada (1,1%).

“Até 2014 houve aumento da parcela do rendimento de todos os trabalhos no rendimento domiciliar per capita, atingindo 75,2% neste ano. A partir de 2015, aumentou a parcela relativa a outras fontes de rendimento, motivado sobretudo pelo comportamento de alta das aposentadorias e pensões, que alcançou 20,5% em 2018 e 2019”, comentou Alessandra Brito.

Número de famílias com Bolsa Família continua caindo

Já sobre os programas de transferência de renda, a pesquisa revela que continua caindo, ano após ano, o número beneficiários do Bolsa Família, que atende a população extremamente pobre. Em 2019, pessoas que viviam em 13,5% dos domicílios brasileiros foram beneficiados com os recursos. Em 2012, porém, essa fatia foi maior (15,9%).

Entre 2012 e 2019, o Nordeste foi a região que sofreu a maior redução de percentual de domicílios com beneficiários do programa (-6,1%). No ano passado, as regiões Norte e Nordeste tiveram as maiores proporções de domicílios com beneficiários do programa: 25% e 27,6%, respectivamente. Por outro lado, a região Sul registrou a menor proporção (4,7%).

O rendimento mensal per capita dos beneficiários do Bolsa Família subiu de R$ 341 para R$ 352 no ano passado, embora o programa tenha registrado pico de R$ 398 em 2014. “A renda de quem recebe esse benefício é bem menor que o rendimento dos que não são beneficiários do programa (R$ 1.641). Isso mostra que o Bolsa Família de fato é voltado para a parcela mais pobre da população brasileira”, comentou a analista da pesquisa.

Já o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que corresponde a um salário mínimo, foi pago, por mês, a 3,7% das famílias com idosos e deficientes físicos que comprovaram baixa renda em 2019. Isso é um 1,1 ponto percentual acima da proporção de famílias que receberam o benefício em 2012 (2,6%). A renda média dos beneficiários do programa foi de R$ 755, menor que o salário mínimo (R$ 998) em vigor no ano passado.

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