Emitindo moeda, o Estado cria poder de compra que antes não existia
Grupo de economistas afirma que argumento da falta de recursos não cabe na pandemia e que emissão de moeda traria benefício social
30.abr.2020 às 17h45
Autores:
Monica de Bolle
André Roncaglia de Carvalho
Fabio Terra
Gabriel Galípolo
Igor Rocha
Julia Braga
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo
Paulo Gala
Colocar a economia acima da vida é reconhecer o fracasso da humanidade.
Para evitar a morte pelo Covid-19 é preciso que apenas as pessoas na linha de frente e nos serviços essenciais saiam de casa. O desemprego e a fome podem matar mais do que o vírus, é verdade. Mas este não precisa ser o nosso destino. Colocar a saúde contra a economia é criar divisão onde pode haver cooperação.
As medidas anunciadas até aqui pelo governo vão na direção correta. Com a atividade econômica parada, acionar os canhões fiscais e monetários do Estado para manter as famílias em casa é a única e necessária saída.
Mas, como manter milhões de pessoas em casa? O governo não está quebrado? O dinheiro não acabou?
Homem usa máscara em mercado de rua no Rio de Janeiro – Mauro Pimentel – 29.abr.2020 / AFP
Não. Diferente de famílias e empresas, o Estado pode emitir moeda ou pode se endividar em uma escala bem diferente de famílias.
Emitindo moeda, o Estado cria poder de compra que antes não existia. Endividando-se, toma emprestado de quem tem dinheiro sobrando e transfere para quem não tem como consegui-lo. Emitindo ou endividando-se, o Estado injeta dinheiro na economia, e é disso que precisamos urgentemente.
Estados Unidos, Japão, Canadá, Reino Unido estão emitindo. Além disso, estão se endividando, todos estes países possuem dívida pública acima de 100% do PIB, a nossa está abaixo de 80%. Eles estão entre os dez mais ricos do mundo, assim como nós. O que nos impede de agir como eles? Nada, a não ser nosso descrédito em nós mesmos.
E a inflação? Não acontecerá. Com a atividade econômica parada, estamos longe dela agora e no médio prazo. Apenas como exemplo, mesmo com a enxurrada de liquidez ofertada pelos bancos centrais das maiores economias do mundo, no dia 20 de abril os contratos futuros do petróleo foram negociados em valores negativos pela primeira vez na história. Além disso, as nossas autoridades econômicas e políticas são responsáveis e quando a atividade econômica privada estiver reabilitada, será hora de retirar os esforços estatais.
A emissão de moeda reduzirá os juros e o custo da dívida pública, ajudando a reduzir os gastos públicos. Porém, pode ampliar a saída de dólares do Brasil o que, no médio prazo, pode impactar a inflação. Temos instrumentos para lidar com o câmbio agora, e a atividade econômica está tão deprimida que mesmo a recente forte desvalorização do Real não foi capaz de gerar repasse significativo na inflação. No médio prazo, com a economia em melhor condição, centraremos esforços em outros objetivos. Eles não são o foco agora.
O Estado não enfrenta os limites do orçamento familiar, e ele é o único que consegue, agora, dar vida aos orçamentos familiares e empresariais. Ele já vem agindo, medidas já foram tomadas, mas o momento de exceção exige muito mais.
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O ‘Plano Marshall’ brasileiro para recuperação da economia
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Dizer que não há fontes de recursos é faltar com a verdade. Nossas regras fiscais são autoimposições que nos protegem dos excessos em tempos normais. Apegar-se a elas em meio a uma calamidade sem precedentes equivale a mentir para a população e para os estados e municípios. É discutir a vã filosofia enquanto o país pega fogo. Superar a crise de saúde pública não exige que mergulhemos em uma depressão econômica.
O Estado detém os meios para manter a coesão social e proteger o pacto federativo. A maioria de prefeitos e governadores enfrenta desafios reais que requerem auxílio decisivo e imediato. O oportunismo de algumas corporações do Estado pode ser corrigido por meio de lei complementar ou compromissos diretos com entes federativos.
Nossa segurança sanitária e econômica é um recurso comum, cuja exaustão é acelerada pela disputa política. O momento exige confiança mútua entre os três poderes, União, estados e municípios, e toda a sociedade.
A política econômica não é dogma, não tem fórmula única e requer vigilância e capacidade de iniciativa. Ela depende crucialmente do governo federal, que é o maior ente do setor público brasileiro. A União precisa ajudar a todos, inclusive estados e municípios, que estão na linha de frente do combate efetivo ao coronavírus.
Em momentos de crise, o que mais devemos temer é o próprio medo de agir. Se quisermos sair desta crise, precisamos impedir que a calamidade sanitária se converta em caos social. É hora de a economia servir à sociedade.
A União tem o poder e os instrumentos para coordenar os setores essenciais e para garantir o pão nosso de cada dia. A cura não precisa ser pior que a doença. Até agora talvez tenha sido e, se assim continuar, é porque escolhemos.
***
André Roncaglia de Carvalho, professor da Universidade Federal de São Paulo e pesquisador do Cebrap; Fabio Terra, professor da Universidade Federal do ABC e da Univerdidade Federal Fluminense; Gabriel Galípolo, mestre em Economia pela PUC-SP; Igor Rocha, doutor em Estudos do Dsenvolvimento pela Universidade de Cambridge; Julia Braga, professora da Universidade Federal Fluminenese; Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, professor da UNICAMP e da FACAMP; Monica De Bolle, diretora do Programa de Estudos Latino Americanos da Universidade Johns Hopkins e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics; e Paulo Gala, professor da FGV-SP
Esse artigo foi publicado originalmente na Folha.
Netho
01/05/2020 - 23h17
“O governo Bolsonaro reagirá às manifestações de descontentamento enveredando por um processo que não sabemos onde pode terminar”. A frase é de Ruy Fausto.
O mesmo Ruy Fausto afirmou a existência de uma “onda conservadora avassaladora” e que o “Brasil está doente”.
Há um ambiente propício à realização do sonho daquele a quem Ernesto Geisel avaliou ser “um mau militar”.
Sob tensão social provocada pela depressão econômica e a tragédia sanitária, um intervenção militar será convocada para fazer frente à anomia social a caminho de ser consumada.
A emissão monetária, a reestruturação da dívida e o controle cambial são medidas que já deveriam ter sido tomadas.
O problema central da crise tripla é a existência de equipes econômica, política e sanitária fraquinhas, fraquinhas.
Não há a menor hipótese de o país melhorar. Amanhã será pior!
Wilton Cardoso
30/04/2020 - 22h40
Em circunstâncias anormais, como as de agora, é possível (e necessário) colocar a vida vida humana acima da economia. E deve ser feito: o Brasil vergonhosamente está demorando demais a emitir moeda e/ou fazer dívida para pagar as pessoas para ficarem em casa sem passarem necessidades.
Mas a longo prazo, o capitalismo sempre impõe as “leis” de sua economia sobre a vida das pessoas. Basta observar seus 250 anos de história: como prognosticou Marx, em meio a um mundo não determinista, o capitalismo é um sistema determinista, onde a economia determina os destinos da vida humana e da natureza, por mais vontade política que haja em “humanizar” o capital. Explico melhor esta questão no seguinte artigo:
https://wiltoncardoso.blogspot.com/2020/04/as-ilusoes-keynesianas-do-pos.html
No pós-coronavírus, se quisermos, num horizonte de longo prazo, que a vida humana realmente não seja determinada pela economia, devemos abolir o capitalismo que, de resto, já está em decadência desde a década de 1970 e entrou em colapso a partir da crise de 2008 – colapso que o coronavírus irá, sem dúvida, aprofundar.