Rodrigo Neves: “90% dos municípios e estados quebram no 2º semestre”, caso o governo federal não mude a política econômica

Antes de comentar a entrevista que fiz com o prefeito de Niteroi, Rodrigo Neves (PDT), e o papel de prefeitos e governadores neste sombrio período da vida pública brasileira, permitam-me uma contextualização do momento político.

Hoje é sábado, dia 25 de abril de 2020, e ontem foi mais um dia turbulento da política nacional.

O ministro da Justiça, Sergio Moro, veio à público, pela manhã, anunciar que estava se demitindo por não concordar com a tentativa do presidente de interferir politicamente em investigações em curso da Polícia Federal.

A fala de Moro, que lista vários possíveis crimes cometidos pelo presidente da república, deflagrou imediatamente uma crise política, e o presidente reagiu dizendo que, às 17 horas do mesmo dia, daria uma coletiva para “reestabelecer a verdade”.

Às 17 horas, todos se colaram às telas de TV e aos computadores, ávidos para ouvir o que o presidente tinha a dizer.

Bolsonaro convocou todos os seus ministros, inclusive aqueles que convinha manter afastado dessa crise, como os presidentes do Banco Central e o titular da pasta da Economia, num esforço um tanto patético de mostrar “união”, “coesão”, “força política”, perfilando-os a seu lado, todos muito colados uns aos outros, numa clara agressão às orientações de distanciamento social (ainda) emanadas pelo próprio governo federal. Com exceção do ministro da Economia, Paulo Guedes (e fica difícil não ver nisso um recado do próprio Guedes), ninguém usava máscara de proteção.

Se o efeito, contudo, era mostrar coesão do ministério, a imagem apenas serviu para humilhar os titulares das pastas, que tiveram que ouvir calados o presidente afirmando, com a arrogância de uma criança mimada, que a autoridade do governo pertencia a ele, presidente, e somente a ele.

E o que mais disse Bolsonaro?

– Desligou a luz da piscina do Planalto.
– Mudou o cardápio.
– A mãe de sua sogra era traficante de drogas.
– Tem três cartões corporativos e apenas usava dois.
– Seu filho 04 lhe disse que “pegou” metade do condomínio.
– A PF se recusou a orientar investigações conforme seus caprichos pessoais.
– Emprestou 40 mil reais a Queiroz, o bandido, o qual devolveu em cheque.

O que não disse Bolsonaro?
– Não conseguiu se defender das acusações de tentativa de obstrução de justiça, lançadas por Moro.
– Não fez uma menção à pandemia do coronavírus, que havia atingido recorde de óbitos na véspera.

Na verdade, o efeito foi o oposto: ao observar os ministros expostos ao espetáculo grotesco do presidente falando em piscinas desligadas, avós traficantes e namoricos do filho adolescente, num momento tão dramático do país, o espectador sente até um pouco de compaixão dos titulares mais sérios, mesmo daqueles dos quais discorda politicamente, e pensa: até quando este sujeito vai suportar isso?

Encerrada a fala, o país inteiro se entreolhou, perplexo.

Então começaram as reações, inclusive do próprio Sergio Moro, que contra-atacou minutos depois. E todo mundo se postou novamente diante da TV para esperar o início do Jornal Nacional, pressentindo que haveria uma edição especial, com muitas novidades.

E houve, de fato, uma edição especialísima, de uma hora e trinta minutos, na qual o ponto culminante foi a apresentação mensagens de whatsapp, trocadas entre o presidente da república e o ministro da Justiça, repassadas por este último, em que Bolsonaro explicitamente pressiona o ministro a trocar o diretor da Polícia Federal por causa de investigações contra integrantes de sua base política.

Inúmeros juristas e até ministros do STF alegam que essas conversas constituem provas de crime de responsabilidade.

É importante notar ainda que a postura de Sergio Moro, ao vazar mensagens pessoais recebidas do presidente da república, não foi ética. O correto, para Moro, seria simplesmente pedir demissão, por divergências políticas, sem atacar o presidente, e muito menos sem vazar mensagens pessoais. Passados alguns meses, de preferência após o fim da pandemia, Moro poderia dar uma entrevista, e fazer as revelações que quisesse. Com esse tipo de postura, acho difícil que Moro consiga reunir em torno de si um conjunto de pessoas de confiança.

Tudo isso foi ontem, sexta. Neste sábado, jornais e sites amanheceram repleto de novas denúncias contra Bolsonaro. No Globo, ex-assessores de Moro disseram que Bolsonaro cobrava da PF investigação contra todos os que representam algum freio a seu projeto autoritário: Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, é seu alvo principal; os governadores de São Paulo, João Dória, e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, são outra obsessão.

Aí entramos no tema principal deste post, que é tratar dessa pequena revolução política em curso, cujas consequências ainda não percebemos em sua plenitude, que é o fortalecimento do papel de prefeitos e governadores.

Na útima quinta-feira, fiz uma longa entrevista com o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves.

Na entrevista, que contou com a presença do secretário de planejamento do prefeito, Axel Grael (e que foi escolhido, pelo próprio prefeito, como seu sucessor na próxima eleição), Rodrigo Neves falou de todas as ações que sua administração tomou para conter a disseminação do vírus no município, e preservar a saúde, a vida, a renda e os empregos dos todos os moradores de Niterói.

O contraste com Bolsonaro não poderia ser mais chocante.

Desde o início da pandemia, Bolsonaro revelou sua pequenez intelectual, tentando jogar toda a responsabilidade dos efeitos econômicos adversos da medida de isolamento social na conta de prefeitos e governadores, como se estes administradores tivessem adotado essas iniciativas por algum inexplicável sadismo.

Enquanto isso, confira o que fez e o que pensa o prefeito de Niteroi.

Neves contou que a prefeitura foi muito além dos decretos de isolamento social: contratou milhares de novos profissionais de saúde, estabeleceu um programa de renda emergência municipal, de R$ 500, paga um salário mínimo para funcionários de todas as lojas fechadas, e criou um financiamento a juro zero para todos os empresários locais. Além disso, fomentou e financiou pequenas confecções locais para produzirem centenas de milhares de máscaras de proteção, gerando empregos na cidade, e distribuindo gratuitamente o produto para todos os moradores.

O resultado, segundo Neves, é que Niteroi, no dia de nossa entrevista (quinta, 23 de abril) já estava há cinco dias sem mortes confirmadas de Covid-19, e havia conseguido achatar a curva de infectados e hospitalizados. Segundo o painel dinâmico criado pelo governo do Estado, Niteroi tem hoje 249 casos e 17 óbitos confirmados de Covid-19, ao passo que Caixas, município vizinho, apesar de um número menor de casos confirmados, 244, já apresenta 44 óbitos.

Eu perguntei se a queda abrupta dos preços de petróleo não afetaria as finanças da prefeitura, que é uma das que mais recebe royalties no país. Neves admitiu que o impacto será grande, e não apenas em Niteroi, mas em todos os municípios fluminenses, e, sobretudo nas finanças do estado, e que o governo federal terá que olhar com muito cuidado para essa região do país.  Mas ressaltou que a administração de Niteroi, em mãos de políticos trabalhistas e progressistas há muito tempo, não cometeu o mesmo erro cometido pelos governos estaduais, e não houve ampliação dos custos fixos.

Ao contrário, explicou Neves, o dinheiro extra dos royalties for destinado a uma poupança para tempos difíceis, como os de hoje. O fundo de petróleo de Niteroi tem hoje mais de R$ 300 milhões, que será usado, diz o prefeito, para amenizar o impacto da redução da entrada de royalties, além de ajudar, hoje, a financiar as medidas de combate ao coronavírus.

Uma pesquisa anual feita pela Federação de Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) sobre a situação fiscal de todos os municípios do estado tem colocado Niteroi, seguidamente, no topo do ranking: é a única cidade com nota máxima, de “gestão fiscal excelente”.

Ao final da entrevista, Neves fez algumas observações de ordem política geral que também merecem destaque.

Neves alertou que “mais de 90% de municípios e estados quebram no segundo semestre”, caso o governo federal não mude radicalmente a sua política econômica, priorizando investimentos públicos.

“Mais do que nunca nos precisamos de políticas keynesianas” , observou Neves, que acrescentou que a crise atual deverá produzir uma “nova maioria social” em defesa de uma política econômica onde o Estado terá um papel determinante, em “em defesa do Sistema Único de Saúde”.  Separei esse trecho no twitter abaixo:

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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