Comentários doloridos ao texto do diplomata louco

Deixo registrado o novo delírio do nosso chanceler Ernesto Araújo por achar que a nossa reação não deva ser simplesmente ignorá-lo.

É a opinião, afinal, do ministro de Relações Exteriores do Brasil, e não nos faltam elementos para entender que ela reflete, ao menos em seus anseios mais profundos – e perigosos – a opinião do presidente da república, de seu entorno, e de um número grande de oportunistas e conspiradores no mundo inteiro.

Todas as forças políticas, todas as ideias, estão em polvorosa diante da crise do coronavírus.

O papel do Estado, certamente, será revisto. E isso, de fato, beneficia ideologias de tradição progressista, entre as quais o marxismo, o socialismo, e o comunismo.

Os keynesianos, sobretudo, voltaram a ocupar o vazio deixado pelos neoliberais em fuga.

Diante deste quadro, era também esperado que a extrema-direita conspiratória e fascista quisesse dar seus pitacos.

Acontece que, em nenhum lugar do mundo, essa direita ocupa um espaço tão proeminente como no Brasil.

Então é obrigação nossa, diante do nosso futuro e de todo o planeta, arrancar o mal pela raíz.

O “pensamento” de Araújo precisa ser demolido sílaba por sílaba, e não apenas racionalmente.

É preciso destruir este fascismo infecto sobretudo simbolicamente.

Dou minha contribuição nos comentários entre colchetes e negrito.

Dei o título de “comentários doloridos” porque me dói muito, como ser humano que ainda tem sonhos de escrever alguma coisa relevante para o mundo, perder meu tempo com um texto tão desprezível.

***

Chegou o Comunavírus

Por Ernesto Araújo, no blog Metapolítica Brasil

O Coronavírus nos faz despertar novamente para o pesadelo comunista.

Chegou o Comunavírus.

É o que mostra Slavoj Žižek, um dos principais teóricos marxistas da atualidade, em seu livreto “Virus”, recém-publicado na Itália (*). Žižek revela aquilo que os marxistas há trinta anos escondem: o globalismo substitui o socialismo como estágio preparatório ao comunismo. A pandemia do coronavírus representa, para ele, uma imensa oportunidade de construir uma ordem mundial sem nações e sem liberdade.

[Eu: O delírio é exposto logo no primeiro parágrafo. Zizek – permitam-me escrever seu nome sem os acentos eslavos – não é “um dos principais teóricos marxistas da atualidade, e sim um comentarista político extremamente criativo e polêmico. É um intelectual absolutamente original, na melhor acepção dessa palavra, mas (talvez por isso mesmo) é uma voz solitária. Ele não fala pelos “marxistas”, quanto mais por 30 anos de marxismo. Igualmente, a menção ao “globalismo” é repleta de contradições esquizóides. É uma vocação natural do homem se organizar em coletividades cada vez maiores: antes eram famílias, depois tribos, depois cidades, por fim países, então se criaram organizações internacionais, e a tendência natural e necessária da humanidade é se organizar planetariamente. Não existe nada de maligno ou diabólico nisso. Há ameaças e desafios que precisam ser enfrentados por ações coordenadas a nível planetário, e para que essas ações sejam eficientes, será preciso estabelecer regras internacionais. Não vou discutir a opinião expressa por Zizek em seu livro, que ainda não li. Mas li outros livros de Zizek, assistir alguns vídeos, e sei mais ou menos como ele pensa: é um polemista e um provocador radical, com um texto excepcionalmente erudito, mas não tem pretensão nenhuma de ter razão em tudo, e suas críticas aos erros do socialismo, do comunismo e da esquerda em geral sempre são bastante pesadas e implacáveis. ] 

Cito e comento, a seguir, alguns trechos do livreto de Žižek, essa obra-prima de naïveté canalha, que entrega sem disfarce o jogo comunista-globalista de apropriação da pandemia para subverter completamente a democracia liberal e a economia de mercado, escravizar o ser humano e transformá-lo em um autômato desprovido de dimensão espiritual, facilmente controlável:

“Tomara que se propague um vírus ideológico diferente e muito mais benéfico, e só temos a torcer para que ele nos infecte: um vírus que faça imaginar uma sociedade alternativa, uma sociedade que vá além do Estado-nação e se realize na forma da solidariedade global e da cooperação.”

“Uma coisa é certa: novos muros e outras quarentenas não resolverão o problema. O que funciona são a solidariedade e uma resposta coordenada em escala global, uma nova forma daquilo que em outro momento se chamava comunismo.”

Žižek não esconde seu anseio e sua convicção de que um vírus “diferente e mais benéfico” do que o coronavírus, o vírus ideológico, contagiará o mundo e permitirá construir o comunismo de uma forma inesperada. Não está sequer interessado naquilo que funciona ou não funciona para combater o coronavírus, a quarentena ou o fechamento de fronteiras, pois o objetivo não é debelar a doença, e sim utilizá-la como escada para descer até o inferno, cujas portas pareciam bloqueadas desde o colapso da União Soviética, mas que finalmente se reabriu. Tudo em nome da “solidariedade”, claro, do mesmo modo que no universo de 1984 de Orwell a opressão sistemática fica a cargo do “Ministério do Amor”. Quem quiser defender suas liberdades básicas, quem quiser continuar vivendo num Estado-Nação, estará faltando com o dever básico de “solidariedade”.

[Observem o nível da loucura. Araújo pega um trecho do livro de Zizek que torce pelo aumento da “solidariedade internacional” e transforma isso numa conspiração demoníaca internacional para “escravizar o ser humano e transformá-lo em um autômato desprovido de dimensão espiritual, facilmente controlável”.]

“Um primeiro e vago modelo de uma tal coordenação na escala global é representado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (…) Serão conferidos maiores poderes a outras organizações desse tipo.”

Não escapa a Žižek, naturalmente, o valor que tem a OMS neste momento para a causa da desnacionalização, um dos pressupostos do comunismo. Transferir poderes nacionais à OMS, sob o pretexto (jamais comprovado!) de que um organismo internacional centralizado é mais eficiente para lidar com os problemas do que os países agindo individualmente, é apenas o primeiro passo na construção da solidariedade comunista planetária. Seguindo o mesmo modelo, o poder deve ser transferido também para outras organizações, cada uma em seu domínio. Žižek não o especifica, mas provavelmente tem em mente uma política industrial global sendo ditada pela UNIDO, um programa educacional global controlado pela UNESCO e assim por diante.

[O delírio se aprofunda. É óbvio que a eclosão de uma pandemia, que necessariamente requer uma enorme coordenação internacional, implica em fortalecimento de instituições como a OMS. Isso é positivo, e qualquer ser humano com um mínimo de lucidez, sabe que isso não tem nada a ver com nenhuma “conspiração comunista”. Na verdade, Araújo está fazendo uma grande promoção do comunismo, ao lhe dar uma presença e uma força políticas que, definitivamente, ele não tem há muito tempo. Como a humanidade poderá vencer pandemias como a do Covid-19, e outras futuras que fatalmente virão, sem uma grande coordenação internacional? Deixaremos que as nações mais pobres simplesmente pereçam? Que espécie de defesa da “espiritualidade” é essa defendida por Araújo que demonstra tanto ódio pelo próprio conceito de solidariedade?]

“Tudo isto acaso não mostra com clareza a necessidade urgente de uma reorganização da economia global que não esteja mais sujeita aos mecanismos do mercado? E aqui não estamos falando do comunismo de outrora, naturalmente, mas de algum tipo de organização global que possa controlar e regular a economia, como também que possa limitar a soberania dos Estados nacionais quando seja necessário.”

Sim, não é o comunismo de outrora, que instalava ora num país, ora noutro, um sistema de planejamento econômico central, sempre fracassado em proporcionar bem-estar, sempre exitoso em controlar e oprimir a sociedade. Trata-se agora de um planejamento central mundial, que certamente traria o mesmo fracasso e o mesmo êxito desse modelo quando aplicado no passado na escala nacional.

[Ainda não li o livro de Zizek, mas pelos trechos citados, vemos apenas bom senso: é lógico que a pandemia e seus efeitos exigirão a reorganização da economia global. A maneira como as economias se organizam vem mudando muito desde o tempo do homem das cavernas, de acordo com as circunstâncias. Uma coisa é ser conservador; outra coisa bem diferente é ser tão retrógrado a ponto de se tornar um conspirador esquizofrênico. A economia global já é regulada por acordos internacionais, que vem se tornando cada vez mais frequentes. Estes acordos precisam ser aprofundados, inclusive para combater melhor os crimes financeiros transnacionais, que sangram os cofres públicos em centenas de bilhões, quiçá, trilhões de dólares por ano. É preciso, naturalmente, cuidar para que a nova ordem mundial seja democrática e justa. Mas recusar a ordem? O que defende Araújo? O caos internacional? A guerra? A luta de todos contra todos? É claro que é necessário algum tipo de planejamento, e os instrumentos modernos disponíveis permitem que estes sejam transparentes, democráticos, monitorados, coisa que nunca foi possível no passado. ]

“Muitos comentaristas progressistas moderados e de esquerda revelaram como a epidemia do coronavírus se presta a justificar e legitimar a imposição de medidas de controle e disciplina das pessoas até aqui inconcebíveis no quadro das sociedades democráticas ocidentais.”

Žižek menciona entre esses comentaristas a Giorgio Agamben, filósofo de esquerda aparentemente não-marxista, que escreveu com grande apreensão sobre o cerceamento de liberdades que está em curso e que considerou a reação à pandemia um pânico altamente exagerado (**). Mas aquilo que esses comentaristas vêem com preocupação, Žižek recebe com júbilo, e intitula o capítulo em que trata desse tema justamente:

“Vigiar e punir? Sim, por favor!”

[Olha a contradição: o próprio Araújo admite que a preocupação com o cerceamento de liberdades vem de intelectuais de esquerda. Aqui entra o temperamento sempre polêmico de Zizek, ao citar, com óbvia ironia, o título de Foucault. Ora, Araújo, o presidente ao qual você serve é o maior adepto da mais medieval técnica de vigilância possível: a prisão. Bolsonaro quer mais prisão. O campo progressista é que promove debates para que sejamos uma sociedade que invista menos em prisão em mais em educação. A opinião de Zizek, reitero, é irônica, e se não é, não reflete, como ele mesmo admite, a posição hegemônica na esquerda democrática contemporânea.]

Refere-se Žižek, naturalmente, ao título do livro de 1975 de Michel Foucault, Surveiller et Punir no original, que descrevia a evolução das prisões do Século XIX para as prisões sem grades da sociedade de controle da pós-modernidade ocidental.

“Não surpreende que, ao menos até agora, a China – que já empregava largamente sistemas de controle social digitalizado – se tenha demonstrado a mais bem equipada para enfrentar a epidemia catastrófica. Deveremos talvez deduzir daí que, ao menos sob alguns aspectos, a China represente o nosso futuro? Não nos estamos aproximando de um estado de exceção global?”

“Mas se não é esse [o modelo chinês] o comunismo que tenho em mente, que entendo por comunismo? Para entendê-lo, basta ler as declarações da OMS.”

Žižek tem uma atitude ambígua em relação à China. Admira o que considera o êxito chinês no controle social, mas ao mesmo tempo não parece querer identificar a sua própria concepção de comunismo com o regime chinês, talvez porque o comunismo, ao final das contas, exige o fim do Estado, enquanto a China representa o modelo de Estado forte que o comunismo visa a superar. Esse não-Estado, esse grau zero do Estado que corresponde ao grau máximo do poder, Žižek vai buscá-lo nos organismos internacionais, que permitiriam, no que parece ser a sua visão, o exercício totalitário sem um ente totalizante, um ultrapoder rígido mas difuso, exercido em nome da “solidariedade” e portanto inatacável – pois quem ousaria posicionar-se contra a solidariedade? “Solidariedade” é mais um conceito nobre e digno que a esquerda pretende sequestrar e perverter, corromper por dentro, para servir aos seus propósitos liberticidas. Já fizeram ou tentaram fazer o mesmo com os conceitos de justiça, tolerância, direitos humanos, com o próprio conceito de liberdade.

[Definitivamente, Araújo não deveria ler Zizek. Ao dizer que “Zizek tem uma atitude ambígua em relação à China”, o nosso chanceler demonstra sua indigência intelectual para reflexões políticas que fogem ao maniqueísmo ideológico, e que se permitem desenvolver, com liberdade e risco, visões críticas de todos os modelos. Ora, o texto citado mostra um Zizek clássico: contraditório, ambíguo e polêmico. E isso porque Zizek não tem pretensão de ser nenhum profeta ou ideólogo de um futuro sombrio: ele é um escritor, e escreveu um livro. Não é chefe de nenhum partido comunista ou globalista dando orientações a seus adeptos sobre como dominar o mundo. Ler Zizek com esse espírito paranoico realmente deve ser uma experiência muito sinistra…]

“Não é uma visão comunista utópica, é um comunismo imposto pelas exigências da pura sobrevivência. Trata-se de uma variante do ‘comunismo de guerra’ como foram chamadas as providências tomadas pela União Soviética a partir de 1918”.

Žižek parece querer dizer: “Não se preocupem. Não há nada de ideológico no que proponho. Apenas me guio pelo pragmatismo de quem quer salvar a humanidade, e neste momento o pragmatismo dita a opção por um sistema comunista, mas é um comunismo de emergência, só isso.” Então perguntaríamos: “E quando vai acabar essa emergência? Quando vai acabar esse estado de exceção?” Žižek possivelmente responderia, com um sorriso cheio de “solidariedade”: “A emergência vai durar para sempre.”

[Aí Araújo começa a sair do texto de Zizek e a pôr palavras em sua boca. O parágrafo começa com um “Zizek parece querer dizer”, e termina com “Zizek possivelmente responderia”. É uma velha tática dos impotentes intelectuais: quando não tem argumentos para vencer o adversário, eles inventam um adversário imaginário, muito mais fraco do que o verdadeira, e se redimem de sua mediocridade batendo nesse adversário de mentirinha.]

Žižek não se preocupa com o resultado da quarentena para a contenção do coronavírus, ele não se preocupa em conter o coronavírus, mas sim em favorecer ao máximo o contágio do outro vírus, esse que ele mesmo denomina o vírus ideológico, “diferente e muito mais benéfico”. Ele louva a quarentena justamente pelo seu potencial destrutivo. Seu mundo dos sonhos é Wuhan quarentenada:

“…Uma cidade fantasma, as lojas com a porta aberta e nenhum cliente, somente aqui e ali uma pessoa a pé ou um carro, indivíduos com máscaras brancas (…) fornece a imagem de um mundo não-consumista em paz consigo mesmo.”

[Araújo agora apela para um argumento moral do mais baixo calão: “Zizek não se preocupa em conter o vírus. É triste que um diplomata, alguém que, teoricamente, se preparou tanto para passar num concurso, use esse tipo de expediente intelectual. Alguém poderia rebater simplesmente: é Araújo que não se preocupa em em conter o vírus; afinal, ao invés de estar trabalhando para ajudar os sistemas regionais de saúde a importar respiradores e máscaras, estão lendo livro de… Zizek e falando em conspiração comunista global…]

No pensamento de Žižek, à custa da destruição dos empregos que permitem a sobrevivência digna e minimamente autônoma de milhões e milhões de pessoas, ao preço do desmantelamento de sua liberdade e de seu sustento, se atinge um mundo “em paz consigo mesmo”. O comunismo sempre afirmou que seu objetivo é a paz e a emancipação de toda a humanidade. Aí, numa cidade deserta, sem emprego, sem vida, onde cada um é prisioneiro em seu cubículo, sob a supervisão de uma autoridade suprema que nem sequer é o governo do seu próprio país (que por mais ditatorial que seja ainda pelo menos tem um rosto e uma bandeira), mas uma agência global anônima e inatingível, aí está a configuração perfeita da paz e da emancipação comunista.

[Ora, o próprio Araújo não admitiu, no comentário anterior, que Zizek tem críticas ao modelo chinês? De resto, Araújo parece ter perdido a vontade de contrapor argumentos: ele persiste na estratégia medíocre de inventar um Zizek “malvado” que não se preocupa com a “destruição de empregos que permitem a sobrevivência digna e minimamente autônoma de milhões e milhões de pessoas”. O chanceler se torna prolixo, dramático e positivamente ridículo. Tudo bem, todavia, acusar Zizek de aspirar que o indivíduo viva numa “cidade deserta, sem vida, onde cada um é prisioneiro”, etc, mas daí a achar que existe um movimento internacional, comunista, globalista, ou que seja lá o que for, com esse objetivo, é demais. Os argumentos poderiam ser rebatidos com igual prolixidade e drama, e palavras muito parecidas, dizendo que o grande capital quer mundo sem emprego, onde todos são vigiados por sistemas de inteligência artificial conectados as redes sociais, etc. Os desafios para um mundo melhor são muito grandes, mas um deles talvez seja o maior de todos: neutralizar argumentos conspiratórios, vitimistas, mentirosos, como os do nosso chanceler.]

Mas o paralelo com o nazismo é talvez uma passagem ainda mais chocante do seu livro:

“’Arbeit Macht Frei’ é ainda o lema correto, não obstante o péssimo uso que dele fizeram os nazistas.”

Žižek repete aqui o lema colocado na porta do campo de concentração de Auschwitz, a ultracínica, perversa afirmação de que “O trabalho liberta”. Segundo ele, portanto, os nazistas não erraram na substância, erraram apenas no uso que fizeram dessa frase. (Aqueles que ainda não acreditam que o nazismo é simplesmente um desvio de rota da utopia comunista, e não o seu oposto, encontrarão aqui talvez um importante elemento de reflexão.) Segundo esse expoente do marxismo, Arbeit macht frei é o “lema correto” da nova era de solidariedade global que se avizinha em consequência da pandemia, e o que diferencia este novo mundo do campo de Auschwitz é que agora se fará bom uso desta horrível mentira que perverte e humilha dois valores sagrados da humanidade, o trabalho e a liberdade. Os comunistas não repetirão o erro dos nazistas e desta vez farão o uso correto. Como? Talvez convencendo as pessoas de que é pelo seu próprio bem que elas estarão presas nesse campo de concentração, desprovidas de dignidade e liberdade. Ocorre-me propor uma definição: o nazista é um comunista que não se deu ao trabalho de enganar as suas vítimas.

[Mais uma vez, Araújo demonstra sua total incapacidade para entender uma asserção irônica. Daí termina o parágrafo com a afirmação de que “o nazista é um comunista”, o que pode ser classificado na categoria do “qualquer coisa”. O comunismo e o socialismo teve, entre seus representantes e apoiadores, cientistas como Albert Einstein, escritores como Sartre e Carlos Drummond de Andrade, roteiristas de cinema (inclusive de Holliwood), e hoje tem um senador americano que, por pouco, não foi o candidato do partido democrata, Bernie Sanders. Comunismo é o oposto ideológico de nazismo. Uma das razões da eclosão e fortalecimento do nazismo na Alemanha foi o medo que o conservadorismo de direita da classe política, empresários e magistrados tinha das ideias comunistas. O principal inimigo político do nazismo não era o judaísmo, e sim o comunismo. ]

“Não é talvez o espírito humano também uma espécie de vírus, que age como parasita no animal humano, o utiliza para se reproduzir, e às vezes ameaça destruí-lo? E se é verdade que o meio do espírito é a linguagem, não seria oportuno considerar que, num plano mais elementar, a linguagem é também alguma coisa mecânica, uma simples questão de regras que devemos aprender e respeitar?”

Sempre sustentei que o controle da linguagem para destruí-la enquanto meio de pensamento, ou meio do espírito como bem diz Žižek, é um dos grandes objetivos do comunismo, para destruir a dimensão espiritual do homem e assim assujeitá-lo completamente. Se o espírito vive na linguagem e se a linguagem não passa de regras a serem aprendida e respeitadas (sim, respeitadas!), isso significa que a linguagem está, como o comportamento social na quarentena, sujeita aos mecanismos de “vigiar e punir”. Já era assim com as regras do politicamente correto. Agora o politicamente correto incorpora o sanitariamente correto, muitas vezes mais poderoso. O sanitariamente correto te agarra, te algema e te ameaça: “Se você disser isso ou aquilo, você coloca em risco toda a sociedade, se você pronunciar a palavra liberdade você é um subversivo que pode levar toda a sua população a morrer – então respeite as regras.” Controlar a linguagem para matar o espírito, eis a essência do comunismo atual, esse comunismo que de repente encontrou no coronavírus um tesouro de opressão.

[O “sanitariamente correto” é comunista. O comunismo visa destruir a dimensão espiritual do homem. Olha, é difícil comentar um texto assim. Entretanto, por amor ao debate, deixemos que o chanceler vocifere à vontade contra o comunismo. Isso não teria tanta importância, senão fosse um sinal alarmante de que o ministro não está trabalhando (afinal, se ele arruma tempo para escrever tanta asneira, é porque sua quarentena está sendo bem pouco produtiva). O mais grave, contudo, é que ele, depois de pintar esse quadro demoníaco do comunismo, acha mesmo que há um grande movimento comunista prestes a dominar o mundo? Sério mesmo, ministro? Ou será falta de remédios?]

Também já disse e repito: o verdadeiro inimigo que o comunismo quer abater não é o capitalismo, o inimigo do comunismo é o espírito humano, na sua complexidade e beleza. É o espírito humano que o vírus ideológico de Žižek chegou para destruir.

Uma pergunta surge após a leitura desse programa totalitário cheio de desfaçatez e hipocrisia: deve-se levar Žižek a sério?

Muito a sério. Žižek é provavelmente o escritor marxista mais lido nos últimos trinta anos. Influencia faculdades e círculos intelecutais “progressistas” ao redor do mundo, que por sua vez influenciam a mídia, que influencia os políticos, que tomam decisões muitas vezes inconscientes da raiz ideológica dos conceitos “pragmáticos” pelos quais se deixam guiar. O que diferencia Žižek de muitos de seus pares é que ele enuncia abertamente o que outros escondem nas entrelinhas.

[“Deve-se levar Zizek muito à sério… Escritor marxista mais lido dos últimos 30 anos…” Araújo poderia se tornar editor mundial do Zizek, tamanho é seu entusiasmo pelo poder de influência do escritor. Mas trata-se de um ridículo exagero. O número de pessoas que lêem, entendem e gostam de Zizek é absolutamente ridículo no mundo. Infelizmente, porque é um autor, como já disse acima, muito original e criativo. Aqui entre nós, Zizek às vezes é um pouco empolado demais, o que o torna cansativo. Um texto assim nunca será comercial, pela simples razão de ser uma leitura difícil e demorada. 

Nas universidades, é lido, mas junto com centenas, milhares de outros autores. Não consta que Zizek seja uma autoridade tão absoluta no meio acadêmico, o qual, de resto, é bastante plural no mundo. Quanto aos marxistas, não são maioria nos meios acadêmicos há muitas décadas. 

Os escritos de Zizek, porém, não vem acompanhados de nenhum manual de dominação do mundo, ele não é chefe de nenhum movimento revolucionário comunista ou globalista, nem acho que suas ideias representem nenhum tipo de “perigo”. Muito antes de Zizek, havia escritores socialistas muito mais perigosos e, sobretudo, muito mais lidos. Se vivesse na época de Sartre, Araújo teria muito mais assunto para seus delírios… Sartre aparecia à frente de manifestações políticas, dava entrevistas, defendia o maoísmo, fazia visitas à Cuba revolucionária, e era um dos autores mais lidos no mundo. E o mundo inteiro soube apreciá-lo, amá-lo, respeitá-lo, mesmo discordando de suas ideias. ]

Em suma, Žižek explicita aquilo que vinha sendo preparado há trinta anos, desde a queda do muro de Berlim, quando o comunismo não desapareceu, mas apenas dotou-se de novos instrumentos: o globalismo é o novo caminho do comunismo. O vírus aparece, de fato, como imensa oportunidade para acelerar o projeto globalista. Este já se vinha executando por meio do climatismo ou alarmismo climático, da ideologia de gênero, do dogmatismo politicamente correto, do imigracionismo, do racialismo ou reorganização da sociedade pelo princípio da raça, do antinacionalismo, do cientificismo. São instrumentos eficientes, mas a pandemia, colocando indivíduos e sociedades diante do pânico da morte iminente, representa a exponencialização de todos eles.

[“Zizek explicita aquilo que vinha sendo preparado há trinta anos”… Melhor seria dizendo que Araújo explicita aqui o grau de sua loucura. O globalismo não é o novo caminho do comunismo. É bom que o mundo se organize melhor a nível internacional. Apenas uns loucos da extrema-direita americana não querem isso, porque eles querem dominar o mundo sozinhos, como fizeram (ou acharam que fizeram) durante as décadas que se seguiram ao pós-guerra. Talvez haja algum movimento saudosista do poderio americano num mundo onde a Europa seguia destruída, a China ainda não existia geopoliticamente, e a União Soviética era o único adversário. Araújo fala à essa época, não à nossa. Não sei o que Ernesto Araújo entende por globalismo, mas se ele é contra deve ser coisa boa.]

A pretexto da pandemia, o novo comunismo trata de construir um mundo sem nações, sem liberdade, sem espírito, dirigido por uma agência central de “solidariedade” encarregada de vigiar e punir. Um estado de exceção global permanente, transformando o mundo num grande campo de concentração.

Diante disso precisamos lutar pela saúde do corpo e pela saúde do espírito humano, contra o Coronavírus mas também contra o Comunavírus, que tenta aproveitar a oportunidade destrutiva aberta pelo primeiro, um parasita do parasita.

(*) Žižek, Slavoj. Virus. Milão, Ponte Alle Grazie, 2020 (Quinta edição digital.) (A tradução do italiano ao português de todos os textos citados é minha.)

(**) Agamben, Giorgio. “Lo stato d’eccezione provocato da un’emergenza immotivata”. Il Manifesto – Quotidiano Comunista, 26/02/2020.

[Também não sei o que é esse “novo comunismo” a que se refere Araújo, apenas sei que ele é o fantasma na mente de um louco. O que existe são mais de sete bilhões de seres humanso que vivem no mesmo planeta e precisam se entender melhor, para viver com mais liberdade e mais segurança. O fortalecimento de agências internacionais de solidariedade é muito bem vindo. O comunavírus não existe. Isso é uma tentativa grosseira do ministro de criar um inimigo imaginário, e desviar a atenção da incompetência e irresponsabilidade que vemos no governo Bolsonaro.

Torçamos para que o nosso ministro volte a tomar seus remedinhos, e que os brasileiros votem melhor na próxima eleição. ]

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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