Em artigo publicado em suas redes, e reproduzido aqui no Cafezinho, o analista político Ricardo Cappelli faz uma pergunta que ecoa a angústia de quase toda a oposição: por que Bolsonaro não cai?
A resposta, dada pelo próprio articulista, seriam os 30% de apoio popular que o presidente, segundo pesquisas, ainda possui.
Eu também queria refletir sobre a questão, mas remodelando a pergunta: o que significa, em política, “cair”?
Trata-se de uma pergunta aparentemente retórica, porque, à primeira vista, a resposta seria a mais simples de todas: ora, um presidente “cai” quando perde o poder.
Logo se vê que a simplicidade era apenas aparente, porque nos vemos diante de outra pergunta: o que é o poder?
Indo direto ao assunto: o poder de Bolsonaro, hoje, está numa trajetória ascendente ou declinante?
Bolsonaro está ampliando seu poder e influência sobre o legislativo, judiciário, imprensa, intelectuais, classe média, classes populares, ou, ao contrário, vem perdendo prestígio nesses setores?
As “notas de repúdio” vistas em toda parte, e que já causam compreensível irritação em setores sociais ansiosos por ações mais efetivas para conter as loucuras de Bolsonaro, provam que o presidente vem perdendo prestígio entre intelectuais, imprensa, judiciário e legislativo.
Na classe média, a única pesquisa que traz dados comparáveis, é a da XP/Ipespe, cujo gráfico por renda não deixa dúvida de que Bolsonaro vem perdendo apoio nos extratos mais instruídos e de renda média.
A pesquisa Datafolha sobre a decisão do presidente de demitir, no meio de uma pandemia, o ministro da Saúde, Luis Mandetta, igualmente não deixa dúvidas quanto ao grau do estrago sobre a aprovação de Bolsonaro junto a todas as classes sociais.
A oposição não pode subestimar ninguém, mas também não pode sucumbir ao desespero, e, sobretudo, deixar de constatar a vulnerabilidade crescente de Bolsonaro.
É preciso sangue frio e objetividade: Bolsonaro está trocando os pés pelas mãos.
Se ele não cai hoje, é por razões muito objetivas: ele foi eleito presidente da república por quase 58 milhões de votos.
Essa é a razão pela qual é difícil “derrubar” Bolsonaro.
É por isso que ele “não cai”.
Bolsonaro não cai porque foi eleito.
Os analistas se surpreendem com o fato de Bolsonaro ter apoio de 30% da população.
Ora, este é um fato lamentável, para quem preza valores opostos àqueles defendidos por Bolsonaro, mas não é uma surpresa: ele foi eleito por 55,13% dos votos válidos. Em algumas regiões, como o estado do Rio de Janeiro, ele obteve 67%.
Bolsonaro não deriva sua força do apoio de 30%, que de resto são números abstratos, de pesquisa, e sim de sua votação em outubro de 2018.
Entretanto, eleição não é cheque em branco. O eleitor não transfere seu poder ao político. Ele apenas o delega, provisoriamente, o que é muito diferente. O poder continua em mãos do povo.
O próprio Bolsonaro, com toda a sua ignorância e truculência, entende isso mais do que Dilma, como se vê no cuidado com ele que mantém canais de comunicação direta com seu eleitorado. Dilma nunca fez, que eu me lembre, uma “live” de internet em toda a sua presidência, mesmo nos momentos mais dramáticos.
A estratégia para derrotar o presidente não é, obviamente, repetir a estratégia fracassada de 2018, a saber, apostar todas as fichas em linguagem artificial de campanha, em volta a um passado idílico, em lacrações e narrativas desesperadas.
Não é gritando fascista da janela da quarentena, ou assinando notas de repúdio, que a oposição irá derrotar Bolsonaro, ou conter suas loucuras.
Então, qual é a melhor estratégia?
Eu resumiria em dois eixos: Inteligência e comunicação.
Inteligência: montar grupos de estudos, organizar debates, produzir propostas. Mas não adianta fazer isso apenas pró-forma. Tem que fazer isso com alto nível. Pode parecer que dá pouco resultado no início, porque o início é lento, mas é preciso acreditar no poder revolucionário da inteligência. É muito triste que a esquerda tenha deixado de acreditar no poder transformador da inteligência, e hoje se veja tão rendida aos falsos encantos da lacração e das curtidas em redes sociais.
Comunicação: os partidos políticos precisam parar de conserva fiada, fisiologismo e incompetência. A única ação efetiva em matéria de comunicação, no caso dos partidos, seria usarem suas fundações, seus mandatos e seus governos para organizar um fundo de financiamento que destinasse recursos para os produtores de conteúdo. Se qualquer recurso financeiro ficar em mãos de burocratas de partido, adeus. Não vai acontecer nada e o dinheiro vai desaparecer. Não propriamente por corrupção, mas sobretudo na forma de assistencialismo para amigos e conhecidos dos burocratas. As intenções podem ser boas (ou não), mas os resultados serão nulos. E Bolsonaro continuará no poder. Dez mil reais na mão de um burocrata de partido desaparecem num instante. Na mão de um produtor de conteúdo, ele compra um computador, um celular, paga 6 meses de conta de internet e faz um enorme enorme estrago nas bases bolsonaristas. Se os partidos não quiserem usar seus fundos partidários, então ao menos mobilizem suas estruturas para organizar crowdfundings, contratem agências independentes para distribuir os recursos e se arrisquem um pouco! Se cada prefeito & governador de um partido de esquerda fizer publicidade numa dúzia de blogs, se cada parlamentar usasse seu mandato para ajudar uma pequena rádio comunitária a se reerguer, se cada fundação organizasse ações para oferecer microcrédito, financiamento e subsídios a comunicadores tanto das periferias urbanas quanto das periferias digitais, a força das ideias progressistas e democráticas seria exponencializada!
Será mais uma estupidez da esquerda se ela achar que o mercado selvagem das redes sociais é o único termômetro para se medir a competência dos comunicadores digitais.
Outra estupidez será voltar a acreditar numa aliança com a grande mídia corporativa. Pior ainda será achar que a solução é criar sites de “militância política” que não passam de difusores de narrativas exageradas, fictícias, frequentemente falsas. Sites de informação podem ser militantes, mas desonestos, falseadores da realidade, nunca!
A grande imprensa comercial é importante e a esquerda deve incluir, em seu projeto de desenvolvimento, propostas de uma mídia comercial independente, sobretudo financeiramente, aos moldes dos melhores exemplos internacionais. Para isso, talvez seja útil uma regulamentação, que ajude a estabelecer um ambiente propício de negócios. Tipo: obrigar fundos de pensão a destinar parte de seus recursos à imprensa comercial.
Mas para cada mídia corporativa, teremos de fomentar o surgimento de cem pequenas mídias independentes. O Brasil tem espaço para todo mundo. E como nação democrática, que aspira a se manter sempre democrática, vai precisar, mais do que nunca, de um sistema de comunicação imensamente plural.
Para Bolsonaro “cair”, enfim, será preciso empurrá-lo. E isso vai exigir inteligência, planejamento, energia, paciência e ação.