O Datafolha publicou, nos últimos dias, três pesquisas que mostram realidades aparentemente bem diferentes, até mesmo contraditórias.
A primeira pesquisa revela um forte instinto de sobrevivência da população: a maioria esmagadora de 76% apoia as medidas de isolamento social impostas ou recomendadas pelas autoridades, mesmo que isso implique em prejuízos econômicos.
A segunda pesquisa mostra que o presidente Bolsonaro é visto, por uma maioria de 51%, como alguém que “mais atrapalha do que ajuda” na crise do coronavírus.
Entretanto, uma terceira pesquisa indica que uma importante maioria de 59% ainda NÃO acha que o presidente deva renunciar, e outros 52% acham que ele “sim, tem condições de liderar o país”.
Números contraditórios são normais em tempos de crise, em que a população ainda se encontra confusa pelas mudanças bruscas e rápidas na conjuntura. Nem todo mundo consegue acompanhar o mundo frenético das redes sociais.
Não é hora de análises apressadas, ou conclusivas, de um lado ou outro, sobretudo porque o quadro irá evoluir muito rapidamente ao longo das próximas três semanas, na medida em que a crise se aprofundar.
O governo de São Paulo estima que as mortes por Covid-19 devem chegar a 111 mil no estado, com as medidas de isolamento social. Sem as restrições, esse número poderia chegar a 277 mil mortes.
É claro que tudo irá mudar ao longo dos próximos meses. Que Deus nos proteja, mas o que vem acontecendo nos EUA, Espanha, França e Itália não nos autoriza a ter qualquer esperança de que será diferente no Brasil, de maneira que devemos esperar, em nosso país, centenas de milhares de mortes por Covid-19.
Outros milhões contrairão a doença, e os que sobreviverão terão passado por um enorme susto, vendo tanta gente morrer a seu lado. Muitos ficarão entre a vida e a morte durante alguns dias ou semanas.
Isso significa que muita gente, inclusive milhões de eleitores de Bolsonaro, terão parentes, amigos, vizinhos, conhecidos, ou mesmos eles mesmos, que serão vítimas do Covid-19.
Então essa contradição tão forte que vemos hoje na opinião pública, de ter um olhar crítico contra a postura irresponsável de Bolsonaro diante da epidemia, mas ao mesmo tempo sustentar a sua liderança e não apoiar sua renúncia, essa contradição irá pender para um dos lados. Isso significa que Bolsonaro emergirá da crise, daqui a uns seis meses, como uma grande liderança política, ou então como um palhaço imbecil que foi o principal obstáculo para que o Brasil atravessasse a pior pandemia da história moderna com o menor número de vítimas possível.
Muitas reportagens serão publicadas, com comparativos internacionais, e o tribunal da história agirá, desta vez, com a velocidade que apenas as grandes catástrofes podem oferecer.
Quais serão os países e lideranças internacionais que emergirão fortalecidos da crise?
Bolsonaro, no momento, se aproveita da enorme confusão e perplexidade da população.
É natural que, no meio de uma guerra, não haja movimentos populares para derrubar o líder, mesmo um líder impopular, porque o instinto da sociedade detecta o inimigo principal: que hoje não é Bolsonaro, e sim o vírus.
Assim que o perigo amainar, todavia, e que as pessoas se sentirem um pouco mais seguras para, literalmente, irem às ruas, é bastante provável que haja uma mudanças muito expressiva na opinião pública.
As próprias pesquisas mostram isso. Há um fortalecimento expressivo da imagem do congresso, governadores e prefeitos, ao passo que a postura de Bolsonaro é criticada.
Precisamos também olhar um outro fator, de caráter subjetivo: essa pesquisa que mostra a resiliência de Bolsonaro irá, fatalmente, iludi-lo. Se os números mostrassem uma perda brutal de apoio popular à presidência, talvez Bolsonaro mudasse de postura. Com esses números, é difcíl que ele mude, porque ele é do tipo que apenas acredita no que deseja acreditar. E como não vai mudar, então fica ainda mais fácil prever o que acontecerá: aumento de seu isolamento político, e um tensionamento crescente entre o “discurso” do governo e o número avassalador de infectados e mortos.
Não somos astrólogos como Olavo de Carvalho, então usamos a expressão “cartas” apenas ironicamente: em nossa opinião, as “cartas” sinalizam uma grande queda de Bolsonaro, nos próximos 3 a 6 meses.
Se a oposição progressista saberá usar esse momento, e convertê-lo em vitórias políticas, isso é outra história.
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59% rejeitam renúncia de Bolsonaro
Baixa a pesquisa completa
DE SÃO PAULO
06/04/2020 11H16
Datafolha — Em alta, a avaliação negativa do desempenho de Jair Bolsonaro (sem partido) em relação à crise do coronavírus não leva, até o momento, a uma oposição majoritária à sua liderança como presidente ou desejo da maioria de vê-lo fora do cargo.
Apesar de apenas 33% aprovarem a maneira como Bolsonaro vem lidando com a pandemia, uma parcela de 52%, avalia que ele tem condições de liderar o Brasil neste momento, pensando em todas suas ações até aqui. Para 44%, o presidente não tem condições de ser o líder do país, e 4% não têm opinião sobre o assunto.
Entre os homens, 58% avaliam que ele tem condições de liderar o país, índice que fica em 47% entre as mulheres. Na parcela dos mais velhos, 59% apoiam a liderança de Bolsonaro, ante 43% na faixa dos mais jovens. Na parcela com ensino superior, há uma divisão: 50% acreditam que ele não tem condições de liderar o país, e 48% pensam o contrário, que ele tem condições. Entre os mais pobres, com renda familiar de até 2 salários, o cenário é parecido, com 49% de respaldo à liderança de Bolsonaro, e 46% contrários a ela. Na parcela com renda de 2 a 5 salários, 54% acreditam que o presidente tem condições de liderar o país, e 43% dizem que ele não reúne essas condições. Na faixa seguinte, o apoio a ele é mais amplo (62% a 36%), e entre os mais ricos há um empate (49% a 49%).
Uma eventual renúncia do presidente é rejeitada pela maioria (59%), e apoiada por 37%, com os demais (4%) sem opinião sobre o assunto.
Mesmo em segmento mais críticos a Bolsonaro na condução da crise do coronavírus não há apoio majoritário a sua renúncia. Entre as mulheres, por exemplo, 42% defendem que ele deixe o cargo (entre os homens são 31%). Na parcela dos mais jovens, 44% defendem a renúncia do presidente (ante 31% entre os mais velhos), e entre quem estudou até o ensino superior esse índice fica em 38%, em linha com a opinião de quem estudou até o ensino fundamental (40%) e médio (34%). Entre os mais pobres, com renda familiar de até 2 salários, 41% gostariam que Bolsonaro renunciasse. Na parcela com renda de 2 a 5 essa taxa cai para 33%, e entre quem tem renda de 5 a 10 salários, para 29%. Entre os mais ricos, com renda familiar superior a 10 salários, 39% defendem a renúncia do presidente.
Na região Nordeste, 47% defendem que Bolsonaro renuncie à presidência, No Sudeste, 37% têm a mesma opinião, e nas regiões Norte/Centro-Oeste (30%) e Sul (28%) esse apoio é menor.
Entre aqueles que reprovam o desempenho do presidente em relação ao surto de coronavírus, 72% defendem sua renúncia, e 24% querem que ele continue no cargo. No grupo que considera o trabalho de Bolsonaro regular na crise sanitária, apenas 25% desejam que ele deixe a Presidência da República, e 70% querem que ele continue no cargo. Entre quem o aprova na maneira como vem lidando com a pandemia, 7% defendem que ele renuncie à presidência.