Waldeck Carneiro*
Há 56 anos, caía uma longa noite sobre a sociedade brasileira. Capital internacional, elites nacionais e lideranças políticas reacionárias se associaram às Forças Armadas para desfechar o golpe civil-militar de 1964. Em seguida, a noite se fez trevas: cassação de mandatos, fechamento do Congresso Nacional, perseguição política, prisão arbitrária, exílio, tortura e morte. No campo da democracia, da política e do direito, esses são os principais e hediondos legados da ditadura instaurada em 1º de abril de 1964, que durou 21 anos, em especial de seus períodos de maior arbitrariedade e crueldade.
Por isso é chocante ver hoje o Ministério da Defesa e o vice-presidente da República fazerem manifestações jubilosas, associando o golpe e a ditadura ao fortalecimento da democracia e ao desenvolvimento nacional. É um escárnio, além de grosseira deturpação da verdade histórica! É chocante porém não surpreendente. Afinal, trata-se do Ministério da Defesa e do vice-presidente do governo de Jair Bolsonaro, o irresponsável Capitão Corona, que tem como ídolo e herói um torturador confesso.
Porém, é ainda mais chocante assistir ao patético espetáculo, verdadeira ópera bufa, de parlamentares que, em pleno exercício de seus mandatos que decorrem diretamente da vontade popular, insultam a democracia com celebrações ao aniversário do golpe de 1964.
Outrossim, é preocupante constatar que, mais de 50 anos depois daquela drástica ruptura político-institucional, nossa cultura democrática e nossas instituições democráticas ainda revelam nítida fragilidade. Com efeito, o golpe que depôs a presidenta constitucional do Brasil em 2016; a prisão arbitrária de Lula, assumidamente baseada em convicções de seus acusadores, apenas para bani-lo do processo eleitoral de 2018 e a eleição de um neofascista e defensor de milicianos naquele pleito presidencial são fatos concatenados, que representam grave revés ao Estado Democrático de Direito no Brasil. Assim como a escancarada politização de vários setores do Sistema de Justiça, que passaram a denegar a própria Constituição e, com ela, princípios fundamentais do direito brasileiro e universal, para adotar práticas de lawfare com o fito de perseguir e punir adversários políticos, ideológicos ou partidários.
Como corolário, o Brasil tem hoje um presidente que despreza a soberania nacional, faz pouco caso dos direitos humanos e afronta a democracia e suas instituições. Como se fosse pouco, ainda induz ao risco, de forma criminosa, a população brasileira, tentando convencê-la a não se proteger adequadamente contra a pandemia do novo coronavírus, maior e mais letal desafio da humanidade, desde a segunda guerra mundial.
Em memória dos que caíram em luta pelo restabelecimento das liberdades democráticas, enfrentando, com desassombro, uma máquina de prender, torturar e matar, hoje e sempre é preciso bradar, em alto e bom som: tortura jamais, ditadura nunca mais!
* Em homenagem a Carlos Minc, meu duplo colega deputado e professor.
** Professor da UFF e Deputado Estadual (PT-RJ).