Jurista aponta problemas na PEC da 2º Instância, mas apoia alterações do relator
Membro do Ministério Público por 28 anos, Lenio Streck foi ouvido pelos deputados por videoconferência
24/03/2020 – 20:08
Agência Câmara — O jurista e advogado Lenio Streck apresentou nesta terça-feira (24) criticas à proposta de emenda à Constituição em análise na Câmara dos Deputados que prevê o cumprimento imediato de pena pelo réu condenado em segunda instância (PEC 199/19).
Em razão da pandemia provocada pelo coronavírus (Covid-19), a reunião foi realizada por videoconferência e contou com a participação dos deputados Marcelo Ramos (PL-AM), presidente da comissão especial que analisa a proposta; Fabio Trad (PSD-MS), relator da PEC; Alex Manente (Cidadania-SP), autor; Henrique Fontana (PT-RS), que propôs o debate; e Joaquim Passarinho (PSD-PA).
Segundo Streck, ao transpor o conceito de trânsito em julgado para a segunda instância, a PEC restringe o direito do réu à presunção de inocência e descarateriza os tribunais superiores como responsáveis por revisar e uniformizar as decisões das demais cortes do País.
Hoje, o texto constitucional estabelece que o réu só pode ser considerado culpado – para fins de condenação – após o trânsito em julgado, ou seja, após o esgotamento de recursos em todas as instâncias da Justiça, o que envolve a análise de recursos pelos tribunais superiores, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Streck também criticou qualquer comparação com Portugal e Alemanha, onde o cumprimento de pena após a segunda instância já ocorre, assegurando o direto a recurso aos tribunais superiores. “Portugal e Alemanha possuem um sistema colegiado já em primeiro grau, aqui temos a decisão monocrática de apenas um juiz”, disse.
Autor da PEC, o deputado Alex Manente disse que a presunção de inocência está preservada no texto. “Estamos apenas trazendo o conceito de trânsito em julgado para a segunda instância”, disse. “Temos um Brasil que adia as condenações em excesso, por até 30 anos, especialmente daqueles que tem poder e influência”.
Medidas cautelares
Membro do Ministério Público por 28 anos, Streck citou casos concretos e questionou, por exemplo, como uma decisão de segundo grau inconstitucional poderá ter validade imediata. “Uma decisão inconstitucional não pode ser considerada coisa julgada”, pontuou. Ele sugeriu a Trad, relator da PEC, que o texto permita medidas cautelares em ações revisionais, para evitar evitar o cumprimento imediato de condenações com falhas processuais. Segundo Trad, essa é uma das alterações que já tem consenso na comissão.
O texto da PEC acaba com os recursos extraordinário e especial, respectivamente, ao STF e ao STJ, mas admite que o réu apresente novas ações, em caráter revisional e com os mesmos requisitos para a apresentação dos antigos recursos. A ação revisional, no entanto, não impede que a pessoa condenada em segunda instância inicie o cumprimento da pena.
Apesar das críticas, Streck concordou com as demais alterações que devem ser incluídas no texto pelo relator por consenso. Uma delas estabelece que, se aprovada, a PEC deverá valer para a área penal e cível, abrangendo a Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar, e não apenas a Justiça Comum, como previsto originalmente. Essa ampliação foi defendida também pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, e pelo ex-ministro do STF, Celso Peluso, já ouvidos pelo colegiado.
Processos já iniciados
Trad também deverá propor que as alterações só sejam aplicadas a processos iniciados após publicação da nova emenda constitucional. O ministro Sérgio Moro foi o único entre os ouvidos que defendeu a validade das medidas para processos em andamento. Os membros do colegiado também concordam que, em caso de julgamento em que o tribunal é a primeira instância, deverá ser assegurado o direito a recurso ordinário.
O presidente da comissão, deputado Marcelo Ramos lembrou que a PEC 199/ 19 surgiu como uma tentativa de evitar instabilidades na interpretação do STF sobre a presunção de inocência. “A Camara não pode é não fazer nada sobre esse tema, sob pena de o STF mudar a interpretação novamente”, disse ele.
Entre 1988 e 2009, a execução da pena após segunda instância era permitida. Em 2009, porém, o Supremo passou a exigir o trânsito em julgado. Em 2016, o entendimento voltou a ser o que permitia. No último julgamento, em 2019, a Corte Suprema decidiu que o cumprimento de pena só deve ser obrigatório após o esgotamento dos recursos.
Nova audiência
Trad destacou, por fim, que a comissão ouve amanhã, também por videoconferência, o ex-presidente do Supremo Nelson Jobim, e o professor de Direito Civil Georges Abboud. “Depois disso, creio que estou pronto para apresentar meu relatório em um prazo de até 15 dias”, disse.
Reportagem – Murilo Souza
Edição – Geórgia Moraes