O que fazer com Bolsonaro?

Charge: Aroeira

Pipocam nas redes depoimentos de italianos e até mesmo de brasileiras(os) que vivem na Itália, alertando o resto do mundo sobre a gravidade do que se passa na velha bota. Sua mensagem é basicamente a seguinte: não menosprezem o novo coronavírus.

Uma brasileira conta que nos primeiros dias as pessoas não abriram mão de seus afazeres cotidianos, não deixaram de dar suas saidinhas para a rua. Pouco tempo depois, o país vive um cenário de filme de terror: quarentena mandatória para todos.

Em outro vídeo, italianos mandam mensagens para as versões de si mesmos de 10 dias antes e dão conselhos que servem para o mundo todo. “Sabe ‘o pior cenário possível’? É exatamente o que vai acontecer”, diz uma mulher. “Jovens da nossa idade estão entubados, em terapia intensiva”, adverte um jovem. “Não é apenas uma gripe”, “só vá para a rua se for indispensável”, “nós não levamos isso a sério o suficiente”…

Na Espanha também há quarentena obrigatória para os cidadãos, que podem sair de casa apenas em situações específicas, como para comprar comida ou passear com o cachorro. No Brasil, foi confirmada a primeira morte de uma pessoa infectada pelo vírus e os casos seguem aumentando (temos 291 confirmados até o momento).

Enquanto isso, Jair Bolsonaro, o presidente do país, prossegue em sua louca cavalgada negacionista. Depois de sair do isolamento determinado pelos médicos e entrar em contato direto com quase 300 apoiadores no último domingo, dia 15, hoje (17) ele novamente minimizou a gravidade da pandemia — “histeria” — e disse que fará uma “festinha tradicional” para comemorar seu aniversário, no próximo final de semana. (Detalhe: por volta de 5% dos casos confirmados do país inteiro são de pessoas que estavam em sua comitiva na recente viagem aos EUA.) Caso tudo isso fosse um filme, consideraríamos a postura do vilão caricata demais. Inverossímil.

A recomendação da OMS é evitar aglomerações. Mas Bolsonaro, do alto de sua sapiência epidemológica, ainda não se conformou com o cancelamento dos campeonatos de futebol:

Quando você proíbe o jogo de futebol, o cara que vende o chá-mate ali na arquibancada, o cara que guarda o carro lá fora, perdeu o seu emprego. Ele, que já não vive muito bem, porque está na informalidade, vai ficar sem um ganha-pão e vai continuar se virando, correndo atrás de ganhar a vida em outro [lugar], continuar transitando no meio da população como um todo. E vai ter mais dificuldade, e em tendo mais dificuldade come pior; acaba não comendo adequadamente, ele fica mais debilitado. Em o coronavírus chegando nele, tem uma tendência maior de ocupar um leito hospitalar”.

Além do peculiar raciocínio estratégico para combater o vírus, destaca-se na fala do presidente a admissão de que quem trabalha na informalidade “já não vive muito bem”. Um escárnio, tendo em vista que Bolsonaro é o presidente mais anti-CLT da história.

Sua insanidade potencialmente homicida gera visíveis efeitos catastróficos para os planos de contenção do coronavírus. A proliferação do menosprezo à pandemia é facilmente verificável, bastando uma rápida pesquisa nas redes sociais para se encontrar um sem número de comentários nesta linha. Teorias estapafúrdias misturando China, EUA e geopolítica internacional ocupam o lugar do que deveria ser um chamado coletivo à responsabilidade e à solidariedade.

A lista de conservadores que condenaram os atos em apoio ao governo do último domingo e as ações tresloucadas de Bolsonaro é longa. Ronaldo Caiado pediu o fim da manifestação em Goiânia e foi embora sob vaias. Rodrigo Maia disse que o presidente cometeu um atentado à saúde pública. Davi Alcolumbre afirmou que estimular aglomerações é uma atitude inconsequente. Janaína Paschoal, que quase foi vice na chapa de Bolsonaro, pediu sua queda:

Como um homem que está possivelmente infectado vai para o meio da multidão? […] Ele está brincando? Ele acha que pode tudo? As autoridades têm que se unir e pedir para ele se afastar. Não temos tempo para um processo de impeachment.

Acontece que pedir para um sociopata se afastar do seu cargo de poder para que não cometa mais barbaridades não soa como uma medida lá muito efetiva. As palavras duras de Maia e Alcolumbre, por sua vez, não resultaram, até agora, em qualquer ação prática exceto um suposto (e tímido) remanejamento de recursos do poder executivo

Sendo assim, o que fazer com o zumbi perigoso que ocupa a cadeira presidencial?

Um editorial da Folha sugeriu que os ministros “ainda lúcidos”, como o da saúde e o da economia, articulem-se diretamente com os presidentes da Câmara, do Senado e do STF, além dos governadores dos estados, para o combate à pandemia. (Para a Folha, Paulo Guedes, cujas propostas de urgência para o enfrentamento do coronavírus foram, inicialmente, a venda de estatais e um desmonte ainda maior dos serviços públicos, é uma pessoa lúcida, e não outro sociopata, como um desavisado poderia pensar.) Houve inclusive uma reunião entre a cúpula dos poderes da República ontem, com a presença do ministro da saúde, que pareceu um indicativo deste caminho.

É positivamente vergonhoso, entretanto, que políticos, instituições e veículos da grande mídia submetam-se dessa forma a um presidente sem as mínimas condições de ocupar seu cargo. Onde foi parar a coragem demonstrada diante das gravíssimas “pedaladas fiscais” de Dilma Rousseff? Reinaldo Azevedo chamou Bolsonaro de “espalha-vírus arruaceiro” e listou os crimes de responsabilidade e comuns cometidos pelo presidente no último domingo. Motivos para sua queda não faltam. Mas é mais fácil ser corajoso quando o comandante máximo do país não é ligado a milícias, a setores do exército e a uma horda abertamente fascista de apoiadores, claro está…

Um processo de impeachment a uma hora dessas seria, de fato, complicado. Eventual ação penal deveria ser proposta pelo PGR, Augusto Aras, nomeado por Bolsonaro; ou seja, é improvável que aconteça.

A manutenção do espalha-vírus arruaceiro na presidência, contudo, pode provocar um aumento sensível do número de infectados e mortos. Um legítimo presidente-zumbi.

Não vislumbro uma solução minimamente razoável. Talvez isolá-lo e constrangê-lo a não atrapalhar muito seja mesmo o que de melhor se possa fazer, por enquanto, muito embora sua atitude de domingo clame, grite, implore pelo impeachment. 

Que esta distopia na qual entramos — e não temos data para sair — seja didática para muitos dos que deram suas contribuições, em maior ou menor grau, direta ou indiretamente, para a eleição de um completo imbecil para a presidência do país.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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