O impeachment e o dilema da oposição

Por Theófilo Rodrigues


A notícia de que o presidente Jair Bolsonaro enviou mensagens convocando para ato por fechamento do Congresso Nacional e do STF, o que configura crime kde responsabilidade, reacendeu a tese do impeachment. Ex-presidentes como Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, o decano do STF, Celso de Mello, e governadores como João Doria e Flávio Dino expressaram em suas redes sociais o repúdio ao ato de Bolsonaro. Mas será que esse repúdio se expressa em apoio da oposição ao processo de impeachment?


Antes de mais nada é preciso compreender que a oposição não consiste em um campo político homogêneo. Há uma oposição de centro-direita, que concorda com a agenda econômica do governo, mas discorda das pautas conservadoras e autoritárias, e uma oposição de esquerda que discorda tanto da agenda econômica quanto da cultural, social e política. As táticas, portanto, também podem ser distintas.

Para a oposição de centro-direita, o impeachment tem a desvantagem momentânea de adiar as privatizações e a reforma administrativa e tributária que estão programadas para 2020. Mas, por outro lado, tem a vantagem de criar um cenário mais tranquilo para a implementação de toda essa agenda neoliberal a partir de 2021.


Para a oposição de esquerda, a abertura do processo de impeachment tem a vantagem de adiar as privatizações e a reforma administrativa e tributária para 2021, impedir o avanço do autoritarismo e proteger a democracia ao impedir o fechamento do Congresso e do STF. Mas tem a desvantagem de criar um novo governo de direita, sob a liderança de Hamilton Mourão, com maior aceitação na sociedade e maior chance de reeleição em 2022. Esse é o cenário que informa o dilema que a oposição progressista enfrenta no momento: escolher entre a “hipótese Itamar” e a “hipótese do sangramento”.


A “Hipótese Itamar” parte da seguinte questão: Bolsonaro é tão perigoso que precisa ser tirado do governo agora, mesmo que isso signifique a eleição da centro-direita em 2022? A hipótese tem esse nome, pois reproduz a lógica do início da década de 90. Após aprovar o impeachment de Collor em 1992, Itamar assumiu o governo e permitiu a eleição e reeleição de Fernando Henrique Cardoso. A esquerda que liderou o impeachment foi escanteada e o Brasil passou pelo longo período neoliberal da década de 90. Mourão seria o novo Itamar?


A “Hipótese do sangramento” é alimentada por outra questão: não seria melhor deixar Bolsonaro levando pancada no governo até o fim para eleger um governo progressista em 2022? Essa foi a tática adotada pelo PSDB em 2005, após o caso do mensalão. Naquela ocasião ficou conhecida a proposta dos dirigentes tucanos de que, em vez do impeachment, era melhor deixar o governo Lula sangrar até 2006, quando o PSDB então venceria a eleição. Como a história nos mostrou, a tática tucana foi equivocada e Lula não só foi reeleito em 2006, como o PT ainda elegeu e reelegeu Dilma nas duas eleições seguintes.


A história não se repete, bem sabemos. Mas antes de avançar por qualquer um dos dois caminhos é bom refletir sobre suas possíveis consequências. Seja como for, no momento nada é mais importante para a democracia brasileira do que interromper o avanço autoritário do governo Bolsonaro.

Theófilo Rodrigues é cientista político.

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