Uma notícia publicada ontem por Vera Magalhães, colunista no Estadão e nova âncora do programa Roda Viva, da TV Cultura, de que Bolsonaro divulgou um vídeo, em suas redes sociais, convocando para um ato no dia 15 de março “em todo Brasil”, produziu uma onda de protestos na oposição.
O vídeo divulgado por Bolsonaro é esse:
Em seguida, a mesma jornalista divulgou que o presidente divulgou um outro vídeo, ainda mais tosco:
A indignação, por parte de oposição, se dá porque as chamadas do ato são explicitamente autoritárias: não se trata de uma manifestação apenas em favor do presidente Bolsonaro, mas sobretudo contra o congresso nacional e o Supremo Tribunal Federal, vistos pelos apoiadores do presidente (com razão, eu diria), como freios aos poderes e vontades do Executivo.
Se fosse apenas um ato em favor do presidente, não haveria problema. Se fosse apenas um ato contra o congresso nacional, isso também faz parte do jogo. No entanto, o que provocou calafrios em analistas e políticos atentos aos movimentos de Jair Bolsonaro é uma conjugação um tanto perigosa de símbolos.
A propaganda do ato no dia 15 enfatiza o papel das Forças Armadas, num movimento de expurgo dos presidentes das duas Casas legislativas: Rodrigo Maia e David Alcolumbre.
Essa mistura de símbolos fez a oposição reagir com muita força, e já não mais apenas à esquerda. Abaixo, alguns tweets divulgados nas últimas 24 horas:
Isso para citar apenas alguns nomes.
O objetivo de Bolsonaro é evidente: emparedar e intimidar o congresso nacional, o judiciário e a imprensa, os únicos entraves a seu poder absoluto.
Mas a sua loucura tem método. Ao optar por uma estratégia de confronto permanente, ele controla a agenda política, pauta a própria oposição e alimenta um discurso preventivo para eventuais denúncias que houverem contra si, contra sua família e contra seu governo.
Qualquer denúncia, crítica ou análise negativa de sua administração passam a ser vistos como ação golpista contra um presidente “amado” por seus eleitores.
Bolsonaro inicia um movimento golpista para acusar de golpismo seus opositores.
O primeiro vídeo divulgado por Bolsonaro fala, sob uma trilha sonora heroica, que ele “está enfrentando a esquerda corrupta e sanguinária”, e que “ele sofre calúnias e mentiras por fazer o melhor para nós”. Em seguida, o vídeo diz que “ele é a nossa única esperança de dias melhores”.
Por fim, o texto convoca: “vamos mostrar que apoiamos Bolsonaro e rejeitamos os inimigos do Brasil”.
É, de fato, um texto perigoso. Hoje sabemos que, momentos antes do senador levar dois tiros no peito, de uma arma calibre 40, disparados por um dos policiais amotinados em Sobral, um dos principais apoiadores do motim, o deputado estadual André’Fernandes (PSL-CE), almoçava com o presidente Jair Bolsonaro.
Essas coisas não são coincidência.
O presidente Bolsonaro, até o momento, não fez uma mísera declaração de repúdio aos motins policiais no estado, nem expressou a menor solidariedade a um senador que sofreu tentativa de homicídio qualificado. O ministro da Justiça, Sergio Moro, também mantém um silêncio cúmplice. O envio de tropas federais ao estado não foi acompanhado da necessária decisão de reprimir e punir os policiais amotinados.
Se o presidente divulga um vídeo afirmando que luta contra uma “esquerda corrupta e sanguinária” e contra “os inimigos do Brasil”, se almoça com lideranças do motim das polícias, se não se posiciona claramente contra esses motins, a mensagem que se passa é que se pode atirar e matar parlamentares de esquerda!
Bolsonaro vive um momento de particular arrogância. Sua aprovação ganhou alguns pontos nos últimos meses, em virtude de uma tímida recuperação econômica, e agora ele acha que pode tudo.
Entretanto, é importante lembrar aqui que a política também possui suas leis próprias, e não são muito diferentes daquelas que governam o restante do universo.
Um dos mais belos, profundos e fundamentais princípios da natureza está expresso na Terceira Lei de Newton.
É uma lei que aprendemos no colégio, e que hoje se tornou tão incorporada a nossos conhecimentos básicos que ficou associada a uma espécie de noção infantil, perdendo com isso sua força e sua profundidade.
A sua constrangedora simplicidade igualmente conspira para não lhe darmos a importância devida.
E, no entanto, os mais brilhantes físicos contemporâneos, ganhadores de prêmios Nobel, cientistas festejados por suas teorias ultrasofisticadas sobre os fundamentos da matéria, diretores de centros de pesquisa que movimentam dezenas de bilhões de dólares, todos até hoje reverenciam Isaac Newton e a elegante simplicidade de suas leis.
As descobertas de Albert Einstein sobre a relatividade corrigiram alguns desdobramentos das teorias newtonianas, mas o edifício do “Principia Mathematica” se manteve de pé. Os mais geniais professores de física quântica ainda baixam sutilmente a voz, num sinal involuntário de respeito, quando mencionam o nome de Isaac Newton!
E o que diz a Terceira Lei de Isaac Newton?
Ela diz que, para toda ação, há uma reação igual! Simples assim!
Abaixo, o texto original da III Lei de Newton, numa tradução livre minha de uma versão em inglês de 1846.
LEI III
Para cada ação, se oporá sempre uma reação igual: ou as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre as mesmas, e dirigidas a sentidos contrários.
O que puxa ou empurra o outro é da mesma maneira puxado e empurrado por esse outro. Se você pressiona uma pedra com seu dado, o seu dedo também é pressionado pela pedra. Se um cavalo puxa uma pedra atada a uma corda, o cavalo (se me permite dizê-lo) também será igualmente puxado de volta na direção da pedra: pois a corda tensionada, pela mesma tendência de relaxar a si mesma, tanto irá puxar o cavalo na direção da pedra, como a pedra na direção do cavalo, e irá obstruir o progresso de um assim como o avanço do outro.
Se um corpo se choca contra outro, e por sua força altera o movimento do outro, este corpo também (por causa da igualdade da pressão mútua) irá sofrer uma alteração igual, em seu próprio movimento, na direção contrária.
E o que tem isso a ver com Bolsonaro?
Ora, tudo!
Cada pressão que Bolsonaro exercer contra o Legislativo, o Judiciário, a imprensa, a democracia enfim, o Legislativo, o Judiciário, a imprensa, a democracia também exercerão contra Bolsonaro.
Muitos temem um eventual golpe militar e uma nova ditadura. Embore eu ache muito difícil isso acontecer, acho que isso constituiria a expressão máxima do que chamamos aqui de pressão contra a democracia. O resultado seria uma resposta, na mesma força, da própria democracia, com eventual prisão de todos aqueles envolvidos no golpe, além de alterações estruturais de todo o sistema, de maneira a evitar novas crises similares.
A reação crescente a que estamos assistindo, vindo de tantos lados, nada mais é do que a consequência das violências crescentes do presidente Jair Bolsonaro às instituições democráticas.