Olá, excelentíssimo Ministro da Economia, tudo bem?
Meu nome é Diego, casado, tenho 2 filhos e sou um parasita, aliás, sou funcionário público. Evangélico, batista, amo Deus e a minha família, pilares do governo para o qual o senhor trabalha. Ouvi sua declaração sobre empregadas domésticas irem à Disney e gostaria de te contar como funcionam realmente as coisas “aqui embaixo”.
Eu estudei a vida inteira em escolas públicas. No Fundamental, foram duas escolas municipais de Belo Horizonte. No Ensino Médio, após um esforço dos meus pais (uma dona de casa e um representante comercial que sequer tem o ensino médio completo), que pagaram um cursinho preparatório, consegui uma vaga no Colégio Técnico da UFMG. Depois disso, um cursinho de vestibular e lá estava eu de volta à UFMG.
Quando o curso começou, pedi aos meus pais para sair do trabalho e me dedicar apenas aos estudos. Naquela época, eu sonhava em seguir carreira acadêmica. A princípio eles concordaram, mas as circunstâncias pediram que eu voltasse ao trabalho, já que meus pais precisavam investir nos estudos dos meus dois irmãos mais novos. Na mesma semana, recebi duas ofertas: a bolsa de iniciação científica que eu tanto desejava e uma convocação em um concurso público que havia feito. Contrariado, escolhi a convocação.
Independentemente da insatisfação daquela época, não posso negar: foi a minha carreira no serviço público que permitiu muitas conquistas. Tive apoio e reconhecimento de pessoas fantásticas. Passei por governos de vários partidos diferentes: PSDB, PP, PT e, agora, NOVO. Vale ressaltar que sou empregado de empresa pública, não tenho estabilidade. É importante dizer isso, para diferenciar dos outros parasitas.
O senhor pode estar se perguntando: “O que diabos tudo isso tem a ver com as empregadas domésticas fazendo farra na Disney?”. Pois bem, eu citei aí atrás que o meu emprego permitiu conquistas, certo? Uma delas foi exatamente minha viagem para a Disney, em 2012.
Ministro, talvez o senhor não entenda, já que viajar ao exterior é algo tão corriqueiro. Para nós, não-milionários, ir ao exterior é uma grande vitória. Não é a tôa que a foto de perfil da rede social de tanta gente tem como pano de fundo pontos turísticos famosos pelo mundo afora. É difícil, sabe!? Eu sonhava com essa viagem desde que era um moleque, com 8 anos. Eu assistia os vídeos promocionais que passavam nas fitas VHS, antes do início dos desenhos, e imaginava se um dia conseguiria realizar esse sonho. Fita VHS que nós assistíamos porque tínhamos o privilégio de comprar um videocassete de 7 cabeças, através de um consórcio. O senhor já precisou fazer consórcio?
Bom, em 2012, durante um ano exatamente, eu e minha esposa poupamos muito para realizar esse meu sonho. Ao lembrar de todo o sacrifício que fizemos, eu fiquei me perguntando como seria possível para uma empregada doméstica abdicar das mesmas coisas. Vale dizer, que eu tenho noção do que é sacrifício para mim. Sacrifício para uma pessoa como eu é deixar de almoçar no restaurante todos os finais de semana, diminuir a conta de TV à cabo, deixar de trocar o celular por um mais moderno, fazer churrasco, ir ao cinema. Será que o senhor sabe que o sacrifício da empregada doméstica não é esse? Claro que sabe, o senhor é ministro da Economia, ora bolas.
Sabe, né?
Eu confesso que não me preocupei se havia muitas empregadas domésticas ou empresários sonegadores no voo até Miami, eu estava empolgado demais. Mas talvez elas estivessem lá, na terceira viagem do ano. Como era minha primeira vez, confesso que não tive essa percepção.
Em 2015, voltei à Orlando, desta vez para levar o meu primeiro filho e cumprir uma promessa. Foi muito legal! Mas precisei de um ano e meio para planejar a viagem. Levei minha sobrinha também, que sonhava conhecer os parques. A mãe dela e várias pessoas da família se juntaram para pagar a viagem. Queria ter levado minha irmã, mas meus pais não conseguiram ajuda-la. Eles estavam tendo altos custos com a faculdade dela que, à época, estuda odontologia através de uma bolsa do Prouni, 100%. Infelizmente os custos extras, além da mensalidade, eram altos demais e ela teve que abandonar o curso e o sonho de se formar na área. Mas isso é só mimimi de quem não se esforçou o bastante.
Eu não sei se as empregadas domésticas continuaram indo 3, 4 vezes ao ano para a Disney naquela época, mas sei que precisei de 3 anos para voltar. Há cinco anos eu tento retornar, mas as prioridades foram mudando e está bem mais difícil. O dólar alto não atrapalha, não se preocupe. Eu tenho total noção de todos os meus privilégios e prefiro que o senhor se preocupe com coisas mais importantes, tipo vender logo todo o nosso patrimônio para pagar os juros da dívida pública [isso é ironia].
Mas tenho que confessar: esse ano, eu queria muito ter levado a minha outra filha para a Disney, mas o orçamento não nos permitiu. Fomos ao Beto Carrero, como o senhor sugeriu. Também não foi muito barato, mas conseguimos pagar. Mas eu não vou lamentar isso não. Tem muita gente sonhando mesmo é com um emprego que os permita comer. Parasitas, como eu, não precisam de muito para viver.
Best regards!
Diego Vargas