Debate moral: vamos colecionar mais uma derrota acachapante
Por Arison Fernandes
Muito me preocupa as seguidas derrotas que estamos sofrendo (todos que não votaram na plataforma eleitoral de Bolsonaro). Viramos meros contempladores de derrotas. Observamos tudo pacificamente e não sabemos como e quando reagir. Todo aparato de resistência popular está atônito e, mesmo após a tão comemorada liberdade de Lula, a inércia é total.
Mas esse não é o foco da reflexão.
O debate atual de certos setores da dita “esquerda” e “campo progressista” é sobre o pronunciamento e proposta da ministra Damares sobre abstinência sexual.
A perplexidade foi praticamente unânime entre esses setores. A rejeição foi natural e a propaganda dela também. Todos os pseudo vanguardistas sexuais, os teóricos do amor livre e da concepção de poligamia revolucionária deram as caras. O debate caiu como uma luva para eles. E, para nossa infelicidade, caiu como uma luva para a direita também.
Não sei se por má fé, por pura inocência ou excesso de vaidade, mas é certo que cair nessa disputa narrativa não irá agregar nada mais do que “likes” de uma bolha que debate isso há anos e ainda não conseguiu “convencer” os amplos setores da sociedade com suas “iluminadas” teses.
Entretanto, ao olhar para os resultados práticos da tática dos falsos moralistas, observamos a eficácia do método. A finalidade é atingida.
A postura da Ministra, que por vezes é tida como chacota por nós, está garantindo pra ela o posto de segunda pasta mais importante em termos de reconhecimento popular. Damares é hoje, depois de Sérgio Moro, a segunda mais popular e mais bem avaliada do governo. Os portais de notícias ligados ao bolsonarismo já cogitam candidatura dela graças a essa popularidade. Dizem eles que só depende dela.
Ora, por que a notoriedade dela cresceu tanto? Será que é apenas por causa do aparato religioso que há por trás?
Damares cresce em popularidade porque sua pauta é a moral. Ela e sua equipe, por estar nos círculos religiosos, conseguem fazer a leitura certa da moral “média” dos trabalhadores. Eles se conectam diretamente com os incômodos morais e interpretam isso em bravatas nos discursos, materializando nas práticas ministeriais. Eles se aproximam, escutam e trabalham em cima disso. Fazem o que não fazemos.
E resumir esse resultado ao público evangélico é um erro grotesco. Só denuncia quanto esse campo que roga ser o defensor dos interesses dos trabalhadores, em nada entendem este sujeito. Nada entendem de disputa ideológica.
Acreditam que o fato da comunidade escutar e dançar o “passinho” é suficiente, como se essas canções significassem algo além da hipersexualização dos jovens e crianças, para a disputa moral. Se não acham suficiente, compreendem e fazem malabarismo para enquadrar isso numa espécie de etapa da disputa moral. Cretinice pura. Em nada isso muda a realidade moral média da classe trabalhadora. Ela hoje pode ouvir o passinho, mas amanhã vai concordar com Damares quando ela vier com suas frases de efeito e suas propostas de abstinência sexual.
O trabalhador vive numa disputa moral, ética, espiritual e, consequentemente, ideológica todos os dias. Freneticamente. É natural sua oscilação, é natural um caráter dual entre aquilo que é degenerado e o que é novo (entendendo o novo como o máximo desenvolvimento do espírito de solidariedade, hombridade, ética). É por entender e por saber trabalhar com esse fenômeno que eles estão ganhando. Podemos até entender, acredito que uma parte até se esforça pra entender e formular, porém, não estamos sabendo trabalhar.
E a prova cabal disso é o uso de materiais, formulações, vídeos, etc. produzidos pela esquerda como contrapropaganda da própria esquerda.
Não sabemos como contra atacar porque não temos uma proposta concreta para esses problemas. Perdemos e vamos continuar a perder por não dialogarmos com a espiritualidade dos trabalhadores. Será uma derrota acachapante porque nossos métodos são medíocres, restritos a setores “iluminados” e acadêmicos. Vamos perder porque a “lacração” não contagia a consciência das famílias que estão tensionadas para que seus filhos não sejam pais cedo. Por que se forem, como vão dar de comer? Como garantir o sustento? Como garantir a escola? E se ficar doente? É por isso que o discurso da abstinência sexual caiu como uma luva.
Se a esquerda continuar nessa rota, como diria Lênin, só vos resta o pântano. Larguemos as mãos, deixemos eles irem e se lambuzarem no pântano do vanguardismo, do niilismo e da degeneração moral. Esse é o lugar dos liberais da esquerda e de toda direita.
Nós que desejamos ser consequentes e interpretar da melhor maneira esse fenômeno, precisamos sempre estarmos conectados com a moral proletária e ouvi-lá. Precisamos nos dispor a sair da posição de superiores e iluminados. Se colocando ombro a ombro e, com exemplo, o convencendo que a ordem vigente é decadente e geradora de todos os problemas que o atingem. Para além disso, precisamos apresentar soluções concretas para os problemas concretos. Disputando e fazendo uso da política real como um dos meios para atenuar ou até mesmo solucionar seus problemas mais urgentes.
Arison Fernandes é diretor de formação política da Fundação Leonel Brizola- Alberto Pasqualini/ PE (FLB-AP/PE)