Um dos piores problemas da economia brasileira é a sua incrível falta de integração.
Um governo com aspirações “liberais” deveria ter, como uma de suas principais preocupações, a construção de um sistema econômico mais interconectado, que permitisse o aumento da produtividade e competitividade da produção nacional.
Mas não é o que acontece. Aqui o governo não tem um olhar holístico para nada. Suas ações são sempre fragmentárias.
A decisão da Petrobrás de “hibernar” ou simplesmente fechar importantes fábricas de fertilizantes, como aconteceu há pouco com a unidade do Paraná, vai inteiramente na contramão dos interesses econômicos do maior sócio da estatal, a União.
Na medida em que a economia brasileira se torna cada vez mais dependente do agronegócio, o mínimo que se esperaria de um governo comprometido com o interesse nacional, seria elaborar políticas públicas que visassem assegurar não apenas a manutenção da competitividade internacional do setor, como também sua autonomia e segurança produtiva.
Uma das características mais importantes dos setores modernos do agronegócio brasileiro é o uso intensivo de fertilizantes, porque ele permite elevar a produtividade.
O fertilizante representa, para a planta, o que a ração representa para o boi, e o que a comida representa para o ser humano. Diante da baixa fertilidade das terras brasileiras, os empresários agrícolas, grandes, médios ou familiares, vem apostando cada vez mais no uso de fertilizantes. Tanto é que estes já representam o principal custo de produção no agronegócio.
Diante disso, é absolutamente incompreensível que o governo brasileiro não tenha uma política de fomento à produção nacional de fertilizantes.
Ao contrário, o governo, através da Petrobras, vinha criando deliberadamente dificuldades às suas próprias fábricas de fertilizantes, porque o gás fornecido às unidades era vendido a um preço alto, e não havia uma estratégia comercial inteligente e integrada à política agrícola nacional.
De um lado, o governo Bolsonaro oferece crédito subsidiado de R$ 226 bilhões à agricultura, conforme anunciado em 2019 para o ano-safra de 2020, e de outro fecha fábricas de fertilizantes que poderiam integrar uma estratégia para reduzir os custos de produção do setor. Qual o sentido disso?
Não se trata mais aqui de achar culpados. A crise econômica nacional requer magnanimidade e olhar para o futuro.
Vamos examinar os dados.
As despesas brasileiras com a importação de fertilizantes atingiu o recorde dos últimos cinco anos, consumindo US$ 9,33 bilhões, alta de mais de 6% sobre o ano anterior, e correspondente a 5% de tudo que o Brasil importou no período.
A importação de fertilizantes só não custou mais que a importação de derivados de petróleo, que nos consumiu US$ 13 bilhões; aliás, essa despesa também poderia ser bastante reduzida se a Petrobras estivesse comprometida com um projeto nacional de reindustrialização do país.
Pelo gráfico, pode se ver o aumento dramático das despesas com importação de fertilizantes nos últimos anos.
Em quantidade, importamos quase 35 milhões de toneladas em 2019, o triplo do que importamos há apenas 10 anos, e um recorde histórico.
Temos duas fontes para esses números.
Uma delas, usada acima, é o sistema Comexstat, o banco de dados público da Secretaria de Comércio Exterior.
Usamos a classificação CUCI grupo, nas categorias 562 (adubos) e 272 (fertilizantes).
A outra fonte é a Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), que faz um cálculo baseado no conceito de “fertilizantes intermediários”.
Segundo a Anda, a produção nacional de fertilizantes atingiu seu MENOR nível em 2019, ao mesmo tempo em que o CONSUMO de fertilizantes (fertilizantes entregues) bateu um recorde histórico. A demanda foi suprida, naturalmente, pela importação.
O Brasil nunca consumiu tanto fertilizante, e nunca produziu tão pouco…
Nos gráficos abaixo, podemos verificar a participação dos fertilizantes na composição dos custos de produção dos mais importantes produtos agrícolas produzidos no Brasil.
Soja
No caso da soja, os fertilizantes respondem por 24% do custo total, nos sistemas de precisão, e 22% no sistema convencional, segundo um estudo divulgado pela Embrapa.
Um outro estudo, da Conab, mais recente, estima que os fertilizantes respondem por quase 30% do custo de produção da soja.
Trigo
No caso do trigo, um produto fundamental para a cesta básica do brasileiro, por ser a matéria prima do pão e da farinha de trigo, os fertilizantes correspondem a 30% das despesas de custeio da lavoura. A produção brasileira de trigo tem patinado na produtividade, e sua rentabilidade ficou negativa em alguns anos.
Segundo um estudo da Conab, a produtividade da triticultura brasileira é uma das menores do mundo: uma média de 2,4 mil toneladas por hectare, contra 8,7 mil toneladas na Nova Zelândia e 6,8 mil toneladas na Zâmbia. O aumento da produtividade só poderia ser alcançado com uso intensivo de fertilizantes, o que apenas poderia ocorrer caso houvesse uma política governamental para reduzir o seu preço.
Café
No caso do café, que ainda é uma das culturas agrícolas que mais emprega no país, até porque suas características dificultam a mecanização total, como ocorre com a soja e o milho, os fertilizantes também compõem o principal custo. Em Luis Eduardo Magalhẽs, no oeste baiano, que tem uma cafeicultura bastante avançada, os fertilizantes corresponderam a 19% em 2016, mas o custo oscilou muito ao longo dos anos, justamente por causa de seu vínculo com dólar; em 2011, por exemplo, o custo do fertilizante chegou a 34%.
Milho
No caso do milho, os fertilizantes chegam a 41% do custo de produção, segundo estudo da Conab referente ao ano-safra 2013/14. Para efeito de comparação, o custo dos agrotóxicos foi de apenas 5,5%, o de sementes 10%, e operação com máquinas 8,6%.
Conclusão
Os fertilizantes compõem um elemento altamente estratégico e essencial no custo de produção do agronegócio brasileiro.
É importante entender que a produção agrícola nacional é pujante, mas nem sempre a situação econômica dos produtores é confortável, justamente porque seus custos de produção também costumam ser muito elevados, de maneira que eles obtém margens de lucro apertadas, não raro até mesmo negativas, razão pela qual existe uma demanda enorme, por parte do setor, por créditos bilionários do governo.
Se o custo de produção fosse menor, e mais estável, menos atrelado às oscilações do câmbio e do mercado internacional de fertilizantes, o produtor brasileiro teria mais renda, o governo, menos ônus, e os brasileiros, menos impostos.
Num eventual projeto nacional de desenvolvimento que vise modernizar e industrializar o nosso setor rural, é importante levar em conta a necessidade de reduzirmos a dependência externa num item absolutamente estratégico como o de fertilizantes.
A Petrobrás, como estatal, como empresa cujo sócio majoritário é o povo brasileiro, poderia integrar um projeto inteligente, moderno, para elevar a produção nacional de fertilizantes.
Para isso, naturalmente, não podemos fechar as poucas fábricas que temos no Brasil!