Diego Pautasso (1)
Tiago Soares Nogara (2)
Públicas e notáveis são as tensões que permeiam as relações entre Irã e Estados Unidos da América desde a revolução de 1979, que levou à implantação da República Islâmica. À época, a ditadura do Xá Reza Pahlavi recebia extensa assistência dos EUA – 24.000 americanos auxiliavam o regime nas mais diversas atividades -, visando fortalecer sua posição numa das fronteiras mais quentes da Guerra Fria. Para além de sustentar parte da aliança militar que estabelecia na região, o apoio ao Xá também advinha da necessidade de frear a onda nacionalista, instrumentalizada pelos comunistas, que há décadas ascendia nos territórios desta civilização, herdeira do milenar Império Persa. Afinal, não fora apagada da memória iraniana a chamada Operação Ajax – dirigida pela CIA e o M16 em 1953, dois anos após o parlamento nacionalizar o complexo petrolífero do país -, resultante na queda do então primeiro-ministro Mohammad Mossadegh e na execução de lideranças do partido comunista, o Tudeh, e do Partido Nacional.
Nas gigantescas manifestações de 1979, prevaleceu a força do fundamentalismo xiita, personificado na figura do Aiatolá Khomeini, derrotando a ditadura do Xá mas também a burguesia liberal e o próprio Tudeh, que, vinculado à URSS, disputava os rumos da revolução. Mesmo que distante do marxismo, o novo regime representava evidente ameaça aos interesses estadunidenses na região. Ainda na esteira das manifestações, a crise dos reféns americanos – na qual 52 estadunidenses foram mantidos reféns por um grupo de militantes islâmicos – potencializou as turbulências, ainda mais após a missão militar de resgate, tentada pelos EUA em 1980, fracassar de forma vexatória, ferindo também o orgulho nacional norte-americano.
O que interessa notar é que, destes eventos em diante, a rivalidade entre EUA e Irã apenas seria amplificada, repercutindo no conjunto das movimentações regionais no Grande Oriente Médio. De pronto, uma série de sanções unilaterais seriam adotadas pelos EUA, estabelecendo embargos comerciais ao Irã e pressionando terceiros países a fazerem o mesmo, ao tempo em que influenciava as coalizões da fratricida Guerra Irã-Iraque, que por 8 anos consumiria o regime xiita numa guerra santa contra o vizinho, então dirigido por Saddam Hussein. Da mesma forma, seria cessado todo e qualquer apoio dos EUA e das potências ocidentais ao programa nuclear iraniano – criado na década de 1950, e que vinha sendo potencializado com especial ajuda de EUA, França, Alemanha Ocidental, África do Sul e Israel. Progressivamente, a república islâmica se aproximaria de China e Rússia, após lapsos de cooperação com o Paquistão, para prosseguir com seu programa.
A influência exercida pelo Irã sobre agrupamentos políticos e militares no Líbano, Palestina, Síria, Iraque, Iêmen, Afeganistão, dentre outros, manteve uma espécie de Nova Guerra Fria no Grande Oriente Médio, que persiste até os dias atuais, com os iranianos antagonizando EUA, Israel e Arábia Saudita em diversos cenários. Mas foi na primeira década do século XXI que as escaramuças se acirraram: se por um lado os eventos do 11 de Setembro e a Guerra Global ao Terror desencadeada por Washington afirmaram o Irã no chamado Eixo do Mal, por outro a denúncia, de 2002, acerca de atividades nucleares não-supervisionadas no Irã acendeu o sinal de alerta sobre o programa nuclear do país. Para piorar, em 2003 a Coreia do Norte denunciaria o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), detonando seu primeiro artefato militar nuclear em 2006: mesmo parte do TNP, nada impedia que o Irã tomasse medida similar aos norte-coreanos.
Nesse quadro, seriam intensificadas as ondas de sanções unilaterais, por parte dos EUA, e multilaterais, com aprovação do Conselho de Segurança da ONU, ao Irã, visando obstar a evidente atividade nuclear clandestina em seu território, que poderia evoluir para além dos fins pacíficos então alegados. A China sempre buscou evitar a adoção de medidas que cerceassem as exportações energéticas iranianas, que ascendiam espetacularmente em direção ao gigante asiático, ao tempo em que a União Europeia também tergiversava, buscando meios de atingir uma solução pacífica, dados os investimentos que possuía, até então, no setor energético do país. Ainda assim, tanto as gestões do Conselho de Segurança quanto as de atores externos – como a Turquia e o Brasil na Declaração de Teerã, de 2010 – fracassaram, durante anos, em chegar a um acordo plausível para as partes. Quando atingido, acabava reprovado pelo parlamento iraniano ou por alguma das grandes potências envolvidas nas negociações.
Foi no contexto de inflexão da política externa estadunidense para o Oriente Médio que se chegou, finalmente, ao Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA), em 2015, impondo restrições ao programa nuclear iraniano que permitissem uma verificação confiável de suas finalidades pacíficas. Em contrapartida, o país veria retiradas as sanções de bloqueio financeiro e comercial às quais estava submetido, além de descongelar seus bilhões de dólares então retidos no exterior e voltar a ter permissão para a compra de aeronaves. No entanto, inúmeras seriam as repercussões do acordo no contexto geopolítico da região. Ao mesmo tempo em que abria portas para investimentos ocidentais no Irã (possibilitando reduzir a imensa ascendência econômica chinesa sobre este), também fortalecia estruturalmente o país, que vinha demonstrando imenso vigor na capacidade de exercer influência em outros importantes cenários do Oriente Médio. Ou seja, se por um lado abria as portas para os EUA dialogarem com o Irã visando a resolução de conflitos como os da Síria, Iraque e Afeganistão – possibilitando o cumprimento da promessa eleitoral de Obama, de gradual retirada das tropas estadunidenses destes sítios -, por outro afrontava estrondosamente os interesses de Israel e Arábia Saudita, ao verem um Irã fortalecido na Guerra Fria que paira sobre a região.
Valendo-se destas contradições, Donald Trump não titubeou em catalogar, ao longo de sua campanha, o JCPOA enquanto “o pior acordo do mundo”, enfatizando as cláusulas que gradualmente terminariam, em 15 anos, com as restrições inicialmente impostas. Cabe observar que o megaempresário sionista Sheldon Adelson, com profundos vínculos com o governo israelense de Benjamin Netanyahu, foi o principal doador individual nas campanhas eleitorais estadunidenses de 2016, atingindo a cifra de nada menos do que 82 milhões de dólares em doações para Trump e outras candidaturas do Partido Republicano. O primeiro país a ser visitado por Trump após sua eleição foi a Arábia Saudita, com a qual assinou o maior contrato de venda de armas da história dos EUA, chegando às cifras de cerca de 110 bilhões de dólares. É muito provável que Riad tenha colocado na mesa de negociações o isolamento de Teerã. O fato é que, em 2018, os EUA se retiraram do JCPOA, retomando as sanções unilaterais, ao tempo em que ameaçavam empresas e terceiros países que não fizessem o mesmo.
Hoje, Trump encontra-se emparedado por uma ofensiva oposicionista interna que avança em prol de um processo de impeachment. Ainda que debilitando o Irã com a retomada das sanções e o boicote aos acertos do JCPOA, as gestões do governo Trump parecem ter sido insuficientes para garantir a total lealdade de parte de seus mais importantes aliados, e financiadores, para os momentos decisivos que antecedem não apenas as votações do impeachment, mas também a próxima corrida eleitoral. Assim, além de adotar a agenda prioritária de parte de suas bases de sustentação, também recorre à histórica prática de criação do inimigo externo, tentando dar coesão à política doméstica estadunidense – artifício reiteradamente utilizado em tempos de disputas por reeleições.
No cenário externo, a incapacidade de imposição dos EUA em cenários como os da Venezuela, Síria e Coreia do Norte, além das sucessivas dificuldades nas rusgas com China e Rússia conformam um panorama de relativo fracasso das opções do governo. Na tentativa de ampliar sua presença no Oriente Médio, provocando fricções e convulsões, corre o risco de conformar novos alinhamentos regionais – repetindo casos como os que resultaram na inflexão da diplomacia turca, no fortalecimento da presença russa na Síria e na aproximação sino-iraniana, fruto das sanções ao programa nuclear do Irã. Num quadro internacional de instabilidade política e crise econômica, o brusco movimento que resultou no assassinato de Qasem Soleimani – em mais uma flagrante violação do direito internacional por parte dos EUA – conforma um panorama de profunda incerteza. Este evento deve ser percebido como resultante do entrelaçamento do conjunto destas contradições e tênues movimentações de aliados, inimigos e terceiros elementos que ainda não se posicionaram no tabuleiro.
Até o momento, apenas Israel se posicionou de forma mais veemente apoiando a gestão estadunidense. A discrição saudita em muito remete à hábil estratégia chinesa, que há décadas vem balanceando suas boas relações com Irã e Arábia Saudita, visando atraí-los para sua órbita pela via da preponderância comercial nos seus respectivos mercados. Os satélites iranianos nos demais países da região mantêm seus postos, aguardando orientações de um regime que acaba de perder uma de suas mais nobres figuras, um estrategista de difícil reposição: o homem que era comandante da unidade especial de guerra irregular e operações de inteligência, a Força Quds; que se somou aos esforços para liquidar o Estado Islâmico; e responsável pela articulação do chamado Eixo de Resistência, envolvendo forças políticas no Líbano, Síria, Iraque, Palestina, dentre outros.
A futurologia não é um exercício que costuma triunfar nas análises políticas. No entanto, algo evidente resta ressaltar. O Irã é herdeiro de uma civilização milenar, que resistiu às mais diversas invasões e privações. Contemporaneamente, encontra-se em franca oposição aos desígnios do mais poderoso país do mundo – economicamente e militarmente – há pelo menos quatro décadas. Àqueles que esperam por uma resposta rápida e desequilibrada: esqueçam. O sistema internacional passa por um explícito período de transição, no qual os EUA perdem progressivamente a capacidade de manter sua hegemonia, e a China aparece enquanto a mais forte candidata a ascender ao primeiro posto global, tendo no projeto da Nova Rota da Seda o baluarte de sua estratégia corrente. O Irã é um país-chave nisso tudo, não apenas pela questão energética, mas pela sua posição territorial crucial para a integração Eurasiática. Nos últimos anos, o país logrou importantes vitórias na Síria e no Iraque, colaborando robustamente no esfacelamento do temido Estado Islâmico.
Com certeza, um contra-ataque será orquestrado. No entanto, não virá em 280 caracteres, tampouco desprovido de uma reflexão afim às pretensões do país por ora atacado. Os iranianos sabem onde estão, o que representam, e o porquê de serem atacados. Sabem que o atual episódio se trata de uma isca para que o país se torne o epicentro de uma nova guerra no Golfo. Mas também sabem das dificuldades que os EUA teriam em sustentar a invasão de um país grande, populoso, com condições geográficas dificultosas, com importante base urbano-industrial e com expressivo grau de legitimidade e coesão política das forças governantes. Portanto, a resposta tende a tomar contornos indiretos, e aguardar seu tempo propício.
Por fim, Teerã também sabe que a prioridade resta em fortalecer sua influência no plano regional, ao tempo em que consolida suas relações com a Rússia e a China no plano global. A resiliência iraniana ao cerco dos EUA e as recorrentes rusgas entre os dois países apontam não para uma escalada militar de gigantescas proporções, mas para a adoção de minuciosos cálculos de poder, e quiçá o estabelecimento de um novo equilíbrio para a retomada das negociações. É fato, contudo, que os quadros de transição sistêmica tendem a conformar eventos disruptivos. Se ocorrerão, apenas o tempo e as decisões políticas dirão.
(1) Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
(2) Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI), da Universidade de Brasília (UnB).
ROLDAO LIMA JUNIOR
10/01/2020 - 05h58
No front iraquiano, as Forças da Coalizão, lideradas pelos EUA, atuam, ostensivamente, desde 1990, para neutralizar antagonismos regionais maximizados pelos embates entre as diversas correntes do fundamentalismo islâmico, garantindo, assim, o suprimento de petróleo e seus derivados para o mundo, a preços razoáveis. Com o 11 de setembro, os EUA viraram a chave para o combate ao terror, unindo contra si os fundamentalistas islâmicos. Hoje, os EUA, autossuficientes e exportadores de petróleo, vivem o dilema entre retirar ou continuar com as suas tropas na região. Se continuar, permanece sob o ataque ostensivo dos fundamentalistas islâmicos. Se retirar suas tropas, abandonando a Coalizão, abre espaço para a ressurreição do ISIS e a hegemonia da Rússia no Oriente Médio. Desgastado por apoiar a ditadura síria, Putin deve refletir sobre as consequências da provável hegemonia russa no Oriente Médio com a retirada das tropas americanas da região. Depois do desgaste no Afeganistão (1979/1989), com o Talibã, a Rússia estará disposta a enfrentar, novamente, os fundamentalistas islâmicos? Impasse estabelecido. A recente eliminação do para-militar Qasem Soleimani, pelos EUA, em território iraquiano, joga mais incerteza no futuro da estabilidade política na região. Soleimani era uma liderança xiita que estava à frente da Força Quds, paralela às forças armadas iranianas, criada no decorrer da Revolução Islâmica, diretamente subordinada ao Líder Religioso Supremo do Irã. Soleimani gozava de admiração e respeito dos fundamentalistas islâmicos da região. Era a personalidade política fundamentalista mais influente na região, competindo com a autoridade e o prestígio dos clérigos no poder, junto à população xiita iraniana. A Quds de Soleimani estava fugindo do controle das autoridades iranianas. Estava ganhando vida própria. Soleimani estava a serviço no Iraque, por sua conta e risco, com o objetivo de organizar as ações dos insurgentes iraquianos contra o atual governo iraquiano e a presença americana no país. Era um risco à estabilidade política do Oriente Médio que, a princípio, é de interesse de todos os países banhados pelas águas do Golfo Pérsico, incluindo o Iraque e próprio Irã. Desta forma, é plausível considerar que, nas condições “cirúrgicas” em que foi realizada, com o uso de alta tecnologia militar, a eliminação do Soleimani foi articulada pelo Iraque e pelo Irã, em conluio com os EUA, em prol da estabilidade política no Oriente Médio. Só o tempo e a evolução da situação poderão trazer à tona as reais razões do incidente. Mas, fatos recentes ocorridos após a eliminação de Soleimani, tendem a comprovar essa tese. O primeiro fato foi a resposta pro-forma iraniana à “agressão” americana, dada por ocasião do sepultamento do líder xiita eliminado. Mísseis lançados sobre unidades militares iraquianas e redondezas da embaixada americana em Bagdá, não provocaram baixas. Apenas danos materiais. O segundo fato foi o tom conciliador e moderado do discurso do presidente americano Donald Trump, diante da inocuidade da reação iraniana. “Está tudo bem”, disse o presidente americano. O terceiro fato foi o silêncio ensurdecedor do governo iraquiano sobre o incidente. O quarto fato foi a preocupação do governo iraniano em se antecipar quanto às causas da queda do avião comercial ucraniano, com 176 passageiros a bordo, momentos após da decolagem do Aeroporto de Teerã, negando que o mesmo tenha sido alvo de ataque de míssil. O quinto fato foi o EUA prontamente amenizarem a tragédia no sentido de que, se o avião comercial ucraniano foi alvo de ataque de míssil de curto alcance, houve disparo acidental. Tudo conspira contra o Soleimani – a pedra nos sapatos dos aiatolás iranianos. Seu corpo foi identificado pelo anel. Não me comoveu o choro copioso dos aiatolás iranianos durante as exéquias do Soleimani. Jogo de poder iraniano. Ainda pairam dúvidas?
Andressa
07/01/2020 - 16h35
Não existe lugar no Mundo mais nojento e bagunçado que o Oriente Médio.
A mensagem foi clara e não acontecerá absolutamente nada a não ser alguns traques aqui e alí desses porcos barbudos como sempre fizeram. Os iranianos ficarão quetos sem fazer merda por um bom tempo, sabem bem que se tornariam o maior estacionamento do mundo ao ar livre em menos de 15 minutos.
Alan C
07/01/2020 - 17h42
Aquilo que vc chama de os iranianos ficaram (e não ficarão) quietos (e não quetos) era o Irã cumprindo o acordo nuclear que aquele porco imundo do chefe do bozo correu.
A concepção de certo e errado desses animais da bozolândia é de matar um de rir, rs.
Andressa
08/01/2020 - 00h15
Adoro a democracia Venezuelana, a Cubana, a Chinesa, a Iraniana e Brasileira do Peteólão também.
Wellington
08/01/2020 - 00h19
Nós gosta de quem corta a cabeça de mulheres e gays, e aí ?
Abdel Romenia
08/01/2020 - 00h20
Nosso chefe é Emílio Odebrecht e aí ?
Alan C
08/01/2020 - 09h24
Tá, camundongo, mas da próxima vez faça um resumo e comente uma vez só e de preferência usando só um nome ao invés de três.
chichano goncalvez
07/01/2020 - 15h54
Enquanto existir a direita mundial, teremos opressão, desemprego, fome miseria, causadas pelas guerras, cujos senhores estão em suas mansões, comendo caviar , bebendo champagne, e cheirando heroina ou algo semelhante, ou alguem pensa que o trafico é mantido pelos pobres e miseraveis que se arriscam a ganhar um troco a mais ? E o mundo segue, e quem paga os descalabros são os pobres soldados analfabetos politicos.