Comecemos por uma notícia boa. O saldo da balança brasileira do petróleo nunca foi tão positivo.
Historicamente, o Brasil tem sido um importador líquido de petróleo. Nossa autonomia, consequência do pré-sal, é um fenômeno recente.
Em 2019, o saldo da nossa balança do petróleo ficou positivo em US$ 12 bilhões, um recorde histórico.
O lado ruim é que o saldo poderia ser muito maior.
Nossas exportações de petróleo somaram US$ 30 bilhões no ano passado, mas também aumentamos dramaticamente a importação nos últimos três anos. Em 2019, importamos US$ 18 bilhões em petróleo.
Caso o Brasil não aproveite esse novo boom dos preços do petróleo para se industrializar, repetiremos a mesma história que conhecemos desde que os portugueses vinham ao país explorar nosso pau-brasil: um ciclo de riqueza fácil e efêmera, seguido de longos períodos de estagnação econômica.
Rápida digressão newtoniana.
Uma das descobertas mais revolucionárias da ciência moderna é a de que a energia nunca morre.
A energia é imortal, indestrutível, infinita. Ela apenas se transforma: calor se converte em movimento, movimento em eletricidade, eletricidade em luz, luz em calor, e por aí vai, num ciclo infinito.
Se dermos um tapa na mesa, a nossa energia cinética se transforma de várias maneiras: além de fazer a mesa vibrar, também criamos energia sonora (que é uma energia em forma de ondas, que se deslocam pelo ar).
Esta lei, a mais importante da física, a mais simples, a mais aplicada na indústria moderna, chama-se Lei da Conservação da Energia, e foi descoberta por Isaac Newton. Ela aparece, com a beleza de uma máxima de Espinoza, logo no início da “Principia Matemathica“:
Corpus omne perseverare in statu suo quiescendi vel movendi uniformiter in directum, nisi quatenus a viribus impressis cogitur statum illum mutare.
Todo corpo persevera em seu estado de repouso ou de movimento uniforme na linha reta, a menos que seja compelido a mudar esse estado por forças impressas nele.
(Primeira Lei do Movimento).
A descoberta abriu caminho para a revolução industrial do século XIX.
O desafio maior, tanto no passado como hoje, todavia, é controlar a energia, o que pressupõe armazená-la de alguma maneira, para usá-la no momento adequado.
O petróleo tem servido à humanidade, há mais de um século, como a sua mais importante fonte de energia, tanto primária (ou seja, em seu uso para a fabricação de outras formas de energia), quanto final (no consumo doméstico e das indústrias), porque é relativamente fácil armazená-la, transportá-la, dividi-la e vendê-la em quantas partes quisermos.
Fim da digressão.
Segundo o Anuário de Energia 2019 da Agência de Informação Energética do governo americano (EIA – Energy Information Agency), o petróleo seguirá sendo a principal fonte de energia do planeta pelo menos até 2050.
A mesma agência estima que o consumo de energia no mundo deve crescer cerca de 50% até 2050, liderado pela Ásia.
O ano de 2019 foi bom para o setor de energia. Ainda segundo a EIA, as commodities de energia (petróleo, sobretudo) valorizaram-se mais do que outros produtos.
Eu separei abaixo uma série de tabelas sobre o comércio exterior brasileiro.
Apesar da exportação brasileira de petróleo ter gerado US$ 30 bilhões em 2019, fazendo com que o petróleo assumisse, pela primeira vez na história, a liderança isolada como principal produto brasileiro de exportação, ultrapassando o ferro e a soja, o saldo da nossa balança comercial caiu ao menor nível em cinco anos.
O petróleo brasileiro foi exportado em 2019 sobretudo (80%) na forma de óleo bruto, mas houve um aumento expressivo nas vendas de “fuel oil” (um derivado de baixo valor agregado), gasolina e querosene de aviação.
As exportações brasileiras de gasolina (um dos produtos de petróleo com maior valor agregado, junto com diesel) cresceram quase 90% sobre 2018, gerando US$ 1,2 bilhão em 2019, mas este valor ainda é pouco mais da metade das despesas com importação do mesmo produto, que somaram US$ 2 bilhões no mesmo ano, alta de 42% sobre o ano anterior.
O principal produto de petróleo importado pelo Brasil é o óleo diesel. Em 2019, o Brasil gastou US$ 6,7 bilhões com a importação de diesel, alta de 6% sobre o ano anterior.
Em 2014, quando os preços do petróleo ainda estavam relativamente altos, chegamos a gastar US$ 9,6 bilhões com a importação de diesel.
Em quantidade, porém, as importações de diesel de 2019 constituíram um recorde histórico: 11 milhões de toneladas, 82% das quais originadas dos Estados Unidos.
A velocidade com que os EUA dominaram nossas importações de diesel é impressionante: antes de 2016, os EUA supriam menos de 40% das nossas compras externas de diesel, percentual que salta para 84% e 82% nos últimos dois anos.
Hoje o Brasil está quase superando o México como principal destino do diesel dos EUA.
Outro gráfico impressionante é o que mede a “corrente comercial” brasileira de petróleo, ou seja, a soma de exportação e importação: ele mostra uma curva ascendente muito acentuada, superando 100 milhões de toneladas em 2019. Em valor, a corrente de comércio do petróleo totalizou US$ 48 bilhões no ano passado, o equivalente a 12% de toda a corrente do comércio do Brasil.
Também apuramos a “balança brasileira de derivados de petróleo”. Nesta o Brasil nunca deixou de ser deficitário: ainda precisamos importar grandes quantidades de derivados para suprir nossa demanda interna. O déficit da nossa balança de derivados não está mais tão elevado como nos anos de 2013 e 2014, quando explodiu por causa dos preços; mas está em US$ 7 bilhões, bem acima da média dos últimos 20 ou 30 anos.
Por fim, separei uma tabela com os principais produtos importados pelo Brasil em 2019. O petróleo figura em primeiro lugar. Os quase US$ 18 bilhões que importamos em produtos de petróleo em 2019 corresponderam a 10% de tudo que importamos no período.
Com um desempenho tão espetacular das nossas exportações de petróleo, o Brasil poderia estar vivendo hoje uma de suas melhores fases econômicas, fazendo grandes investimentos em pesquisa, ciência, educação, além de financiar estratégias para diversificação econômica, reindustrilização e busca por maior autonomia nacional em serviços tecnológicos de ponta.