O Brasil será palco, em breve, de uma das guerras comerciais mais emblemáticas do nosso tempo, em torno da tecnologia 5G. Por essa razão, a entrevista do presidente da Huawei, abordando temas relacionados à entrada no Brasil, deve ser examinada em todas as suas entrelinhas.
Aproveitei e publiquei também uma entrevista recente do presidente da Huawei, junto com outros nomes importantes da tecnologia mundial.
No Valor
‘EUA tratam a América Latina como seu quintal’, diz CEO da Huawei
Durante entrevista, na qual o Valor foi o único jornal brasileiro presente, Ren Zhengfei mostrou não temer a guerra comercial com os EUA nem aceitar ser acuado
Na primeira entrevista à imprensa latino-americana, o CEO da Huawei, Ren Zhengfei, revidou a pressão americana contra a expansão da empresa no continente. “Os Estados Unidos tratam a América Latina como seu quintal. Nosso objetivo é ajudar a América Latina a sair desta armadilha e manter a soberania de seus países. A América Latina é o melhor lugar do mundo.”
A entrevista, que aconteceu na sede da Huawei, na cidade chinesa de Shenzhen, teve a participação da imprensa de seis países da América Latina. O Valor foi o jornal brasileiro presente. Outros seis órgãos da imprensa espanhola também participaram.
Ao comentar as perspectivas da Huawei em cada país, Ren Zhengfei procurou convencer a opinião pública latino-americana das vantagens competitivas da China em relação aos Estados Unidos nas relações com o continente. “A tecnologia 5G chegará num momento em que falta impulso para o Brasil ultrapassar os Estados Unidos.”
Indagado sobre as perspectivas para o leilão do 5G que acontecerá no próximo ano no Brasil, Ren Zhengfei sinalizou sua preocupação: “A legislação brasileira é muito complicada e pode ser uma barreira para o desenvolvimento tecnológico. Devemos vencer a barreira da legislação e as restrições políticas”.
Ao dizer que a grande aposta da Huawei é a inteligência artificial, Ren não teve receio em notar, para a opinião pública de um continente assolado pelo desemprego, que esta nova fronteira tecnológica pode “reduzir o número de funcionários e diminuir os conflitos trabalhistas”.
O CEO da Huawei também não se preocupou em reproduzir estereótipos sobre o Brasil. “Com distribuição da riqueza pelo governo e o desenvolvimento tecnológico das empresas, o brasileiro poderá se dedicar mais ao samba, que nunca poderá ser substituído pela inteligência artificial.”
Ren Zhengfei minimizou a prevenção contra a China demonstrada pelo presidente da República na sua campanha eleitoral. “Quando o presidente conhecer a Huawei vai mudar eventuais opiniões que tenha tido no passado”, disse.
Demorou-se ainda a falar sobre as perspectivas da Huawei na Argentina e no México. Sobre o vizinho brasileiro, que voltou recentemente ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e pode ficar mais suscetível às pressões americanas, disse esperar que as relações fossem estreitadas para que possa “vender mais sua carne para nós e contribuir com o desenvolvimento científico da agricultura chinesa”.
Sobre o México, Ren Zhengfei disse que a Huawei vai construir naquele país uma planta para a pesquisa e desenvolvimento de armazenamento de dados em ‘nuvens’ e sinalizou que a parceria com a operadora americana AT&T naquele país pode vir a ser usada como instrumento de pressão na disputa com os EUA. “A AT&T tem forte presença no México e 90% de seus equipamentos são da Huawei. Testou lá as inovações tecnológicas que foram levadas aos Estados Unidos. Foi assim que os EUA começaram a prestar atenção na Huawei.”
Incluído, em maio, pelo governo americano, numa lista de empresas banidas pelo país, a Huawei tem conseguido prorrogar contratos com fornecedores americanos como Intel e Microsoft, mas já enfrenta restrições efetivas com o Google. Por isso, tem buscado sistemas operacionais alternativos, como o Harmony, para seus computadores e celulares. Ren Zhengfei disse, porém, que espera que esta seja uma saída breve. “Sem a Intel, os chips e os microprocessadores americanos, não teríamos chegado onde estamos hoje. Espero que as restrições sejam temporárias.”
Ao longo de toda a entrevista, que durou duas horas, o CEO da Huawei manteve a postura de quem não teme a guerra comercial entre a China e os EUA nem aceita ser acuado.
“A disputa com os EUA não criará um novo muro de Berlim porque a era da informação não comporta muros. Depois da recessão econômica, os Estados Unidos perderam mercado. Se não pode fornecer para o mundo inteiro, o país deve se conformar em reduzir sua presença na economia mundial.”
Ao longo da entrevista, foi confrontado com questões como a contradição de o governo chinês não aceitar restrições americanas mas limitar o acesso à internet no país ou a prisão por 250 dias de um ex-funcionário da empresa. “Muitos chineses acreditam que a China é perfeita, mas temos muitos conflitos internos e dificuldades”, disse.
Assim como tem feito desde o fim de 2018, quando passou a dar mais entrevistas como estratégia para enfrentar o cerco americano, Ren repetiu a ideia de que seus equipamentos não têm ideologia, são apenas condutores de informação. Não tergiversou, no entanto, em tomar posição contra as fake news, cuja difusão ganhou velocidade na era a informação: “São prejudiciais à sociedade. A lei deve controlar sua difusão com restrição ou mesmo a suspensão das contas que as utilizem”.
*A jornalista viajou a convite da Huawei