A pesquisa completa do Atlas Político: uma análise

O Atlas Político divulgou o relatório completo, de sua pesquisa, que é feita através de 2.000 convites online, randomizado.

Eu publico os gráficos abaixo, e faço comentários em seguida abaixo de alguns deles.

O gráfico revela que o governo Bolsonaro não é um governo popular, mas a comunicação e a postura que este nunca foi o seu objetivo. O governo Bolsonaro, como bem definia o saudoso Wanderley Guilherme, é um “governo de ocupação”. Para ele, o importante é manter o apoio de algumas categorias sociais: seus próprios eleitores, para começar, e os cidadãos com renda familiar acima de 2 salários. Por isso, essa pesquisa aí dificulta o trabalho do analista. Numa sociedade tão desigual, é necessário olhar sempre para a segmentação por renda e instrução da opinião pública.

O gráfico mostra três lideranças políticas com menos de 10% de “não sei”, ou seja, que são mais conhecidas por todos os entrevistados: Bolsonaro, Moro e Lula.

Impressiona um pouco os 40% de positivo de Paulo Guedes.

A imagem negativa de Moro subiu mais de 15 pontos desde abril, de 30% para 46%, ao passo que sua image positiva caiu mais de 10 pontos, de 61,5% para 48%. Mas ainda é o político com melhor imagem no país.

A imagem de Bolsonaro está abaixo de Moro, o que também é explicável pelo Bolsonaro receber o impacto maior do desgaste de governo. A aprovação popular a Bolsonaro deve ruir de baixo para cima. A insatisfação dos mais pobres devem contaminar, mais cedo ou mais tarde, as categorias intermediárias.

A aprovação a Paulo Guedes é subsidiária a de Bolsonaro. O gráfico segue as mesmas tendências e os números são parecidos.

A aprovação a Lula segue a tendência oposta a de Bolsonaro: ela melhora de baixo para cima. A opinião dos mais pobres vai contaminando, aos poucos, os segmentos intermediários. O problema maior de Lula, porém, não se vê neste gráfico, que é sua rejeição entre famílias com renda superior a 2 salários. Teremos que aguardar outras pesquisas, com segmentação por renda, para verificar se esta melhora ou não.

O gráfico sobre Haddad é bastante emblemático. Como não é uma figura que se expõe muito, a sua rejeição deve refletir, ainda mais do que com Lula, que tem aprovação e rejeição mais personalistas, um sentimento em relação a seu partido. Mais uma vez, a falta de segmentação por renda, de qualquer forma, torna difícil analisar os dados.

Ciro perdeu quase 9 pontos de rejeição desde abril., que caiu de 59% para 50%. Sua aprovação de 26% é um número respeitável. E Ciro tem, segundo esta pesquisa, um eleitorado “virgem” de 24%, que ainda não tem opinião formada sobre ele. A sua estratégia de se distanciar do PT talvez se explique por isso: esses indecisos, segundo diversas pesquisas, formam um público anti-polarização, contra o PT e contra Bolsonaro.

A deterioração crescente ao João Dória, mesmo ele não tendo grande presença na mídia, é um fenômeno curioso. Talvez reflita os ataques de Bolsonaro a ele. É rejeitado pelo petista, pelo cirista e pelo bolsonarista.

A imagem de Maia encarna a do “político tradicional”. Sua rejeição oscila para cima e para baixo, mas caiu 5 pontos de agosto para cá, e sua aprovação atingiu seu ponto máximo, 16%.

Esses números refletem o espírito punitivo popular, comum num país onde a segurança pública é um problema tão dramático. Eles dificultam o trabalho da esquerda, que vive algumas contradições difíceis. Enquanto foi governo, a esquerda foi punitiva, aprovando leis que fizeram a população carcerária crescer dramaticamente no país. Governos petistas aprovaram leis da ficha limpa, da delação premiada e da organização criminosa; submeteram-se ao corporativismo do Ministério Público, aceitando a famigerada lista tríplice na indicação do PGR. Usaram critérios um tanto dúbios para nomear ministros do STF. Hoje, a mesma esquerda é a campeã da luta contra o punitivismo, por coincidência no momento em que seus principais membros estão enrolados com a justiça.

A pesquisa mostra uma população dividida, com uma maioria ainda apoiando a prisão do ex-presidente. O problema de Lula, como sempre, é a segmentação por instrução e renda. A parcela da população que defende sua prisão, em geral famílias com renda acima de dois salários, grita mais alto nas redes sociais.

Mas a tendência é positiva para Lula. De abril até novembro, o percentual dos que eram contra sua prisão passou de 33% para 44,4%, alta de 11 pontos. E os que eram a favor de sua prisão passaram de 58% para 48%, queda de 10 pontos. O efeito “Vaza Jato”, mais todo o trabalho da campanha “Lula livre”, devem ter influenciado bastante.

Entretanto, o gráfico acima mostra que nem todos que são contra a prisão do ex-presidente consideram sua condenação injusta. Há um percentual que simplesmente acha que Lula já pagou sua pena. A pesquisa mostra que 52% consideram “justa” sua condenação, um número que parecerá maior nas redes sociais em função do corte de classe: famílias com renda um pouco mais alta, e mais instruídas, com mais voz nas redes, tendem a um posicionamento mais anti-Lula.

Esse é o número mais tranquilizador dessa pesquisa, e prova uma teoria: a de que a eleição de Bolsonaro não foi tanto um fenômeno de direitização da sociedade brasileira, e sim mais a união entre dois fatores quimicamente explosivos: desejo de mudança e o desgaste político do petismo.

O gráfico acima é muito importante para entender o sentimento popular, e ajuda a explicar tanto a vitória de Bolsonaro como as dificuldades da esquerda de mobilização. As pessoas continuam assustadas, e isso beneficia o discurso da lei e da ordem. A polêmica sobre a prisão em segunda instância, neste sentido, veio em boa hora para galvanizar o bolsonarismo e a direita em geral.

A população ainda vê a corrupção como um problema em curso, e isso explicaria a decisão do presidente de se desfiliar do PSL, tentando se afastar dos problemas de corrupção de seu partido, e fundar uma nova legenda. O gráfico acima também ajuda a explicar porque Sergio Moro, ministro da Justiça, ainda é o político mais popular do país, mais até do que Lula.

O gráfico acima mostra exatamente o que vimos em 2018: Lula tem um grande potencial de voto, mas também uma rejeição extremamente alta e enrijecida, que é agravada pelo corte de renda e instrução. Como os eleitores mais instruídos inclinam-se mais para o anti-lulismo, essa rejeição ao ex-presidente acaba ressoando mais alto do que os números médios apontam.

O gráfico acima, por outro lado, mostra que Lula tem um eleitorado bastante fiel, de 32%, que acredita que ele venceria as eleições “com certeza”; entretanto, temos 39% que dizem exatamente o contrário, que ele “com certeza não venceria”.

A posição do candidato “apoiado por Lula”, de 41%, não é de todo má. Entretanto, como já dissemos várias vezes ao longo dessa análise, o problema maior de Lula é o corte de instrução e classe, que outras pesquisas deixam bem claro, e que o prejudicam. Os extratos superiores da classe baixa (classe baixa média e classe baixa alta), além das classes médias, fazem muito mais barulho nas redes sociais do que as categorias mais situadas ao rés do chão da pirâmide social.

Interessante notar que Moro tem mais força do que Bolsonaro, provavelmente por apresentar menor rejeição. Daí a ideia do presidente, já aventada por esses dias, de lançar uma chapa com os dois nomes: Bolsonaro na cabeça e Moro de vice.

O gráfico acima prova as teses de que o Brasil tem basicamente dois partidos: o petismo e o antipetismo. Já escrevi aqui no Cafezinho sobre o livro Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans – Voting Behavior in Brazil, de David Samuels e Cesar Zucco, que trabalha justamente essa teoria, a de que o antipetismo adquiriu características próprias de uma subcultura partidária.

O antipetismo se explica, ainda segundo o livro, pela impressionante força do PT. O gráfico acima mostra o partido com quase 20% da preferência partidária, abafando qualquer outra agremiação. O PSL, em segundo lugar, acaba de perder seu principal líder, o presidente Bolsonaro, então tende a sumir do mapa novamente, deixando o PT reinar, mais uma vez, sozinho. Todos os outros partidos, com 2% para baixo, estão “dentro da margem de erro”.

Entretanto, é justamente esse cenário, do PT aparecer como uma altíssima  torre isolada no meio do deserto, que dá força ao antipetismo. Em geral, os países tem duas ou três forças políticas organizadas, e os processos de rejeição se diluem entre elas. Por isso, seria saudável que a esquerda cultivasse um pouco mais de pluralidade, o que ajudaria a reduzir a rejeição ao PT. Também seria bem vindo o surgimento de forças políticas mais ao centro, ou mesmo conservadoras, que também atrairiam os movimentos de rejeição.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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