E a Reforma Tributária? O que você precisa saber sobre o jogo.

Por Victor Lins Mendes

São inúmeras as propostas de Reforma Tributária, entretanto, duas delas se tornam as mais relevantes: a da Câmara e a do Senado. A do Governo seria a terceira, mas tem desidratado. Partindo do diagnóstico segundo o qual os dois maiores problemas do Sistema Tributário atual são ‘regressividade’ e ‘ineficiência’, passa-se a comparar as propostas.

Todas simplificam o modelo: a da Câmara e a do Senado substituem impostos típicos do setor produtivo, como IPI, ICMS e ISS, pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). O governo havia se manifestado por fazer uma simplificação mais ampla em um único tributo sobre Movimentações Financeiras (chamada de “CP”), aquela que lembrava o modelo da CPMF.

Entretanto, a má percepção do grande público com relação a essa proposta a desestimulou, implicando inclusive no afastamento de Marcos Cintra, então Secretário da Receita Federal.

Com relação à profundidade das alterações do sistema atual, a ordem crescente é: Câmara, Senado. A Câmara apenas propôs trocar 5 tributos (IPI, Pis, Cofins, ICMS e ISS) pelo IBS, de alíquota unificada, sem retirar competências federativas, criando um Comitê Gestor formado por União, Estados e Municípios, isto é, apenas simplifica a tributação do setor produtivo. A do Senado, por seu turno, vai além e exclui também IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), CIDE-Combustíveis e Salário-Educação, e deixa o IBS apenas com os Estados, compensando a arrecadação municipal com o IPVA e ITCMD (herança e doações); e unifica Imposto de Renda e CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido). Ainda, ambas também criam um “Imposto Seletivo” federal para tributar mais pesadamente produtos que o governo deseja desestimular o consumo, como cigarro, por exemplo.

Sob o ponto de vista da redistribuição de renda, isto é, de se rever o caráter regressivo do sistema, seria possível organizar, de modo decrescente, as reformas da seguinte forma: Senado, Câmara. A do Senado é a que lidera esse processo, principalmente por três medidas: coloca o ITCMD na competência federal e faz o IPVA atingir aeronaves e embarcações e excluir transporte público de passageiros e cargas. A medida pertinente ao ITCMD anula a guerra fiscal entre os Estados, o que possibilita maior tributação sobre grandes patrimônios, uma vez que tal regulação será unificada. Já as medidas relativas ao IPVA possibilitam repercutir mais tributos aos indivíduos de maior renda/patrimônio e ameniza a repercussão sobre os menos favorecidos.

Por seu turno, a reforma da Câmara se pretende mais neutra, se limitando a simplificação, entretanto deixa uma margem para o parlamento, posteriormente, por Lei Complementar, criar mecanismos de alguma devolução da carga tributária sobre consumo às pessoas de baixa renda. Entretanto, com o ânimo de fazer uma reforma mais técnica e menos política, aos moldes dos manuais de economia, o idealizador da PEC da Câmara, Bernard Appy, excluiu qualquer possibilidade de isenções e demais benefícios tributários, o que incorreria no fim de programas de desenvolvimento regional, como a Zona Franca de Manaus, por exemplo. Esse tipo de medida dificulta a aprovação, tendo em vista que no Senado todos os estados são representados da mesma forma e os Senadores do Norte e Nordeste acabar por votar contra.
Assim sendo, é preciso projetar cenários que percebam o jogo de poder real. Reformas estruturais geralmente acontecem por iniciativa do governo; entretanto, dada a má condução do Governo no processo legislativo, na reforma previdenciária a Câmara ganhou protagonismo na discussão e, em resposta, na tributária o Senado tenta não perder seu espaço de impulsionador de mudanças. Portanto, considerando a fraqueza da proposta da Câmara com relação às não-isenções e a vontade de Alcolumbre em se posicionar, o desenho que parece mais provável é o de formação de uma comissão mista do Congresso Nacional para que haja uma convergência, resultando em uma única proposta, que deve incorporar mais elementos da atual PEC 110/2019, do Senado.

Victor Lins Mendes – Auditor Fiscal e Cientista Político.

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