O editor do Cafezinho, Miguel do Rosário, entrevistou a deputada estadual Delegada Martha Rocha (PDT-RJ) na segunda-feira 4 de novembro de 2019, no gabinete dela, prédio anexo da Alerj.
Abaixo, a íntegra da transcrição.
Cafezinho: Como pré-candidata a prefeita do Rio de Janeiro, você já identificou quais são os principais problemas da cidade?
Martha: Eu costumo dizer que a cidade do Rio vive uma tempestade perfeita. Você pode olhar para qualquer lado da política pública, e você vai encontrar deficiências. A questão da saúde salta aos olhos. A população de rua: a gente não pode aceitar que 15 mil pessoas vivam numa situação de vulnerabilidade. As causas delas estarem na rua são causas diversas. Vai desde uma pessoa que constrói uma casa na árvore, na Lagoa, porque não tem dinheiro para ir pra casa, até as pessoas que estão vivendo e gerando seus filhos na rua.
Hoje, no Rio de Janeiro, a placa que você mais vê é a do “Aluga-se” e do “Vende-se”. Essa questão econômica e financeira tem de ser enfrentada. A questão do comércio. Um terço da vaga do primeiro emprego passa pelo comércio.
A questão do trânsito: essa enorme confusão que a gente vive; a questão recente da linha amarela: a maneira como o prefeito resolveu encerrar uma concessão… Eu não estou nem fazendo a discussão aqui se deve ou não encerrar a concessão. Estou falando das práticas que se adotaram para se resolver um problema que, obrigatoriamente, tinha que seguir um outro caminho jurídico. Então eu acho que hoje há um grupo de pessoas que estão estudando os problemas da cidade. Mas, como eu te falei, considerando os problemas que nossa cidade enfrenta, temos grandes desafios para trazer de volta esse espírito de uma cidade maravilhosa.
Cafezinho: O prefeito Crivella (PRB) encampou essa questão da linha amarela de uma maneira brutal e agora tem uma pendência jurídica, há essa confusão… qual seria a sua solução para a Linha Amarela?
Martha: Acho que nós vivemos num regime que pensa a apreciação pela lei. O que a gente viu ali foi todo mundo quebrando algo que foi construído. Nós iremos pagar uma multa não só pelo que fizemos, não só pelos dias parados, mas também pelo dano que a prefeitura causou. Então acho assim: quero saudar a memória de Brizola, que não permitiu que se tivesse qualquer tipo de pedágio na linha vermelha.
Nós podemos até analisar essa possibilidade de não ter o pagamento de um pedágio, de uma tarifa, seja lá o que for, mas não da maneira como a prefeitura conduziu. No meu modo de ver, é uma condução eleitoreira, porque ele achou que isso lhe renderia votos, e a gente vive num sentimento de insegurança jurídica. Quem é que vai querer firmar qualquer tipo de contrato com uma prefeitura que resolve a seu modo tomar as suas decisões?
Então, acho que vamos respeitar a lei e os ditames que a lei tem nesse sentido. Por isso que eu digo: eu quero reviver a memória de Brizola, que não permitiu que tivesse qualquer tipo de cobrança quando se inaugurou a Linha Vermelha. Essa não foi a decisão [para a Linha Amarela], mas vamos seguir os ditames do Estado Democrático que manda a apreciação através do Poder Judiciário, do contrato, de todas as regras necessárias para o cancelamento de um contrato.
Cafezinho: Martha, o Bolsonaro deu uma entrevista ontem, à Record, dizendo que há 80% de chance dele criar um novo partido e lançar candidato na maioria das cidades. Como ele é do Rio de Janeiro, é provável que ele lance na cidade um candidato bem próximo a ele. Pelo desempenho que ele teve no Rio em 2018, é provável que esse candidato saia com uma base forte nas eleições municipais do ano que vem, em 2020, e deve ser um adversário seu, caso você seja realmente candidata à prefeitura, e isso deve nacionalizar muito as eleições municipais, pelo menos aqui no Rio de Janeiro. Você acha que isso vai ser bom ou ruim para o Bolsonaro?
Martha: Eu participei na semana passada do “Reage, Rio”. E uma das questões que foram colocadas ali que eu concordo plenamente é a gente trazer a questão municipal para a escolha do que a cidade precisa. Vamos olhar para os problemas da cidade, escolher esse candidato, de acordo, primeiro, com as nossas ponderações políticas sobre aquilo que desejamos; e segundo, olhando para a cidade. Eu acho que esse movimento do Bolsonaro vai, sem dúvida nenhuma, polarizar, sob certo aspecto, a questão nacional. Não acho que isso seja difícil de acontecer. Por outro lado, a lei eleitoral, quando ela não permite que você faça coligação na proporcional [legislativas, no caso, para vereador], isso vai impor, de certa forma, que os partidos tenham candidatos. Então nós vamos ver aí um número expressivo de candidatos. Agora, eu também acredito muito no bom senso das pessoas. Então, eu acho que as pessoas vão também olhar para o resultado – e mais à frente teremos mais um ano de governo – para o resultado concreto do que foi isso.
As pessoas vão olhar e dizer assim: aquilo que eu escolhi lá atrás realmente foi bom pro meu país? Aquilo que foi dito para mim que seria um plano de governo, aquilo realmente aconteceu? Aquilo ajudou a melhorar a economia? Aquilo ajudou a questão da segurança, que foi um tema tão colocado?
Eu não tenho medo da polarização da campanha. Não tenho medo disso, até porque tenho muito orgulho do candidato do PDT, que é Ciro Gomes, e não tenho menor dúvida que Ciro, se eleito, transformaria esse país numa nação. Agora, quero dizer o seguinte: quero olhar para a cidade, quero ser um candidato que vai estar olhando para a cidade e apresentando as propostas para a cidade. Mesmo que de alguma maneira, nessa análise que você bem colocou, que essa eleição possa ser polarizada, na minha campanha eu vou estar discutindo a cidade do Rio de Janeiro.
Cafezinho: Eu entrevistei o secretário do PSB aqui no estado do RJ, o Bira Marques, e estávamos conversando sobre essa tentativa de criação de um polo que fuja da polarização excessiva. Você acha que é possível isso com a entrada de um candidato muito ligado ao Bolsonaro? A criação de um polo que não seja tão ligado a um polo ou outro…
Martha: Acho que estamos tentando construir isso, e estaremos realizando um seminário entre PDT, PSB, PCdoB… estamos tentando, pelo menos, sentar, conversar e olhar para esse cenário buscando a melhor estratégia. Eu tenho o maior respeito pelo Alessandro Molon (PSB-RJ), tenho o maior respeito pelos companheiros do PCdoB e acho que nossa missão é essa mesmo. Quando olho para o cenário na cidade do Rio de Janeiro, de modo particular, acho que, primeiro: a cidade não suporta amador. Acho que a experiência atual do governo Crivella, de quando falo “tempestade perfeita”… queria que as pessoas me dissessem: “nesse campo das estratégias, das ações, aqui vai-se bem”, mas não há uma notícia boa para o cidadão carioca. Não há uma notícia sobre a qual possamos dizer “ali deu certo”.
Não faço coro com aqueles que dizem “quanto pior, melhor”. Quero meu país bem, minha cidade bem, então não faço esse coro. Mas acho que haverá um momento em que teremos que decidir e acho que esses três partidos, PSB, PCdoB e PDT, pelo menos sinalizam uma capacidade de diálogo. Porque o que vemos em outros cenários é mais ou menos um contrato de adesão. “Vem pra cá”, mas na condição de uma “adesão”. “A titularidade é minha”, dizem. Não é isso que queremos construir. Queremos construir uma ponte de conversa e acho que esses três partidos, por si só, têm na sua história uma capacidade de interlocução e estão tentando construir um cenário que seja diferente.
Volto a dizer: acredito no bom senso das pessoas. Acho que terá um momento em que ninguém aguenta mais “fake news”, polarização, e há uma avenida para ser percorrida mostrando: “olha, tem aqui uma pessoa, uma candidatura, que demonstrou ter valores políticos muito interessantes e que tem uma ideia, um programa de governo para a cidade”. Acho que tem uma avenida aí para ser caminhada. Que podemos construir essa trajetória.
Cafezinho: Martha, você mencionou o fato de terem forças que querem só emprestar uma “titularidade”… imagino que você pensou na candidatura do Marcelo Freixo e no discurso de uma “união da esquerda” no Rio de Janeiro em torno de uma candidatura. Você acha que essa possibilidade de haver essa união da esquerda em 2020 sob a liderança de Freixo está excluída?
Martha: A política é uma ciência de um contexto em um determinado momento. Hoje sou uma militante do PDT. Estou a disposição do meu partido para esse desafio que foi colocado. Do lado de lá, meu partido me diz: “teremos uma candidatura própria e é a de Martha Rocha”.
Não serei vice de ninguém. Não dá pra se chamar pra uma conversa sob a perspectiva de que outro será seu vice. Por isso falo de “contrato de adesão”. Por isso, quero dizer: hoje, o PDT terá uma candidata e ela será Martha Rocha. Estou à disposição do PDT. Se houver uma mudança nesse contexto – que não acredito que haverá – com uma força que está no outro extremo, aí acho que o PDT terá que arranjar outra pessoa para ser vice. Eu não serei vice de ninguém. Mas respeito e acho que todas as candidaturas são legítimas.
É legítimo ao Brizola Neto, ao Alessandro Molon, ao Marcelo Freixo, como é legítimo à Martha Rocha ter sua candidatura. Não vejo nada de irregular nisso. Só digo que em algumas tentativas de articulação, a proposta que se traz nunca é a proposta de olhar para o outro como o titular da campanha. Por isso acho que política é uma ciência do futuro: não se faz futurologia com política; política é negociação. E política eu não faço com fígado. Faço sempre com serenidade e estou no mundo para construir pontes. Acho que temos aí, volto a dizer, uma avenida para percorrer, no sentido de conjugar o que é melhor para a cidade.
Cafezinho: Um dos principais problemas do Rio de Janeiro é o desemprego. O Rio é campeão em desemprego no país. É uma das capitais com maior índice de desemprego e é uma cidade que vive de serviços. Tem potencial de turismo muito grande, no entanto se vê as praias abandonadas e não se tem nenhum investimento nesse sentido. Como você acha que a prefeitura pode ajudar a reduzir o desemprego na cidade?
Martha: O turismo é o novo petróleo. Essa cidade que tem uma vocação natural para o turismo, já que tem um povo acolhedor, um belo cenário, uma perspectiva de grandes eventos, de produzir eventos… vimos o show que foi o Rock in Rio. Então, acho que a prefeitura é uma incubadora de oportunidades. O que a prefeitura tem que fazer é a conjugação dessa situação e dessas oportunidades.
O Rio de Janeiro tem dois grandes eventos tradicionais: o Reveillón e o Carnaval, além dessa possibilidade do Rock in Rio. O que será ano que vem esse Congresso Internacional de Arquitetura? Isso vai polarizar para a cidade do Rio de Janeiro não só o Congresso em si, mas vemos que haverá um olhar para a cidade nos próximos vinte anos que pensa e que nos permitirá discutir a questão do urbanismo. Então acho que a prefeitura pode e deve fazer isso. E ela tem como se movimentar para que possa haver uma geração de emprego. Tem que ser um compromisso da prefeitura o de buscar, não abrindo concurso público, mas abrindo oportunidades: chamando as pessoas e construindo oportunidades para enfrentar o desemprego, sobretudo sobre esse olhar de que o Rio de Janeiro é, antes de tudo, uma cidade de prestadores de serviço.
Cafezinho: Gostaria de falar um pouco sobre meio ambiente, já que muito se fala sobre a questão ambiental na Amazônia, as manchas de óleo chegando na costa do nordeste, inclusive podendo chegar ao Rio de Janeiro, o que afetaria muito o turismo no Rio… mas sobre o meio ambiente de forma geral, você tem alguma ideia de como podemos ter uma política ambiental para o Rio de Janeiro mais eficaz, mais inteligente?
Martha: Acho que não dá para pensar com êxito em nada, inclusive na agricultura, se não pensarmos no respeito ao meio ambiente. Acho que vimos um pouco nessa questão das queimadas o quanto a questão do respeito ao meio ambiente pode impactar o Brasil até nos acordos estrangeiros. Te confesso que nesse momento ainda não pensei numa política específica para o meio ambiente. Mas tenho um entendimento: de que não há nada que você possa fazer sem pensar na sustentabilidade. Acho que essa questão ambiental tem que ser visitada de forma transversa: em tudo que se passar. Pensar, ter esse compromisso com o meio ambiente, em tudo que se passar.
Cafezinho: Sobre mobilidade urbana, que também é um dos principais problemas do Rio de Janeiro. Temos muita gente que trabalha no centro e pega de três a quatro horas por dia no transporte público, temos a cidade completamente engarrafada, é um caos total. Você tem algum projeto de investimento ou melhora para a mobilidade urbana?
Martha: Todo mundo tem que pensar na mobilidade urbana. Há uma pesquisa que diz que as pessoas, dependendo do ponto onde estejam, levarão de duas a quatro horas para ir da casa para o trabalho e vice-versa. Temos uma dependência muito grande do transporte via ônibus e essa questão tem que ser enfrentada. Temos que repensar os trajetos para tentar solucionar toda a questão do transporte, não só na sua segurança mas também nos corredores necessários para se deslocar.
E temos essa questão que pelo visto o próximo prefeito herdará que é a questão da Niemeyer, uma via importantíssima fechada e sem solução, da mesma forma que houve uma intervenção do BRT e nenhuma novidade: nada foi decidido e há a necessidade de uma consultoria. E agora a retomada pelos antigos dirigentes do consórcio… Isso mostra um grande imbróglio.
Acho que se deter a esses dados e pensar em um programa específico, e iniciarmos um grupo de trabalho para atingir todos esses elementos importantes das políticas públicas, é um compromisso fundamental de qualquer candidato.
Cafezinho: Uma solução óbvia para a mobilidade urbana seria o transporte ferroviário, que todas as grandes capitais do mundo usam em grande escala: metrôs, VLTs… são muito caros, requerem um investimento muito grande, mas o mundo inteiro investe nesse sentido…
Martha: Quem fala muito sobre isso é o arquiteto Sérgio Magalhães. Ele fala sobre outras experiências em que se conseguiu êxito na questão do transporte ferroviário. Claro que é algo a ser pensado, mas quero dizer com muita verdade que estamos estudando esses temas e buscaremos uma proposta eficiente no campo do transporte.
Cafezinho: Voltando pra política a nível mais partidário e também cultural, o Bolsonaro aqui no Rio de Janeiro teve quase 60% dos votos no primeiro turno. Ciro teve quase 20%. PT teve 11%. A que você atribui essa votação tão expressiva do Bolsonaro na cidade do Rio de Janeiro, onde, em outras eleições, a esquerda ganhou?
Martha: Acho que a cidade do Rio de Janeiro faz parte desse contexto que foi estabelecido no Brasil. Havia uma insatisfação, e a questão da segurança foi algo que interferiu muito. E sem dúvida nenhuma, o episódio da facada potencializou a votação para o Bolsonaro. Eu assisti uma entrevista em um canal de TV na qual uma pessoa próxima ao Bolsonaro teria dito que ele mesmo, após o episódio da facada, narrou que sabia que tinha aumentado em muito as chances de ser o novo Presidente do Brasil.
Então, temos que lamentar isso ter acontecido, e volto a dizer que tenho muito orgulho de nosso candidato Ciro Gomes, e acho que Ciro, se estivesse no segundo turno, faria do resultado das eleições totalmente diferente. Levamos ao segundo turno a polarização que havia se estabelecido entre PT e PSL e tenho convicção de que se houvesse um segundo turno com Ciro, o resultado seria outro. Mas acho que o Rio de Janeiro faz parte desse contexto que foi polarizado, portanto, aí está o resultado.
Cafezinho: Recentemente, saiu uma pesquisa no Datafolha sobre rejeição aos partidos. Basicamente, o PSL e o PT têm uma rejeição muito alta. No caso do PT, famílias com renda acima de 5 salários rejeitam o PT em até 59%. Essas famílias com até 5 salários não são, em geral, uma elite. O marido e a mulher, cada um, faz mais ou menos dois salários. Isso a nível nacional. A que você atribui o surgimento desse antipetismo que foi tão determinante na campanha?
Martha: Volto a dizer que é fruto desse cenário que se estabeleceu. Tínhamos passado por 2014, e em 2014 essa casa já teve uma renovação. Não foi a primeira vez em 2018, que essa renovação também aconteceu. Acho que faz parte disso. Havia uma insatisfação adormecida nas pessoas. Uma insatisfação não verbalizada. Lamentavelmente, não foi possível a esquerda demonstrar o que atingiu diretamente o PT. Lamento tudo isso. Faz parte desse cenário, e nesse cenário as pessoas demonstraram sua insatisfação, que está calcada na questão da segurança, do desemprego, da ética… Isso ficou muito polarizado, então acho que o resultado está aí.
Lamento que as pessoas não tenham visitado a história do PDT, um partido por que as conquistas trabalhistas foram feitas. É um partido que tem um compromisso com a educação e a ética. Lamento, verdadeiramente, que as pessoas não tenham percebido que havia uma outra solução que não seria necessariamente “caminhar pro outro lado”, que era a candidatura de Ciro Gomes.